Versão Inglês

Ano:  1939  Vol. 7   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 169 a 172

 

ASPERGILOSE NIGER DO CONDUTO

Autor(es): DR. JOSÉ REBOUÇAS

Resumo:
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Victoria - E. Espirito Santo.

A originalidade do presente trabalho reside na raridade desta afecção entre nós e na terapeutica empregada. Compulsamos a literatura da especialidade, no Brasil, ao nosso alcance e nada encontramos a respeito da aspergilose. Embora não tenhamos a pretenção de apresentar o primeiro caso registrado na nossa literatura, ficariamos muito gratos si algum colega nos quizesse comunicar algum trabalho que porventura escapou ao nosso conhecimento. Passamos a relatar as tres observações feitas por nós no decorrer de 9 meses, depois de seis anos de clinica.

I.a) O. M. G., casada, branca, com 30 anos de idade, brasileira, residente em Victoria, veio a consulta em nosso serviço no Hospital dos Funcionarios Publicos, no dia 25 de Março de 1938, queixando-se de fortes dôres do ouvido esquerdo, que se acentuavam pela pressão digital sobre o tragus. Pelas suas informações constatamos que os seus sofrimentos já datavam de 15 dias, tendo-se iniciado com prurido no conduto.

Ao exame superficial das regiões proximas ao conduto, nada nos chamou a atenção. Praticando a otoscopia notamos o fundo do conduto cheio de escamas epidermicas misturadas a uma massa amarelada, de consistencia pastosa, aparentando o pús em via de dessecação. Fizemos uma lavagem com pressão moderada afim de podermos examinar o timpano. Não só o conduto como o timpano se apresentavam fortemente hiperemiados sem, contudo, podermos constatar perfuração deste ultimo.

Deante disto ficamos com o diagnostico provisorio de otite externa difusa e prescrevemos o tratamento recomendado em tais casos. As melhoras apresentadas pela doente foram diminutas, apezar dos curativos diarios e das aplicações de raios infra-vermelhos.

No dia 13 de Abril, a paciente viajou para o interior do Estado, voltando no dia 5 de Maio com os sintomas agravados e surdez pronunciada do tipo transmissão. Durante novo exame, constatamos o mesmo aspecto anterior, causando-nos extranheza a coloração negra da secreção. Interrogando a paciente quanto á possibilidade de ter usado algum medicamento que não os por nós recomendados, respondeu-nos negativamente. Veio imediatamente ao nosso espirito a lembrança da aspergilose niger, embora soubessemos da sua raridade no Brasil. Levamos a paciente ao Laboratorio da Saúde Publica, onde o Dr. Edgard Neves fez o exame do esfregaço, constatando grande quantidade de micelios e esporos caracteristicos. A cultura em meio de Sabouraud deu uma vegetação abundante. Confirmado assim o diagnostico, restava o tratamento a aconselhar. Lembramo-nos de uma observação que haviamos lido na Revue de Laryngologie, Otologie et Rhinologie, de Janeiro de 1938, da autoria de R. Engel, na qual o autor relata um caso onde falharam todos os medicamentos comumente empregados, tendo, finalmente, conseguido exito com o violeta de genciana acidificado pelo acido latico, a conselho de Lépine, do Instituto Pasteur. Prescrevemos para a nossa doente a formula de Mangabeira Albernaz: Violeta de genciana e fucsina aná - 0,50; acido fenico 0,25; agua distilada 50,0. Esta formula foi aplicada três vezes ao dia. No dia imediato cessaram as dôres e desapareceram as escamas negras caracteristicas, tendo-se completado a cura em 5 dias.

2.a) M. S., viuva, com 53 anos, branca, residente em Vitctoria.. Apresentou-se em nosso consultorio queixando-se de prurido no conduto direito e ligeira dôr.. A surdez era leve, incomodando-a ligeira autofonia. A doença datava de uma semana. Ao exame constatamos o conduto cheio de detritos epidermicos. Após a limpeza verificamos no sulco epitimpanico um crescente negro que nos chamou logo a atenção para o aspergilus. Nesse mesmo dia, á tarde, levamos a paciente ao Laboratorio, onde, o Dr.. Edgard Neves encontrou raros micelios, achado que foi o suficiente para a afirmação do diagnostico. A terapeutica pelo violeta de genciana surtiu efeito em 24 horas. Dois dias após fizemos lavagem do conduto para retirar os restos micelares e aconselhamos que o tratamento se prolongasse por uma semana, para evitar as recidivas.

3.a) S. R., com 19 anos, casada, branca, brasileira, residente em Aymorés (Minas Geraes). Veio ao nosso consultorio no dia 10 de Fevereiro do corrente ano, queixando-se de dôres lancinantes em ambos os ouvidos. Já estava doente ha 15 dias. Os medico& que a estavam tratando esgotaram o arsenal dos analgesicos, sem conseguirem minorar seus sofrimentos, que já não a deixavam conciliar o sono havia varias noites.

Examinamos os condutos. Ambos apresentavam aspecto quasi identico. Retiramos os detritos que os enchiam, tarefa que não nos foi facil em virtude da hiperestesia acentuada. A epiderme estava hiperemiada assim como o timpano. Apezar da limpeza cuidadosa, a surdez se conservava bastante pronunciada. Mesmo sem um passado gripal proximo e sem termos verificado catarro nasal, ficamos com o diagnostico de uma otite media aguda. Prescrevemos: banhos de luz, vacina antipiogenica, e uma formula com Licor de van Sweeten, glicerina ana 1,0 e neoututocaina 0,50, para usar, aquecida, trez vezes ao dia. No dia imediato, as melhoras tinham sido insignificantes, chamando-nos, entretanto, a atenção a obstrução por massas amareladas identicas ás que haviamos retirado na vespera. Faltava o pigmento negro, mas nós sabemos.que, mesmo nas culturas, este pigmento aparece depois de certo tempo, podendo ter faltado aqui devido aos diversos tratamentos que vinham fazendo a doente. Pedimos exame microscopico que veio confirmar nossa suspeita com a constatação de grandes feixes de micelios. Mais uma vez foi a violeta de genciana de efeito rapido, voltando a paciente para o interior, 4 dias após o inicio do tratamento.

A otite externa micotica pode ser produzida por varios generos de fungos, porem os mais encontradiços são os aspergilus (niger, fumigatus e flavus). Na ordem de frequencia vem o penicilium, verticilium, etc.

Como fatores predisponentes, os autores citam a humidade, concorrendo para facilitar o desenvolvimento do cogumelo no solo ou nos objetos que possam ser manipulados. O descaso no asseio corporal pode crear terreno propicio para o desenvolvimento do parasita. A introdução de substancias oleosas no conduto, quer como medida da limpeza, quer como terapeutica, facilita o desenvolvimento do aspergilus, que prolifera facilmente no meio acido creado pela transformação dessas substancias em acidos graxos. A parafina liquida e a glicerina, pela mesma razão, não devem ser instiladas sem a previa adição de um antisentico.

Enquanto o parasita se desenvolve nas camadas superficiais da pele, apenas sua presença se revela por ligeiro prurido. Logo que os micelios atingem o corpo mucoso de Malpighi, os fenomenos dolorosos aparecem com maior ou menor intensidade, conforme o desenvolvimento do fungo. A dôr é explicada pelo ataque ás terminações nervosas intra-epidermicas. Quando ha comprometimento do timpano, junta-se a surdez do tipo transmissão, que varia de acordo com a intensidade de desenvolvimento da massa micelar alojada na epiderme timpanica.

A localisação timpanica pode ocasionar desde a simples miïingite até a perfuração da membrana com a consequente otite media micotica.

No que diz respeito ao tratamento, são inumeras as substancias, que os tratados aconselham: alcool puro ou salicilado; solução de formalina; sublimado; nitrato de prata; tintura de iodo; permanganato de potassio (Escat) ; biodeto de mercurio em alcool a 1 %. (É. Culpin - Year Book of Eye, ear, nose and Throat, 1935, pg. 334) ; violeta de genciana (empregada por Engel). Esta ultima terapeutica já vem citada na obra recente (1938) de Francis Lederer (Disceases of the ear, nose and throat) editada por F. A. Davis Co., Philadelphia), assim como o azul de metileno e a cresatina (acetato de metacresil). Esta ultima substancia tambem vem recomendada num artigo de Mac Burney, Ralph e Searcy: Otomicose; pesquisa sobre os agentes terapeuticos fungicidas (resumo feito por Rezende Barboza para a Revista Oto-laringologica de S. Paulo de Março-Abril de 1938).




Trabalho apresentado a Sociedade Medica da Santa Casa de Vitória, em 17 ds Fevereiro de 1939

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