Versão Inglês

Ano:  2001  Vol. 67   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - (19º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 119 a 122

 

Otite Externa. Necrosante Benigna ou Osteíte Necrosante Benigna do Meato Acústico Externo. Relato de Caso.

Benign Necrotizing Otitis Externa or Benign Necrotizing Osteitis of the External Auditory. Meatos Case Report.

Autor(es): Fernando A. Q. Ribeiro*,
Arthur G. L. B. S. Augusto**,
Inacio Hashimoto***.

Palavras-chave: meato auditivo externo, otite necrosante, osteíte necrosante

Keywords: external auditory meatus, necrotizing otitis, necrotizing osteitis

Resumo:
A otite externa necrosante benigna, também conhecida como osteíte necrosante benigna do meato acústico externo, é uma doença rara que ocorre em pessoas sadias, não diabéticas. A etiologia de como ocorre a formação do seqüestro ósseo permanece ainda desconhecida. É importante diferenciar este processo benigno da otite externa necrosante maligna e da neoplasia maligna do osso temporal, uma vez que o tratamento dessas afecções é diferente. Apresentamos um caso e a revisão da literatura.

Abstract:
Benign necrotizing otitis externa or benign necrotizing osteitis of the external auditory meatus is a rare condition which occurs in non-diabetic healthy people. The aetiology of the necrotic process with the formation of sequestrum in the bony external meatus is unknown. It is important to differentiate this benign process from malignant otitis externa and malign neoplasia of the temporal bone as the management of these conditions differs. We present one case and a review of the literature.

INTRODUÇÃO

A otite externa necrosante benigna é uma doença incomum, caracterizada pelo aparecimento de uma ulceração na pele do meato acústico externo, que se aprofunda através de lise óssea, chegando a formar um seqüestro no osso timpânico. É muitas vezes confundida com a otite externa maligna, com neoplasias ou com o colesteatoma do meato e descrita como uma característica peculiar destas doenças, não se dando conta, os autores, de que se trata de uma afecção própria. Tem semelhança clínica com a osteoradionecrose, mas os pacientes negam em suas histórias radioterapia local.

REVISÃO DA LITERATURA

Também conhecida por osteíte necrosante, foi inicialmente descrita por Goufas, em 19541. Embora seja uma entidade bem reconhecida, é freqüentemente confundida com a otite externa maligna2,5. Usualmente, manifesta-se por uma otorréia crônica não dolorosa, com ulceração do assoalho do meato acústico externo, circundada por áreas de necrose óssea. Sua etiologia ainda é desconhecida, sendo provavelmente multifatorial, relacionada a anormalidades vasculares1 ou ao trauma repetido do meato acústico externo3. Seu tratamento é clínico, mas eventualmente pode ser cirúrgico4.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

A. S. M., com 84 anos de idade, de cor branca, referiu quadro de eliminação de secreção purulenta pelo meato acústico externo esquerdo, indolor, há quatro meses, sem quaisquer outras queixas otorrinolaringológicas. Não relatou história de diabetes mellitus, ou de radioterapia prévia ou ainda qualquer passado de doença otológica.

Ao exame otorrinolaringológico, apresentou-se sem paralisia facial, hiperemia ou dor à palpação retroauricular. No meato acústico externo, notamos erosão de mais ou menos 1 cm, na região póstero-superior, que se comunicava com a cavidade da mastóide; cuja mucosa apresentava-se com aspecto normal (Figura 1). Não havia tecido de granulação no meato, migração ou retenção de pele ou seqüestro ósseo. A membrana timpânica tinha características anatômicas normais.

Na tentativa diagnóstica, foram realizados alguns exames complementares que mostraram glicemia de 88 mg%, cintilografia óssea (Gálio 67) com discreta captação e ausência de crescimento de microorganismos patógenos à cultura da secreção do meato acústico externo. A biópsia da borda da erosão revelou processo inflamatório crônico inespecífico e a tomografia computadorizada de ossos temporais mostrou uma comunicação do meato acústico externo com a cavidade da mastóide que se apresentava bem arejada (Figuras 2 e 3).



Figura 1. erosão de anais ou menos 1 cm, na região póstero-superior, que se comunicava com a cavidade da mastóide, cuja mucosa apresentava-se com aspecto normal.



Figura 2. Comunicação do meato acústico externo com a cavidade de da mastóide que se apresentava bem arejada (seta).



Sua otorréia cessou com tratamento local, mas a, descontinuidade do meato persistiu, tendo o paciente retornado à sua cidade natal sem queixas.

DISCUSSÃO

A otite externa necrosante benigna, também conhecida como osteíte necrosante benigna do meato acústico externo, é uma doença raramente descrita, pois normalmente é confundida com outras afecções da orelha externa.




Figura 3. Comunicação do meato acústico externo com a cavidade da mastóide que se apresentava bem arejada (seta).



É uma entidade clínica distinta4, cuja etiologia permanece ainda desconhecida, estando possivelmente relacionada a traumas repetidos do meato acústico externo4, 5, como o uso de protetores auriculares3, Parece ter relação com anormalidades vasculares dessa região1; provavelmente devido a alterações congênitas do osso timpânico. Cremos, todavia, que algum fator desencadeante, como o trauma, libere na região citocinas osteolíticas que desenvolvem o quadro necrótico.

Nos relatos da literatura, não encontramos referência quanto à predominância em relação a sexo, idade ou raça, embora tenham sido descritos mais pacientes do sexo masculino, com idade superior a 50 anos. Esses pacientes não eram diabéticos, nem tinham qualquer doença otológica pregressa Apresentavam história de otorréia, que variava de um a sei: meses, estando ou não associada a prurido, otalgia e perda auditiva2, 4, 5.

Como foi observado, nosso paciente não apresentava nenhuma característica que o enquadrasse nas doenças mam: comuns do meato acústico externo. Sua lesão parecia-nos mais semelhante à provocada por radioterapia (osteoradionecrose) mas o paciente negava este fato. Outra possibilidade seria a otite externa necrosante maligna, mas o paciente não ser diabético, a cintilografia com Gálio 67 foi de discreta captação e não se observou o crescimento de Pseudomonas aeruginoso ou de Stafilococcus aureus, os agentes mais comuns nessa doença. Sua biópsia foi negativa para qualquer neoplasia e não havia migração de pele para a mastóide, quer macroscopicamente, quer histologicamente. Face a isso, levantamos a hipótese de otite externa necrosante benigna.

Como existem poucos casos descritos na literatura, não há um consenso acerca de um tratamento que possa ser considerado o mais adequado. Eventualmente, o uso de gotas tópicas à base de corticóides e aminoglicosídeos ou curativos com essas duas substâncias, ou mesmo o emprego de ácido acético ou ácido bórico, podem resultar na melhora do processo. Recentemente, foi proposto um tratamento cirúrgico que consistiria em remover-se o osso necrosado por meio de curetagem ou pelo uso de brocas, com a colocação de fáscia do músculo temporal sobre o meato acústico externo, para promover a reepitelização dessa região4.

O diagnóstico diferencial deve ser feito principalmente com a otite externa necrosante maligna e com uma neoplasia maligna do meato acústico externo, além da osteo-radionecrose do osso temporal e do colesteatoma do meato acústico externo. y As descrições na literatura, normalmente, apresentam casos com necrose no osso timpânico; porém, nosso paciente a apresentava na região do meato correspondente ao processo mastoídeo.

Alguns autores afirmaram que a importância de se fazer o diagnóstico preciso dessa doença residiria no fato de diferenciá-la da otite externa necrosante maligna5, cujo tratamento é totalmente distinto, uma vez que a história prévia de radioterapia levaria ao provável diagnóstico de osteo-radionecrose, e a biópsia confirmaria a presença de uma neoplasia maligna. Para tanto, a Quadro 1 nos mostra uma comparação entre as principais características clínicas e de investigação da otite externa necrosante benigna com as da otite externa necrosante maligna.

Nosso paciente foi controlado apenas durante algum tempo, perdendo-se o seu seguimento quando teve que voltar para a sua tetra natal. Conversando com alguns colegas, descobrimos que eles também tinham casos muito semelhantes a esse, mas cujo diagnóstico preciso jamais fora feito, pois tentavam enquadrá-los nas doenças mais conhecidas do meato acústico externo. Trabalhos recentemente apresentados em congressos também estavam equivocados, e descreviam todas as suas características, mas com o diagnóstico de colesteatoma do meato acústico externo.

Teremos, portanto, ser importante o conhecimento da existência dessa afecção, que não é bem compreendida, visando a um estudo adequado da sua fisiopatologia e futuro tratamento.

COMENTÁRIOS FINAIS

A otite externa necrosante benigna, também conhecida como osteíte necrosante benigna do meato acústico externo, é uma doença rara descrita, que acomete principalmente o osso timpânico.



QUADRO 1 - Comparação entre as características clínicas e de investigação da otite externa necrosante benigna (OENB) com as da otite externa necrosante maligna (OENM) - apud Wormald, 1994, modificado.

* VHS: velocidade de hemossedimentação.



Sua etiologia permanece desconhecida, estando possivelmente relacionada a traumas repetidos do meato auditivo externo ou a anormalidades vasculares dessa região. Cremos que a liberação local de citocinas osteolíticas é o fator desencadeante da doença, e estudos a respeito devem ser feitos. É importante o conhecimento por parte do otorrinolaringologista da existência dessa afecção e de suas características clínicas, que podem ser inicialmente confundidas com outras doenças mais comuns, como a otite externa necrosante maligna, a neoplasia maligna do meato acústico externo, o colesteatoma do meato e a osteoradionecrose.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. GOUFAS, G. - The diagnosis and pathogenesis of benign necrotic osteitis of the external meatus. Annals of Otolaryngol. (Paris), 71: 390-5, 1954.
2. KUMAR, B. N.; WALSH, R. M.; SINHA, A.; COURTENEYHARRIS, R. G.; CARLIN, W. V. - Benign necrotizing osteitis of the external auditory meatus. The J. Laryngol. Otol., 111: 26970, 1997.
3. RECK, R. & MIKA, H. Changes caused by ear moulds in the shape of the formation of the external auditory meatus. Laryngol. Rhinol. Otol. (Stuttgart), 57 668-72, 1978.
4. WORMALD, P. J. - Surgical management of benign necrotizing otitis externa. The J. Laryngol. Otol., 108: 101-5; 1994
5. YOUNGS, R. & WILLAT, D. - Benign necrotizing osteitis of the external auditory meatus. The J. Laryngol. Otol., 99:8 05-8, 985.




* Chefe de Clínica do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo e Professor Adjunto de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
** Professor Assistente de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
*** Residente do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.

Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo/ SP.
Endereço para correspondência: Rua Dr.Cesário Mota Júnior, 112 - 01277-900 São Paulo/ SP - Telefone: (0xx11) 222-8405.
Artigo recebido em 24 de fevereiro de 2000. Artigo aceito em 10 de agosto de 2000.

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