Ano: 1992 Vol. 58 Ed. 2 - Abril - Junho - (9º)
Seção: Relato de Casos
Páginas: 124 a 129
Alongamento do processo estilóide. A propósito de quatro casos.
Elongated styloid process. Report of four cases.
Autor(es):
Wilma Terezinha Anselmo-Lima*,
Eduardo Bezzera Rocha**,
Hélio Lúcio Souza Filho***,
Carlos Alberto Rodrigues****,
José Antonio Apparecido de Oliveira*****
Palavras-chave: osso temporal, distúrbios de deglutição
Keywords: temporal bone, deglution disorders.
Resumo:
Os autores apresentam quatro casos diagnosticados como Síndrome de Eagle. Somente em dois o diagnóstico foi confirmado na pratica pelo desaparecimento dos sintomas pós cirurgia. O objetivo deste trabalho é alertar e estimular o interesse dos otorrinolaringologistas era pesquisar esta patologia quando os pacientes se queixam de odinofagia continua ou que piora com a deglutição, dor ma/ caracterizada na região cervical ou na faringe com irradiação para o omitido e sensação de corpo estranho na garganta. O diagnóstico pode ser confirmado pela palpação de formação óssea ponteaguda na loja amigdaliana e através de exames radiológicos. Os autores discutem a dificuldade diagnóstica e a via de acesso utilizada ao se indicar a terapêutica cirúrgica. A técnica empregada foi a extra-oral, procedimento que proporcionou um ótimo acesso ao processo estilóide, controle absoluto do campo operatório e curto tempo de realização.
Abstract:
The authors present four patients diagnosed as Eagle Syndrome. Of these, only two aceepted surgery, wich confirmed the diagnosis. The objective of this report was to alert otorhinolaryngologists to the possible presence of pathology when patients complain of odynophagia, continuous or worsened by deglutition or of generalized pain in the cervical zone or in the pharynx wich irradiates to the ispilateral ear, or even of a sensation of foreign body in the thoarat. The diagnostic can be confirmed by palpation of a sharp-pointed bony formation in the tonsillar crypt and through radiological examination. The authors discuss the diagnosis difficulty and the route of acesss to the estyloid process after the indication of surgery. The technique employed was the extra-oral procedure which permits excellent acess to the styloid process, absolute control of the surgical site and rapid operation.
INTRODUÇÃO
Alguns pacientes procuram o otorrinolaringologista com queixas de odinofagia contínua, ou que piora com a deglutição; outros reclamam de uma dor pouco caracterizada, sensação de corpo estranho na garganta. Queixas de cefaléia mal localizada também são comuns. Alguns desses pacientes já foram tratados por especialistas, recebendo orientações terapêuticas diversas sete resultados práticos para seus problemas, sendo então seus casos relatados como psiquiátricos, quando na verdade os seus sintomas podem ter uma causa orgânica localizada 1,2,3. Esses pacientes podem ser portadores de um Alongamento do Processo Estilóide (APE), também conhecido como Síndrome de Eagle. A síndrome pode subdividida em dois grupos: típica e atípica 4. A síndrome típica é aquela caracterizada por uma dor constante na faringe, que se irradia freqüentemente para o ouvido ipsilateral, salivação intensa, desconforto e engasgo à deglutição e impressão de corpo estranho na garganta. A dor é geralmente leve e incomoda, raramente severa, e os pacientes já foram amigdalectomizados no passado. Acredita-se que a dor seja devido à distorção e compressão das terminações nervosas sensitivas e motoras dos pares cranianos V, VII, IX e X. A Síndrome Atípica, também conhecida como Síndrome da Artéria Carótida, ocorre em pacientes amigdalectomizados ou não, e se caracteriza por uma dor cervical que se estende para a cabeça, como se estivesse acompanhando a distribuição da artéria carótida interna ou externa. Eagle atribui tal fato ao APE, o qual estaria determinando pressão e obstrução do braço carotídeo, além da pressão sobre os nervos simpáticos da parede arterial. Muitos pacientes apresentam tinnitus, que se tornam insuportáveis, quando o processo estilóide é palpado. Esse trabalho relaciona quatro casos atendidos em nosso serviço, e que apresentaram APE. Dois casos foram submetidos à cirurgia. Discutem-se a dificuldade diagnostica e a via de acesso ao processo estilóide. Seu objetivo é de alertar e estimular o interesse dos otorrinolaringologistas em se pesquisar essa patologia frente aos sintomas descritos.
PACIENTES E MÉTODOS
Foram atendidos durante o ano de 1989, quatro pacientes no Ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, os quais apresentaram sintomatologia semelhante. Foram submetidos a rigoroso exame clínico, e em seguida a exames radiológicos simples e planigrafïas, para elucidação de diagnóstico e conduta terapêutica.
1° Caso: L,F., feminino, 40 anos, foi atendida com queixa de otalgia, dores cervicais laterais difusas e sensação de aperto na garganta. Já havia sido amigdalectomizada. Durante o exame físico a palpação da loja amigdaliana mostrou a presença de formação óssea ponteaguda e perceptível. O exame radiológico confirmou o diagnóstico de APE, mas a paciente não quis ser submetida à cirurgia.
2° Caso: J.M., masculino, 51 anos, procurou o Ambulatório com queixas de odinofagia há dois anos que se irradiava para o ouvido direito, cefaléia mal localizada, emagrecimento e mudança na voz. Já havia sido submetido a duas fibroscopias com biópsia; planigrafia de laringe e exame contrastado com o primeiro tempo de deglutição, todos normais. Foi encaminhado para a Otorrinolaringologia para elucidação de diagnóstico. A inspeção, a amígdala direita apresentava-se em ptose, deixando à mostra seu.pólo superior, onde se palpou formação óssea. É importante salientar que no momento da palpação os sintomas se exacerbaram. A radiografia simples (ântero-posterior e perfil da mandíbula) mostrou processo estilóide direito predominante em relação ao esquerdo (Fig. 1). O paciente foi submetido a encurtamento do processo estilóide por via cervical. Foi colocado em decúbito dorsal horizontal, com o pescoço em hiperextensão e voltado para o lado contralateral sob anestesia geral. Após antissepsia, foi feita incisão arciforme subangulomandibular de mais ou menos 6 cm na pele e subcutâneo. Após se liberar e rebater o pólo inferior da glândula parótida, se identificar o ventre posterior do músculo digástrico com dissecção romba, o processo estilóide foi dissecado com urna pinça goiva ou saca-bocado. A exérese do mesmo foi feita com controle total do campo cirúrgico quanto às estruturas nobres e presença de sangramento (Fig. 2). O ato operatório teve uma duração de vinte minutos. No pós-operatório o paciente já não apresentava qualquer sintomatologia.
FIGURA 1- Incidência ântero-posterior de radiografia simples de mandíbula mostrando alongamento do processo estilóide direito.
3° Caso: M.C.P.S; feminino, 36 casos, apresentou-se à consulta com queixa de sensação de corpo estranho à direita abaixo da amígdala e dificuldade à deglutição. Já havia sido amigdalectomizada. Durante o exame físico, a palpação da loja amigdaliana mostrou a presença de formação óssea ponteaguda. O diagnóstico foi confirmado com exames radiológicos, mas a paciente também recusou a cirurgia.
4° Caso: S.B.; masculino, 26 anos, procurou o Ambulatório de Otorrinolaringologia dizendo ter notado o aparecimento de uma nodulação em região infra mandibular, profundamente à direita. Referia ainda incômodo à deglutição e ás vezes durante os movimentos de laterização da cabeça, principalmente quando nadava. O paciente havia sido amigdalectomizado aos 5 anos de idade. Ao exame físico palpou-se eminência óssea profundamente na região infra mandibular, anteriormente ao ângulo da mandíbula direita. A eminência também foi palpada na região da loja amigdaliana direita com o paciente queixando-se da agudização da dor. O exame radiológico confirmou o diagnóstico e o paciente foi submetido à cirurgia por via cervical, como no 2- Caso. No pós-operatório imediato o paciente já relatava desaparecimento de sintomatologia.
FIGURA 2- Parte do processo estilóide (Caso 2)
DISCUSSÃO
A constatação de processos estilóides alongados ou ligamentos estilohióides ossificados ou calcificados foi feita primeiro por anatomistas5. O processo estilóide origina-se do osso temporal imediatamente à frente do foramen estilomastóideo. Sua extremidade é cartilaginosa e avança sobre a apófise inferior do osso hióide como um ligamento estilo-hióide. Da maior importância clínica são as relações anatômicas do processo estilóide que podem ser assim resumidas: situa-se entre as artérias carótidas interna e externa imediatamente atrás da parede faringeana na área da fossa palatina; possui três músculos inseridos a ele, cada um dos quais supridos por um nervo próprio: estiloglosso (nervo hipoglosso), estilo-hióide (nervo facial) e estilofaríngeo (nervo glossofaríngeo), explicando portanto a presença de dor difusa que ocorre em muitos casos; possui dois ligamentos inseridos: o estilomandibular e o estilohióide o qual se insere também no corno menor do osso hióide, sujeito à ossificação em várias partes, centros de cartilagem embrionária5. O processo estilóide normal mede de 2,5 a 3 cm. Ele se desenvolve a partir do segundo arco branquial ou cartilagem de Reichert, que inicia seu desenvolvimento precocemente na vida fetal, da base do crânio em direção ao osso hióide. Em alguns casos há um continuado crescimento e ossificação dessa cartilagem resultando em um processo anormalmente longo e calcificado, podendo chegar a 6 cm. A incidência dessa anomalia (APE) varia de 4 a 28%. Kaufinan6 estudando 484 pacientes encontrou ao exame radiográfico 28% de casos amornais, seta correlação com a sintomatologia. Correll7 examinando 1771 casos de radiografias panorâmicas observou 18,2% de anormalidade, sendo 937 bilateralmente. Desses, 5% eram sintomáticos. Keur8 relatou a ocorrência de APE em 32,9% de pacientes do sexo masculino e 28,5% do feminino, sem diferença estatística. Ele ainda evidenciou a maior ocorrência da patologia em idosos, e sintomatologia positiva mais freqüente em pacientes do sexo feminino. Acredita-se que 4% da população mundial tenha APE. Somente 4% desses apresenta sintomatologia, a maioria acima dos 30 anos, sendo a raça negra a mais atingida4,9. Há muita controvérsia na literatura sobre a patogêneses do APE. Não se sabe se o ligamento estilóide torna-se calcificado, ossificado, resultado de um envelhecimento ou processo degenerativo, ou se representa uma anormalidade congênita, devido à persistência do elemento cartilaginoso ligado ao osso temporal o que explica a ocorrência da patologia em jovens 8,10,11. Steinmann12 sugeriu o seguinte mecanismo: crescimento do tecido ósseo na inserção do ligamento estilóide baseado em evidências histológicas de mudanças metaplásicas de células subperiosteais na vizinhança da inserção do ligamento. A sintomatologia apresentada pelo paciente pode ser bastante variada, como foi descrita acima, e totalmente atípica, como o caso descrito por Blatclifordl3, onde o paciente apresenta disfonia secundária à Síndrome. Eagle chama a atenção na realização do diagnóstico para a inconstância do processo estilóide longo como achado radiológico, dificultando uma conduta terapêutica adequada. Estudos como os de Grossmanl4, nos faz entender que apesar da relação direta do APE e a Síndrome de Eagle, este mesmo processo estilóide poderá radiologicamente se apresentar: 1. de tamanho normal, mas como espessamento do ligamento estilo-hióide; 2. alongado; 3. de tamanho normal, porém com seu ligamento ossificado. Apesar da sintomatologia difusa, a palpação do processo estilóide na loja amigdaliana exacerba o quadro doloroso referido pelo paciente, facilitando nestes casos o diagnóstico15,16. Revisando a literatura pode-se observar que quando há uma ausência radiológica de APE se opta por tratamento clínico, como a infiltração com corticóides. Os principais diagnósticos diferenciais que devem ser aventados diante de uma hipótese de Síndrome de Eagle são as Neuralgias Cranianas e as Disfunções Temporomandibulares. Os nossos quatro casos foram de fácil diagnóstico, porque os pacientes haviam sido avaliados por várias outras clínicas, nos alertando para a possibilidade de um APE. Os casos operados foram pela via extra-oral, procedimento que deu um ótimo acesso ao processo estilóide, controle absoluto do campo operatório e tempo curto de realização (vinte minutos). A cicatriz tornou-se imperceptível na região cervical para um ato cirúrgico limpo. Não podemos criticar o acesso oral sob anestesia local; porém lembramos ser um ato operatório contaminado 11,17 , que não oferece boa visualização e identificação das estruturas.
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* Professora Assistente do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia- Disciplina: Otorrinolaringologia FMRP-USP.
** Ex-Médico Assistente do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia - Disciplina: Otorrinolaringologia HCFMRP-USP.
*** Médico Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia do HCFMRP-USP.
**** Pós-Graduando do Área de Concentração Otorrinolaringologia FMRP-USP.
***** Professor Titular de Otorrinolaringologia e Chefe do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia FMRP-USP.
Trabalho realizado no Hospital dos Clínicas da FMRP-USP.
Endereço dos Autores: Departamento de otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - "Campas" de Ribeirão Preto - Ribeirão Preto/SP CEP 14049.