Ano: 1998 Vol. 64 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (13º)
Seção: Relato de Casos
Páginas: 640 a 642
Aplasia do Seio Maxilar - Relato de Caso.
Maxillary Sinus Aplasia - Report of a Case.
Autor(es): Jorge Henrique Arraes de Alencar Pierre*
Palavras-chave: seio maxilar, seios paranasais, hipoplasia
Keywords: maxillary antrum, maxillary sinus, hypoplasia, paranasal sinuses
Resumo:
Hipoplasia do seio maxilar é uma anormalidade ocasionalmente encontrada pelo otorrinolaringologista. Aplasia do seio maxilar, no entanto, é uma condição rara. Estas entidades clínicas podem ser decorrentes de defeitos no desenvolvimento, trauma; cirurgias, doenças sistêmicas ou neoplasmas. O diagnóstico correto é importante tanto para o radiologista quanto para o otorrinolaringologista e o oftalmologista, porque a opacificação do seio maxilar na radiografia de seios da face pode levar a um diagnóstico incorreto de sinusite crôrica ou tumor do antro maxilar, e o aumento da cavidade orbitária ipsilateral pode levar a suspeita de neoplasia orbitária, ocasionando, conseqüentemente, um tratamento inapropriado. Apresentamos um caso de aplasia do seio maxilar, descrevendo as anormalidades anatômicas associadas e revisando a literatura.
Abstract:
Maxillary sinus hypoplasia is an anomaly of the paranasa. sinuses occasionally encoutered by otolaryngologists. Aplasia of the maxillary sinus however is a rarely encoutered condition. This clinical entities can arise as a result of the developmental defects, trauma, surgery, systemic illness ol neoplasm. The correct diagnosis is important to radiologists otolaryngologists and ophtalmologists, because the apparent opacification of the maxillary antrum on sinus radiographs can lead to an incorrect diagnosis of chronic sinusitis of maxillary antral tumour and enlargement of the ipsilatera orbital cavity can misdiagnosed as orbital masses, and the patient are often treated inappropriately. A case of unilateral aplasia is reported. Associated anatomical anomalies anc review of the literature is described.
INTRODUÇÃO
A hipoplasia do seio maxilar é uma condição bem conhecida, encontrada em torno de 1,7 a 9 % dos pacientes com sintomas relacionados aos seios da face. Aplasia do seio maxilar, no entanto, é uma condição mais rara, encontrada em torno de 0,4 % deste mesmo grupo de pacientes. Estas condições podem resultar de defeitos de desenvolvimento, trauma, doenças sistêmicas ou neoplasías2. A falta de um diagnóstico preciso pode levar a procedimentos médicos e cirúrgicos desnecessários, uma vez que o raio x simples de seios da face pode mimetizar outras patologias. Em alguns casos, a tomografia computadorizada pode ser necessária para estabelecer o diagnóstico de aplasia ou hipoplasia. Apresentamos um caso de aplasia do seio maxilar esquerdo encontrado durante investigação de cefaléia.
RELATO DO CASO
Paciente branco, com 57 anos de idade, do sexo masculino, natural e residente na cidade do Crato /CE, procurou o Ambulatório de Otorrinolaringologia da Casa de Saúde e Maternidade São Miguel encaminhado pelo neurologista que, durante investigação para cefaléia, solicitou raio x simples de seios da face, cujo laudo foi ele velamento de seio maxilar esquerdo. No exame da cavidade nasal, encontramos um corneto inferior hipoplãsico e ausência de corneto médio no lado esquerdo. Como o paciente não apresentava sinais ou sintomas de sinusite, solicitamos tomografia computadorizada.
Os achados da tomografia computadorizada em cortes axiais (Foto 1) e coronais (Foto 2) foram: aplasia do seio maxilar esquerdo, aumento da cavidade orbitária ipsilateral
e arredondamento do assoalho da mesma, hipoplasia do corneto médio esquerdo e desvio elo septo nasal para a esquerda, além de deslocamento lateral do osso entre o seio maxilar aplásico e a fossa nasal. Os demais seios da face encontravam-se normais.
O paciente foi orientado em relação a aplasia ele seio maxilar e encaminhado ao neurologista para continuar a investigação diagnostica da cefaléia.
COMENTÁRIOS
Embriologicamente, o seio maxilar desenvolve-se no quarto mês de gestação como uma invaginação da inucosa do recesso maxilo-etmoidalj. Se ocorre interrupção elo desenvolvimento neste estágio, ocorre aplasia ou hipolasia. Esta invaginação penetra na maxila, reabsorvendo o osso, podendo ser identificada uma cavidade em torno da 16ª semana de gestação5. Ao nascimento, o seio maxilar mede aproximadamente 8,2 mm ântero-posteriormente; 3,3 mm, verticalmente; e 2,8 mm, lateralmente5. Do nascimento até a idade de 8 anos, aumenta em torno de 2 mm ao ano em suas dimensões vertical e lateral e 3 min ao ano em direção ântero-posterior.
Foto 1. Tomografia computadorizada em corte axial mostrando aplasia do seio maxilar esquerdo, atrofia do corneto médio esquerdo e desvio de septo para esquerda.
Foto 2. Tomografia computadorizada em corte coronal, onde vemos à esquerda: aplasia do seio maxilar, hipoplasia do corneto médio e aumento da cavidade orbitaria, cujo assoalho se encontra arredondado.
Após os 8 anos, este crescimento é mais lento e a pneumatização final é limitada pela irrupção dos dentes superiores. A origem da hipoplasia do seio maxilar não é bem conhecida e o processo em que uma pneumatização anormal ocorre tem sido pouco estudado. Hal propôs que falha no desenvolvimento do seio maxilar pode resultar de uma anormalidade que ocorra nos estágios iniciais de desenvolvimento intra-uterino. Uma infecção sinusal durante os primeiros anos de vida foi descrita como um possível fator na alteração do padrão de pneumatização do seio maxilar. -Paling propôs que uma infecção bacteriana crônica da cavidade nasal e dos seios maxilares pode ser responsável por uma periostite, levando à formação de osso novo e uma eventual obliteração total ou parcial do antro maxilar. Obstrução do seio maxilar tem sido implicada no desenvolvimento de atelectasia do seio maxilar, mas não está claro se a sinusite é um fenômeno primário ou secundário, em associação à hipoplasia. Outras causas de hipoplasia do seio maxilar adquirida incluem trauma facial, cirurgia facial desordens sistêmicas como talassemia, granulomatose de Wegener9 ou doença de Paget, ou metástases osteoblásticas. A hipoplasia pode também acompanhar anormalidades dos arcos branquiais como as síndromes de Treacher Collins e Crouzon12. Os efeitos da cirurgia no desenvolvimento dos seios paranasais permanecem incertos. Koslo e colaboradores apresentaram quatro casos sugestivos de hipoplasia secundária à cirurgia endoscópica dos seios da face.
A incidência de hipoplasia e aplasia dos seios maxilares foi estudada por Karmody e colaboradores', que examinaram radiografias dos seios paranasais de 750 pacientes com sintomas relacionados aos seios da face ou cefaléia não específica. Hipoplasia bilateral foi encontrada em 54 (7,2%) e hipoplasia unilateral foi vista em 13 (1,7%). Aplasia foi encontrada em três (0,4%) dos pacientes, sendo bilateral em dois e unilateral em um. Khanobthamchai e colaboradores 13, em uma série de 410 tomografias computadorizadas, encontraram 29 (7,0%) pacientes coral hipoplasia do seio maxilar. Segundo Bolger3 e colaboradores, a incidência deste achado é inversamente proporcional ao grau de desenvolvimento do seio maxilar, isto é, quanto menos desenvolvido, mais raro, sendo a aplasia do antro maxilar raramente encontrada.
Os achados radiológicos em pacientes com hipoplasia e aplasia do seio maxilar incluem opacificação (no raio x convencional), aumento da órbita do lado comprometido e deslocamento lateral da parede entre a fossa nasal e o seio hipoplásico, que pode simular destruição óssea causada por tumores do seio maxilar. O assoalho da órbita ipsilateral tem aspecto arredondado em contraste com o assoalho achatado do lado normal, que atinge esta conformação devido ao aumento da pneumatização do seio maxilar após o nascimento.
A opacificação do seio maxilar na radiografia de seios da face pode levar a um diagnóstico incorreto ele sinusite crônica ou tumor do antro maxilar; e o aumento da cavidade orbitária ipsilateral pode levar a suspeita de neoplasia orbitária. É importante fazer o diagnóstico correto da aplasia ou hipoplasia do seio maxilar para que o paciente não seja submetido a tratamentos clínicos inapropriados, bem corno cirurgias desnecessárias.
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* Mestre em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Endereço para correspondência: Jorge Henrique Arraes de Alencar Pierre - Rua Senador Pompeu, 458 - Centro - 63100-000 Crato /CE
Telefone: (088) 521-3767 - E-mail jhaap@netcariri.com.br
Artigo recebido em 22 de maio de 1998. Artigo aceito em 18 de agosto de 1998.