Versão Inglês

Ano:  1998  Vol. 64   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (10º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 625 a 628

 

Hemangioma de Septo Nasal: Relato de Caso e Revisão da Literatura.

Hemangioma of the Nasal Septum: A case Report and a Review of the Literature.

Autor(es): Guilherme L. Franche *;
Jaime L, Arrame ** ;
Fernando Ranghetti ***.

Palavras-chave: hemangioma, epistaxe, nariz

Keywords: hemangiorna, epistaxis, nose

Resumo:
Os autores apresentam um caso de hemangioma de septo nasal, doença benigna infreqüente que deve fazer parte do diagnóstico diferencial das massas nasais sangrantes. Seu diagnóstico requer um alto índice de suspeição aliado a recursos histológicos e de imagem. Uma vez confirmado, o tratamento de escolha é a cirurgia, com ou sem embolização angiográfica pré-operatória. A impossibilidade de incluir margens livres de pericôndrio adjacente no momento da ressecção está associada a uma alta taxa de recidiva. O papel de outras modalidades terapêuticas permanece indeterminado.

Abstract:
The authors present a case of nasal septal hemangioma, an incommon benign tumour that should be recognized as part of the differential diagnosis of bleeding mass lesions in the nose. lts diagnosic requires a high levei of suspicious as well as histologic and image techiques. Once confirmed, surgery with or without pre-operative angiographic embolization is tite treatment of choice. Failure to include a cuff of uninvolved perichondrium at the time of resection is associated with a high rate of recurrence. The role of other therapy modalities remains unclear.

INTRODUÇÃO

Uma grande variedade de fatores etiológicos pode causar obstrução nasal ou epistaxe isoladamente e em diversos graus de severidade. A presença concomitante destes dois achados, todavia, deve alertar o examinador para a possibilidade de uma lesão que necessite de investigação mais detalhada e, em determinados casos, mais urgente. Com apenas 65 casos relatados na literatura de língua inglesa até outubro de 1995, o hemangioma de septo nasal, apesar de raro, deve ser lembrado como possível causador de quadros obstrutivos associados a sangramento'. Com o objetivo de ilustrar os achados característicos e revisar os princípios de diagnóstico e tratamento mais atuais, apresentamos o caso a seguir.

APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

Mulher com 28 anos de idade, branca, foi referida ao Serviço de Otorrinolaringologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre por apresentar obstrução nasal em fossa nasal direita acompanhada de episódios de epistaxe ipsilateral espontânea lia três meses. À rinoscopia anterior, pôde ser visualizada com facilidade uma lesão expansiva, avermelhada e sangrante ã manipulação, ocupando a porção anterior da fossa nasal direita. Porém, não era possível ao examinador localizar o ponto exato de origem da massa (Figura 1). A paciente negava trauma nasal ou epistaxe no passado, bem como uso de medicação de qualquer espécie. No interrogatório dos aparelhos e sistemas, não havia evidência atual ou remota de doenças focais ou sistêmicas.

Em continuidade ao processo diagnóstico, a tomografia computadorizada (TC) da cavidade nasal e seios paranasais revelou o avanço posterior da tumoração em direção à rinofaringe, sem contudo alcançá-la. Não se observou invasão de estruturas adjacentes, nem sinais de remodelamento ósseo na periferia do tumor (Figura 2).

Complementando a investigação, procedeu-se à biópsia incisional da lesão, que confirmou, através da microscopia, o diagnóstico de hemangioma capilar (Figura 3).

De posse das informações acima, optou-se pela exérese cirúrgica como tratamento. A abordagem intranasal foi realizada com ressecção total da massa, ligadura do pédiculo vascular e eletrocauterização da sua inserção no septo cartilagínoso. Macroscopicamente, a peça (aproximadamente 1,5 x 1,0 x 0,8 cm) mostrava superfície lisa, sem ulcerações, com consistência firme ao toque (Figura 4). A perda sangüínea trans-operatória foi mínima, não havendo, da mesma forma, sangramento no pós-operatório imediato ou tardio.

Na ausência de intercorrências, a paciente recebeu alta hospitalar no segundo dia de pós-operatório. Desde então, as revisões ambulatoriais evidenciaram um curso com remissão completa dos sintomas, sem sinais objetivos de recorrência da doença em sete meses de seguimento.



Figura 1. Aspecto da hemangioma do septo nasal à inspeção.



Figura 2. Tomografia computadorizada de seios paranasais, em corte axial, mostrando o preenchimento da cavidade nasal direita pelo tumor.



Figura 3. Aspecto histológico, corado com hematoxilinaeosina, demonstrando o padrão característico do agregado bem definido de vasos separados por um estroma de tecido conjuntivo.



Figura 4. Peça cirúrgica secionada no seu eixo longitudinal.



COMENTÁRIOS

O número inexpressivo de casos de hemangioma septal descritos contrasta coma grande discussão sobre sua etiologia. A controvérsia gira em torno de duas principais hipóteses: (A) se o hemangioma seria resultado de uma reação inflamatória causada por um trauma direto sobre a porção anterior do septo ou (B) se a lesão é verdadeiramente uma neoplasia. Os defensores da primeira teoria argumentam que, sendo uma alteração isolada e não parte de uma desordem sistêmica cola múltiplas lesões angiomatosas, a origem seria um processo irritativo local. Resultaria da proliferação pós-traulrlática de um grupo local de vasos sangüíneas associada a um aumento da pressão hidrostática2. A vascularização proeminente da área de Kiesselbach e sua vulnerabilidade ao trauma digital sustentam tal idéia. Esse raciocínio falha, entretanto, em explicar o aparecimento de hemangiomas nos seios paranasais ou nas porções do septo fora do alcance dos dedos'. Alguns autores, por outro lado, consideram-no uma neoplasia benigna, apoiados principalmente na evidência de que, quando inadequadamente excisado, apresenta padrão de recorrência loca13.

O hemangioma de septo acomete preferentemente indivíduos na faixa etária pós-puberal, apresentando distribuição semelhante em ambos os sexos. Epistaxe e obstrução nasal unilaterais de algumas semanas ou meses de duração, como vistos no caso relatado, são as queixas mais freqüentes. A lesão pode, de maneira geral, ser visualizada à rinoscopia anterior, onde aparece como massa poliplóide ou séssil, preferencialmente no septo anterior. O suprimento vascular abundante no plexo de Kiesselbach faz dessa área o ponto lógico de sua origem.

Radiologicamente, o diagnóstico deve ser considerado em um paciente com história de epistaxe e uma massa que ocupa a cavidade nasal, realçando-se na fase contrastada da tomografia computadorizada (TC). Pode haver remodelamento ósseo. O contraste é um importante elemento de diferenciação entre o tumor (predominantemente vascular) e pólipos nasais ou até secreção retida nas suas adjacências. A literatura compara os achados da TC com aqueles da ressonância magnética (RM) e não encontra diferença quanto à acerácea díagnóstìca, sendo os achados semelhantes nos dois exames'.

As lesões nasais obstrutivas e/ou sangrantes que devem ser consideradas no diagnóstico diferencial compreendem os pólipos nasais, papiloma invertido, linfangioma, hemangiopericitoma, hemangioendotelioma, fístula arteriovenosa, doença de Rendu-Osler-Weber e, principalmente (por ser encontrado com relativa freqüência), o granuloma piogênico, que consiste de uma reação inflamatória exagerada ao trauma local 1-15,7.

Do ponto de vista histopatológico, o subtipo capilar é o mais encontrado nos hemangiomas originados no septo, enquanto que o cavernoso é o mais freqüente na parede lateral da cavidade nasal, particularmente nos cornetos, que normalmente possuem tecido cavernoso erétil. Muitos desses tumores, no entanto, podem apresentar-se histologicamente indefinidos, num misto de capilar e cavernoso. Apesar do risco de sangramento, o planejamento cirúrgico justifica a obtenção de uma biópsia incisional.

A despeito de pequenas variações na técnica, existe consenso na literatura quanto à indicação da cirurgia como tratamento de escolha. A excisão completa deve ser realizada incluindo urna margem livre de mucosa e pericôndrio que, se não removidos, aumentam a chance de recorrências. Também no sentido de diminuir a incidência de recidiva, é preconizada a eletrocauterização da base da lesão. Quanto ao acesso cirúrgico, alguns autores defendem uma ampla exposição do campo operatório através de uma rinotomia alar ou lateral, para melhor controle cio sangramento, embora lesões pequenas e de localização anterior possam ser acessadas por via intranasal1,5,7-9. Além disso, o resultado estético satisfatório deve encorajar o emprego desta abordagem.

Na tentativa de diminuir o sangramento, e dessa maneira facilitar o procedimento cirúrgico, a arteriografia cote técnica de subtração de imagens tem sido utilizada não só como recurso diagnóstico, mas como método terapêutico para lesões de natureza vascular através da embolização pré-operatório dos vasos tumorais. Essa técnica deve ser reservada para hemangiomas extensos e aqueles com origem nos seios paranasais, embora Sheppard e colaboradores defendam seu uso como rotina'. O papel de outras modalidades terapêuticas como crioterapia, laser (Nd-Yag), irradiação e injeção de agentes esclerosantes não está completamente definido

CONCLUSÃO

Frente ao exposto anteriormente, algumas colocações tornam-se oportunas: o hemangioma de septo nasal deve ser considerado na avaliação de todo paciente com queixas de epístaxe e obstrução nasal unilateral. O planejamento terapêutico requer, no mínimo, um exame de imagem, sendo a TC e a RM igualmente adequadas. Quando factível, a biópsia incisional complementa a investigação. Na presença de lesões de dimensões aumentadas, uma arteriografia seletiva com subtração de imagens permite a embolização do(s)

vaso(s) nutridor(es), reduzindo substancialmente o risco de sangramento trans-operatório. Defendemos a idéia de que esse estadiamento pré-operatório torna o tratamento mais simples e previsível, proporcionando ao cirurgião um planejamento detalhado e evitando eventuais surpresas durante o ato cirúrgico. Por fim, deve se reforçar a necessidade de uma exérese ampla que compreenda uma margem de pericôndrio livre da doença, o que torna menos provável a possibilidade de recidiva.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Otorrinolaringologista do Serviço de Otorrinolaringologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre (CHSCPA). Mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
** Ex-Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do CHSCPA.
*** Estagiário do Serviço de Otorrinolaringologia do CHSCPA.

Tratamento realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do CHSCPA. Trabalho apresentado na VII Jornada Sul-Brasileira de Otorrinolaringologia, de 29 a 31 de maio de 1997 em Canela /RS. Endereço pari correspondência_ Guilherme L. Pranche - Rua Mostardeiro, 333/ 508 - Moinhos de Vento - 90430-001 Porto Alegre /RS - E-mail: francheuvoyager.com.br. Artigo recebido em 13 de abril de 1998. Artigo aceito em 18 de agosto de 1998.

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