Versão Inglês

Ano:  1998  Vol. 64   Ed. 4  - Julho - Agosto - (11º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 417 a 420

 

Carcinoma. Ameloblástico de Maxila com Invasão Intracraniana: Relato de Caso.

Maxillary Ameloblastic Carcinoma with Intracranial Inmvasion: Case Report.

Autor(es): Ronaldo Carvalho Santos Júnior* ;
Aracy Pereira Silveira Balbani *;
Arlete Cristina da Silva Granizo**;
Luiz Ubirijara Sennes ***;
Ossamu Butugan****.

Palavras-chave: carcinoma ameloblástico, tumores odontogênicos, diagnóstico histopatológico

Keywords: ameloblastic carcinoma, odontogenic tumors, histopathological diagnosis

Resumo:
O carcinoma ameloblástico é tumor de rara ocorrência. Há 36 casos relatados na literatura inglesa até o momento. Destes, somente 12 casos acometeram a maxila. A classificação da Organização Mundial da Saúde (WHO) para carcinomas odontogênicos refere o termo ameloblastoma maligno para a neoplasia com características de ameloblastoma no tumor primário e presença de metástases. Slootweg e Muller (1984), em adição, incluíram o termo carcinoma ameloblástico para tumor primário com transformação maligna, independentemente de seu potencial metastático. Relatamos raro caso de extenso carcinoma ameloblástico de maxila, com invasão intracraniana. O tratamento cirúrgico foi paliativo, em razão da extensão do tumor. Houve grande dificuldade em estabelecer o diagnóstico diferencial histopatológico entre carcinoma de células escamosas, papiloma invertido e ameloblastoma.

Abstract:
Ameloblastic carcinoma is an unusual tumor. There have been a total of 36 cases of ameloblastic carcinoma in the English literature to date. Of these, only 12 cases have occurred in the maxilla. The WHO classification of odontogenic carcinoma refers the term malignant ameloblastoma as a neoplasm with features of an ameloblastoma in the primary and metastatic growth. Slootweg and Muller (1984), in addition, included the ameloblastic carcinoma as the primary tumor with malignant transformation, regardless of its metastatic potential. We report a rare case of extensive maxillary ameloblastic carcinoma with extensive cranial invasion. The surgical treatment was palliative due to the intracranial invasion of the tumor. There was great difficult to establish the histopathological diferencial diagnosis among squamous cell carcinoma, inverted papilloma, ameloblastoma and ameloblastic carcinoma.

INTRODUÇÃO

O ameloblastoma é neopiasia ectodérinica odontogênica rara, representando cerca de 1% dos tumores de maxila e mandíbula e 11% dos tumores odontogênicos,2,j. Sua locaização mais comum ocorre na mandíbula (80%), junto ao terceiro molar, ocorrendo na maxila em apenas 20% dos casos. Origina-se de qualquer dos remanescentes epiteliais relacionados com o desenvolvimento dos dentes: lâmina dentária, restos epiteliais de Malassez, esmalte, bainha epitelial de Hertwig, revestimento epitelial dos cistos odontogênico ou camada basal do próprio epitélio bucall 5.

Os carcinomas que se originam dos ameloblastomas têm recebido várias nomenclaturas: ameloblastoma maligno, carcinoma ameloblástico, ameloblastoma metastatico e carcinoma epidernóide intra-alveolar primário.

Os aineloblastomas malignos têm sido classificados pela Organização Mundial da Saúde (WHO) (Pindborg e cor. 1972) corno carcinomas odontogênicos.

De acordo com a definição da WHO, o tumor primário e as metástases dos ameloblastomas malignos teriam características hístologicamente benignas' (Tabela 1).

Slootweg e Muller (1984), dando continuidade aos estudos de Elzay (1982), definiram o carcinoma ameloblástico como tumor primário ameloblástico com transformação maligna (anaplasias menos diferenciadas), independente do potencial metastáticos. Foram relatados, até o momento, 12 casos de carcinomas ameloblasticos de maxila. Relataremos mais um caso de carcinoma ameloblástico de maxila, com- invasão intracraniana, mostrando as dificuldades diagnosticas.

RELATO DE CASO

M. L. C. S., com 32 anos de idade, do sexo feminino, branca.

Em 1991, a paciente apresentou quadro clínico de epistaxis recorrentes à direita e cefaléia frontal. Na época, foi realizada biópsia de massa tumoral ocupando a fossa nasal direita, em outro Serviço, cujo diagnóstico histopatológico foi carcinoma espinocelular grau III, com áreas de aspecto basalóide. A tomografia computadorizada (TC) mostrou lesão extensa, ocupando o seio maxilar direito e invadindo a fossa nasal direita, por erosão de sua parede lateral. Superiormente, acometia o etmóide anterior e posterior, órbita direita, e já se extendia aos seios esfenoidais, bilateralmente, com invasão das fossas cranianas anterior e média e da fossa pterigopalatina direita. O tumor foi considerado irressecável, sendo, então, a paciente submetida a 30 sessões de radioterapia (RDT), sem relato da dose aplicada e sem a resposta clínica esperada.


TABELA 1 - Classificação da Organização Mundial da Saúde. de Carcinoma odontogênico

(A) AMeloblastoma intra-ósseo
(B) Carcinoma intra-ósseo primário
(C) Outro carcinoma originado do epitélio odontogêncio, incluindo aqueles originados dos cistos odontogênicos.


Encaminhada ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em 1995, apresentava tumoração obstruindo toda a fossa nasal direita, cola abaulamento da pirâmide nasal. Em face da evolução atípica, foi questionado o diagnóstico prévio de carcinoma espinocelular. Realizada nova TC, os achados de invasão tumoral foram mantidos, em relação aos encontrados antes da RDT. A paciente foi submetida a duas biópsias consecutivas, e o diagnóstico foi papiloma invertido de células transicionais, embora o seu comportamento clinico não fosse usual.

À ressonância nuclear magnética (RNM), evidenciavase extensão até a região do clívus, envolvimento dos seios cavernosos e artérias carótidas internas (Figuras 1, 2 e 3).

Discutido o caso com o grupo de Neurocirurgia do mesmo Serviço, o tumor foi considerado novamente irressecável, sendo indicada cirurgia paliativa. O exame anátomo - patológico da peça cirúrgica revelou, inicialmente, diagnóstico de ameloblastoma. Foram então revistas as lâminas anteriores (inclusive as prévias à RDT), que se mostraram compatíveis com carcinoma ameloblástico. Em face do novo diagnóstico, e rediscutido o caso, o mesmo foi considerado, mais uma vez, irressecável.

A paciente foi submetida a mais uma ressecção higiênica. Atualmente, o acompanhamento clínico periódico está sendo realizado com a finalidade do controle dos sintomas dolorosos, pois foi contra-indicada nova ressecção craniofacial, RDT ou quimioterapia.

DISCUSSÃO

O carcinoma ameloblástico de maxila é lesão muito raras. Somente 12 casos foram relatados até a presente data (Chee e colaboradores, 1990)'. O sítio mais comum é a mandíbula, envolvendo mais freqüentemente sua porção posterior.

As queixas mais comuns são deformidade facial, dor, trismo e disfonia. No caso reportado, as epistaxis recorrentes levaram a paciente a procurar o serviço médico, sendo detectada lesão avançada à TC de seios paranasais.

A faixa etária de aparecimento é muito ampla, com média de 30 anos. Nossa paciente apresentou o início dos sintomas aos 28 anos de idade. Não há predileção por sexos.

Cinco padrões histológicos diferentes são descritos para o ameloblastoma: plexiforme, folicular, acantomatoso, células granulosas e células basais11.

Ueno e colaboradores relatam que 62% dos ameloblastomas primários são do tipo folicular; e 38%, do tipo plexifortne. Hartman enfatizou que a variante histológica de células granulosas é a mais agressiva, com maior tendência para recorrência. Ameloblastoma deste tipo tem sido relatado como metastatizante12.

Padrões histológicos distintos predominam em diferentes áreas do mesmo tumor". Na variante acantomatosa do ameloblastoma, a metaplasia escamosa é predominante, e pode ser responsável pela dificuldade na distinção deste tumor do carcinoma de células basais, carcinoma escamoso (CEC), carcinoma adenocístico ou mucoepidermóide.

Histologicamente, o caso descrito é um carcinoma ameloblástico, mostrando um ameloblastoma com características de malignidade, incluindo pleomorfismo nuclear, aumento da atividade mitótica e alta proporção núcleo citoplasmática. Carcinoma epidermóide intralveolar e tumores metastáticos de outros sítios, como mama, pulmão, trato gastrointestinal e glândulas salivares devem ser lembrados, no diagnóstico diferencial.

O caso relatado apresentou três diagnósticos anátomo patológicos diferentes (CEC grau 111 histológico, com áreas de aspecto basalóide; papiloma invertido de células transicionais e ameloblastoma), antes do diagnóstico definitivo de carcinoma ameloblástico. Isto reflete a importância do estudo anátomo-patológico criterioso, dada a possibilidade de retardo na condução do caso, ou mesmo de adoção de medidas terapêuticas inadequadas.

Revisando a literatura, e após os conceitos introduzidos por Elzay (1982) e Slootweg e Muller (1984)11, concordamos com Jacobs (1995), que propõe a revisão da classificação da WHO de carcinoma odontogênico. O termo carcinoma ameloblástico deveria ser usado para tumores amelo blásticos com características de malignidade, independentemente da evidência de metãstases',14.

A excisão em bloco, com margem de tecido normal, promove taxa de cura de 78%, para ameloblastomas4. A anatomia do seio maxilar atrasa o diagnóstico, tanto do tumor primário quanto de sua recorrência, porque pode haver preenchimento de todo o antro maxilar pela massa tumoral, antes de surgirem sintomas4.

O tratamento para o carcinoma ameloblástico permanece, de certa forma, indefinido. Completa excisão, com margens cirúrgicas livres, parece ser o tratamento de escolha.




Figura 1. Ressonância nuclear magnética (RNM), em corte sagital mediano (imagem em T1). Invasão tumoral na fossa craniana anterior, após ressecção parcial da massa.



Figura 2. RNM em corte axial (imagem em TI). Deslocamento do globo ocular pela massa tumoral, invadindo a órbita.



Figura 3. RNM em corte coronal (imagem em TI). Invasão tumoral na fossa craniana anterior.
Pelo fato de estar em fase avançada, quando ressecado cirurgicamente, as possibilidades de recidiva aumentaram em nossa paciente.



Tanto a radioterapia quanto a quimioterapia têm-se mostrado ineficazes em muitos casos de ameIoblastoma. Porém, alguns autores consideram que a cirurgia e a RDT deveriam ser preferenciais, em casos selecionados. Ueda e Kanéda (1991) relataram um caso avançado de ameIoblastoma de maxila, sensível à quimioterapia (Peplomicina 85 mg) e à RDT (Co60/7080r)'7. A questão quanto a se o carcinoma ameloblástico responderia à RDT e/ou à quimioterapia é incerta". No caso que descrevemos, foi realizada RDT, quando se pensava ser um CEC, mas não foi obtida resposta satisfatória.

Diagnóstico precoce e correto do carcinoma ameloblástico parece ser de suma importância na conduta e seguimento dos pacientes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Pós-Graduandos da Divisão da Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Médica Residente da Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Médico Assistente e Doutor pela Divisão da Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
**** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Trabalho realizado pela Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas e LIM - 32 da Faculdade de Medicina da Universidade de São PauloEndereço para correspondência: Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 6". andar, sala 6002 - 05403-000 São Paulo /SP - Telefone: (011) 280-0299. Trabalho apresentado no 331 Congresso Brasileiro de ORL e 41 Congresso Norte-Nordeste de ORL - Recife /PE, em Novembro de 1996.

Artigo recebido em 12 de fevereiro de 1998. Artigo aceito em 8 de maio de 1998.

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