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Ano:  2004  Vol. 70   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Editorial

Páginas: 02 a 03

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Sobre a residência médica e a otorrinolaringologia no futuro...

About the medical residency program and Otorhinolaryngology in the future...

Autor(es): Henrique Olival Costa

Há algum tempo vimos discutindo a situação geral da Otorrinolaringologia nacional e mundial quanto às suas vocações, habilidades e perspectivas para o futuro. É neste último item que enfocaremos este editorial, uma vez que uma boa perspectiva prevê plataformas de prospecção e determinação para seguir em alguma direção.

Uma das principais facetas da plataforma de prospecção para o futuro é a capacidade do sistema médico em formar de maneira adequada o especialista no presente para atingir o profissional que desejamos para o futuro.

Esta é uma questão bastante complexa e que tem evoluído lentamente em nosso encontros de residentes e coordenadores de Residências Médicas, organizados pela Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço. Percebemos que há duas situações envolvidas nas discussões que, embora não sendo antagônicas, tampouco podem ser implementadas simultaneamente, são elas: decisão do que vem a ser o "otorrinolaringologista padrão" e a definição dos critérios mínimos para a formação deste profissional.

Em editorial do ano passado, discutimos o que viria a ser esta especialidade denominada Otorrinolaringologia, aqui e no mundo, e nos sobressaltamos ao observar que o especialista militante nesta área pode ser uma infinidade de profissionais, desde um clínico, não cirurgião, até um cirurgião com transito na face, região cervical e base do crânio. Pode ser um eletrofisiologista, um plástico, um oncologista, um pediatra em sua atividade predominante, assim como pode dominar todos recantos da região delimitada entre a base do crânio e as espátulas. Mas afinal, qual seria aquele que mais se amoldaria aos padrões de normalidade da especialidade? Esta definição pode seguir o caminho simples da praticidade e, singelamente, orientar nossos conceitos baseados no que tem sido o otorrinolaringologista no Brasil, desde os primeiros serviços organizados no final do século XIX, ou seja, clínico das orelhas, nariz e garganta e cirurgião de entidades infecto-inflamatórias das mesmas. Mas a definição também pode seguir um caminho mais árduo e complexo e tentar esboçar uma especialidade não tão especialista e mais com uma cara de grande área, onde tudo o que já estamos fazendo por aí afora, de maneira espalhada e assistemática, seja incorporado em um todo coerente e com razão de ser. Esta é uma decisão que deve ser tomada pela comunidade, pois o que seremos daqui para frente deve ser plantado já, na formação dos colegas do futuro.

Até o momento, temos nos preocupado em dar uma forma homogênea, uniforme e equilibrada para os serviços que compõem a rede de ensino de Otorrinolaringologia credenciado pela Associação Brasileira de Otorrinolaringologia. Com este intuito, se moldou um perfil ajustado ao que viria a ser o mínimo para a formação do especialista, mas se observarmos estes critérios, notamos imediatamente que estamos colocando pratos diversos sobre a mesma mesa, como se fossemos fazer uma grande degustação de aperitivos, aguardando o prato principal - "A duração mínima deverá ser de 3 (três) anos para conhecimento e treinamento em Otorrinolaringologia, incluindo os fundamentos em Otologia, Rinologia, Bucofaringologia, Laringologia, Cirurgias ortodônticas, traumatológicas, estéticas e recuperadoras da face, Ronco e apnéia obstrutiva do sono, Cirurgia das afecções da cabeça, pescoço e base de crânio, Otoneurologia, Otoneurocirurgia, Microcirurgias, Alergia, Foniatria, Diagnose e Endoscopia." - Comissão de Ensino, Treinamento e Residência

SBORL - 2003

O fato é que não elaboramos este prato. Nós sequer sabemos se estamos numa cantina, churrascaria ou pizzaria. Com um cardápio destes poderia ser um restaurante internacional -" Comissão de Ensino, Treinamento e Residência SBORL - 2003 - Cirurgias a serem executadas pelos residentes em ORL : Endoscopia peroral ,Drenagem de abscesso, Adenomigdalectomia, Uvulopalatofaringoplastia, Septoplastias, Turbinectomia e turbinoplastia, Sinusectomia maxilar, Caldwell-Luc e intranasal, Etmoidectomia externa e intranasal, Sinusectomia frontal externa e intranasal, Esfenoidectomia, Maxilectomias parcial e total, Paracentese, Miringotomia para tubo de ventilação, Timpanoplastias, Timpanomastoidectomia, Estapedotomia, Ressecções parciais e totais do osso temporal, Rinoplastias, Otoplastia, Blefaroplastias, Outras cirurgias estéticas da face, Exérese de glândula submandibular, Parotidectomias, Exérese de lesões congênitas do pescoço, Exérese de tumores benignos do pescoço, Esvaziamento cervical, Ressecção de tumores da boca e faringe, Glossectomias parciais e totais, Mandibulectomia marginal e segmentar, Intubação traqueal, Traqueostomia, Microcirurgia da laringe, Laringotraqueoplastias, Cordectomia endoscópica, Tireoplastias, Laringectomias parciais, Laringectomia total, Fratura nasal, Fraturas maxilares, Fratura de mandíbula, Fratura de arco zigomático, Cirurgia dos nervos faciais, Disjunção cranio-facial"

Esta colcha de retalhos carece de um melhor delineamento do objetivo principal da especialidade, qual seria a vocação inicial, a motivação que levou a especialidade a ser formada? Provavelmente não conseguiremos chegar a uma conclusão das razões de nossa origem, mas se traçarmos um caminho seguro e coerente, talvez saibamos qual será o local de nossa chegada.

É essa nossa preocupação, parece que estamos procedendo de uma maneira burocrática quando estabelecemos o que são as atribuições mínimas do especialista em nossas Residências Médicas. Não há uma discussão de qual seria o objetivo final. Uma vez definidos estes objetivos poderíamos confeccionar uma grade curricular que não só definisse o mínimo, mas também vislumbrasse o máximo, o ideal.

Na história da otorrinolaringologia já ganhamos e perdemos espaços cruciais de atividade profissional, sabíamos audiologia clínica, reabilitação auditiva, cirurgia cérvico facial e plástica, lidávamos com pares cranianos e com imunologia, perdemos com a formação de novas especialidades e carreiras, brigamos para reconquistar estes espaços no dia-a-dia, mas será que estamos preparando os jovens para manter este legado?

A Otorrinolaringologia tem, nos dias de hoje, a possibilidade de ser uma grande área de enorme importância, já que lida com problemas que atingem grande parte da clínica rotineira como as cefaléias, tosse, inflamações e infecções de vias aéreas, vertigem, zumbido, distúrbios digestivos, deglutição, trauma facial, fala, audição... assim como, pode exercer a propedêutica e terapia altamente especializada em radiologia, endoscopia, eletrofisiologia, cirurgia não invasiva, microscópica e de grande porte do segmento cérvico-facial. Devemos abrir mão destas possibilidades em nome de uma uniformização da formação do especialista ou será que poderíamos traçar um plano para maior aprofundamento e habilitação de pelo menos uma parte de nossos colegas?

Fica aqui a questão, podendo ser solução, mas gerando consigo o problema de como fazer.

Sabemos que nossas escolas têm cada uma suas prerrogativas, condições e limitações. A própria definição de critérios mínimos para credenciamento de um programa de Residência Médica em Otorrinolaringologia pela Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço, faz pressupor que muitas não podem atingir o ideal. Mas qual alcançaria este marco platônico? Há algum serviço com as condições totais para formar o otorrinolaringologista com as características máximas de excelência? Provavelmente não. Sendo assim, será que somos apenas uma colcha de retalhos como uma especialidade ou temos que iniciar já um programa de ação conjunta para atuar como grande área, trabalhando para formar, mesmo que com ajuda complementar o otorrinolaringologista do futuro? Olhando em volta, percebemos que temos dado passos nesta direção, com o trabalho de nossas Academias de supra-especialidade e seus cursos de habilitação regionais, assim como com os estágios em áreas carentes como a traumatologia facial, mas poderíamos fazer o caminho mais eficiente e curto se assumíssemos nossas limitações institucionais e criássemos Residências Inter-institucionais. Estas poderiam se complementar, compartilhando as vagas de residência, mas também suas instalações, professores e, principalmente, habilidades e vocações. O aluno, ao ingressar em uma residência, saberia de antemão que ela era constituída de dois, três, quatro escolas, por onde transitaria nos anos de formação e de lá sairia com um currículo privilegiado e completo. Com este formato, também poderia saber que em três anos alcançaria uma formação de excelência, mas não completa, e que se houvesse disposição pessoal e institucional, poderia complementar sua habilitação com um 4 ano em alguma área como cabeça e pescoço, alergia, base do crânio, otoneurologia, etc.

Este seria o desenho de uma grande área com dimensões de especialidade, onde o especialista seria Otorrinolaringologista com especialização em Otologia, Rinologia, Cabeça e Pescoço, Pediatria, Otoneurologia e etc.

São reflexões, mas o futuro está aí.

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