Versão Inglês

Ano:  1935  Vol. 3   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 93 a 102

 

ESTUDO ANATOMO - CLINICO DO ROCHEDO (EM TORNO DE ALGUNS CASOS DE PETROSITE) (1)

Autor(es): DR. ROBERTO OLIVA Oto-rino-laringologista da Santa Casa e do Instituto de Higiene de S. Paulo.

Apesar-de extraordinariamente numerosa a literatura, no tocante á patologia da ponta do rochedo, são múltiplos os problemas que ocorrem, são várias as divergencias que se observam na explicação de fenomenos clinicos e anatomo-patologicos, que ali se processam.

Surgem, assim, frequentemente, confusões e as opiniões dos autores colidem em vários detalhes importantes, resultando disso, dessa falta de uniformidade de vistas, penumbra significativa e que não promete esclarecimento proximo.

É todavia, bastante frequente a afecção do rochedo, como consequencia de propagação direta de processos toxi-infectuosos oriundos da caixa do timpano. Tambem a facilidade com que os órgãos nobres intra-craneanos são atingidos, pondo em risco a vida do individuo, mais interessante ainda torna seu estudo.

Pragier em uma estatistica sobre 82 casos de otite média aguda purulenta, encontrou 24,4 % de petrosites puras; 7,3 % de mastoidites puras; 24,4% de affecções combinadas da mastoide e do rochedo. Conclúe-se dessa estatistica, a enorme importancia que assume, em otologia, o estudo das petrosites. E é esse o motivo por que se observa um desusado interesse por esse problema ligado ao osso petroso. Infelizmente a literatura indigena é ainda muito escassa a esse respeito, não sendo todavia menos exato, que os casos de petrosites, aqui como alhures, são observaveis com relativa frequencia. Mangabeira Albernaz publicou dois interessantes trabalhos sobre o rochedo, sendo um clinico e outro anatomico; além desses, cita ainda um de Morais e outro de Sarmento. Talvez haja mais alguma coisa escrita, em nosso paiz, sobre esse assunto, mas disso não tenho conhecimento. Desde poucos meses tenho-me dedicado a esses estudos e já tive oportunidade de observar alguns casos, que, se não tiveram a comprová-los a cirurgia ou radiología, pela variedade de seus sintomas justificam o diagnostico com que os rotulei.

Para a bôa compreensão das ocorrencias anatomo-clinicas, que se passam na piramide pétrea, necessario se faz um estudo sobre a estrutura intima do osso. Sobre esse assunto julgo dever deter-me o suficiente para a orientação e quiçá esclarecimento de alguns pontos.

O exame da sistematização das cadeias celulares do rochedo, é ponto de capital importancia e que serviu de base para estudos aprofundados de Belinoff e Baran em 40 temporais e de Kenji Yamashita (da Universidade de Kyoto) em 100 casos.

O rochedo deve ser dividido, para maior facilidade de seu estudo, em duas partes principais: o perilabirinto e a região da ponta. Sob a denominação de ponta, deve-se compreender toda
a parte que se acha colocada adeante da cóclea, da abertura do conduto auditivo interno e da trompa de Eustaquio.

Yamashita dá os seguintes resultados de seus estudos, quanto á pneumatização do perilabirinto: 1) 7 casos com desenvolvimento exagerado de celulas pneumaticas; 2) pneumatização bem desenvolvida em 15 casos; 3) pneumatização bem desenvolvida mas não em toda a sua distribuição em 15 casos; 4) pequena pneumatização, 30 casos; 5) desenvolvimento quasi nulo da pneumatização em 33 casos. Comparemos agora os dados de Yamashita e Belinoff e Baran, quanta á pneumatização da ponta da piramide. O autor japonês encontrou apenas 6 % de casos com celulas bem desenvolvidas, enquanto que os anatomistas bulgaros citam 35% em seus resultados. Os outros tipos de pneumatização apresentam diferenças embora não tão acentuadas, explicando Yamashita essa disparidade de resultados por uma questão racial.

A estrutura intima do perilabirinto pode ser resumida nestas palavras: um conjunto de celulas rodeando o labirinto. As celulas dispõe-se em cadeias, que partindo do antro, epi e hipotimpano, dirigem-se para dentro e para deante procurando atingir a ponta do rochedo.

A sistematização das cadeias celulares dispõe-se em tres orientações principais: supralabirinticas, infralabirinticas e retrolabirinticas. Destes tres grupos, o mais importante, quanto á sua pneumatização, é o supralabirintico. De acôrdo com sua situação relativamente aos componentes do labirinto, encontramos sistemas celulares pericanaliculares, perivestibulares e pericocleares. O mais pneumatizado desses sistemas é o pericanalicular.

Existem relações variaveis entre as celulas do perilabirinto e os órgãos visinhos.Assim é frequente encontrarem-se celulas peri-labirinticas em relação intima com a dura do andar médio, separadas por septos muito finos; com relação ao labirinto, existem celulas em conexão principalmente com os canais semicirculares frontal e sagital.

A ponta do rochedo é constituida por tecido ósseo, em quasi sua totalidade, de natureza diploética. As celulas da ponta são em geral menores que as do perilabirinto. Raramente porém observam-se celulas da ponta de grandes dimensões, como as divulgadas por Mangabeira Albernaz e Yamashita. Este descreve uma celula medindo 30mm. de comprimento, por 9 de largura e 19mm. de altura; a celula estudada pelo nosso patricio tinha as seguintes dimensões: 29 por 9 por 14.

As relações variadissimas da ponta da piramide com os órgãos visinhos, interessam vivamente á clinica, pois que, não raro, observam-se sintomas em consequencia da propagação do processo. Por sua face inferior podem ser acometidos segundo observações de Brunner, Habermann, Yamashita e outros, os nervos do IX e X pares no forame jugular. O canal carotidiano pôde igualmente ser afetado por acometimento das celulas pericarotidianas. A proximidade do apex com os seios petroso inferior, superior e cavernoso explica a relativa frequencia com que se encontra o acometimento desses vasos. A face anterior do apex e comprometimento dos pares V e VI serão motivo para um estudo mais detalhado.

Dos conhecimentos anatomicos acima espendidos, resulta em primeiro lugar a explicação do fato observado da propagação do processo inflamatorio apenas ao perilabirinto, dando causa ás perilabirintites, ou então a extensão do mesmo á ponta provocando as apicites.

Outro fato importante decorrente da estrutura anatomica do osso, é a patogenia das petrosites, que assumiria a forma de empiema nos rochedos bem pneumatizados e de osteo-mielite nos diploético-compactos.

É opinião unanime dos especialistas, que a propagação da infecção só se dá nos rochedos pneumatizados.

A formação das celulas pneumatizadas do rochedo bem como da mastoide, é-nos explicada pela teoria da pneumatização de Wittmaack. A mastoide do recemnascido apresenta-se como um osso esponjoso, cujas trabeculas estariam cheias de medula. Logo que o recemnascido começa a respirar, inicia-se um processo de transformação do tecido contido no ouvido médio, de modo a torná-lo tecido sub-epitelial normal do ouvido. Esta teoria explica a presença de celulas na escama e no apex.

Procurarei, a seguir, estudar a sintomatologia das perilabirintites, deixando para outro capitulo a das apexites propriamente ditas.

O sinal mais constante de afecção do perilabirinto, é a abundancia da secreção purulenta. Voss encontra em 91 % dos seus casos; Kopetzki e Almour ligam enorme importancia a esse sintoma. Acham mesmo que a petrosite é causa de grande numero de otites médias cronicas. Acho que muitos casos de petrosites decorrem, tendo como unico sinal a otorréa abundante; é fato assaz conhecido a verificação, em autopsias, de lesões estensas do rochedo, que passaram absolutamente silenciosas. Ramadier afirma que toda a otite supurada e dolorosa, que se prolonga por prazo fora do comum, deve ser suspeitada de petrosite.

Essa supuração é abundante, seja após rotura espontanea, seja consecutiva a paracentese, seja depois de antrotomia. Os doentes operados de antrotomia apresentam uma cura demorada, muito acima do prazo habitual; se o operador resolve intervir de novo, encontra muitas vezes uma fistula que o conduz ao ponto onde se localizou o empiema. Mas na grande maioria das vezes a supuração céde, embora após tempo dilatado.

Outro sintoma relativamente frequente é o trismo. Não é dificil compreender-se um processo inflamatorio da cavidade glenoide, capaz de diminuir ou mesmo de obstar os movimentos da articulação temporo-maxilar. As relações de visinhança entre esta articulação e as celulas perilabirinticas, principalmente com as peritubarias, esclarecem a patogenia do processo. Não obstante, Ostmann liga o trismo ao comprometimento do ramo motor do trigemeu, que, como se sabe, innerva os musculos mastigadores.

Fenomenos observados para o lado da faringe ou epifaringe, como inflamações ou abcessos, prendem-se á propagação do processo, atravez das celulas peritubarias, até esse órgão, provocando os sinais caracteristicos a tais acometimentos. Tem-se tambem observado exteriorização da supuração perilabirintica á bochecha, bem como até a coluna vertebral. São esses fatos formas caprichosas de sistematização celular perilabirintica, conduzindo a infecção para regiões anomalas.

Além desses sinais, que, até certo ponto, dão um cunho de segurança ao diagnostico de perilabirintite, outros ha que o corroboram, com os descritos por Pragier: estenose do conduto osseo, dôr á pressão da articulação temporo-maxilar, abaulamento da trompa sentida pelo tacto, etc.

Ocorre a propagação do processo timpanico ao rochedo nos casos de otite média aguda ou cronica exacerbada.

Ao tratar da anatomia do rochedo, em sua parte referente ao perilabirinto, nada ocorreu mencionar sobre as suas faces intracraneanas, pois que fato nenhum de relevo o exigiu, detalhe algum anatomico oferece base para explanação mais demorada.


FIG. 1 CAVUM DE MECKEL



FIG. 2 MOTOR OCULAR EXTERNO E TRIGEMIO


Coisa inversa se dá com a região da ponta, na qual os detalhes anatomicos mais interessantes se localisam justamente em sua porção intracraneana. De fato, do relance sobre a anatomia: dessa exigua região, verifica-se desde logo a sua importancia, em vista da passagem sobre ela dos nervos trigemeu e abducente. Um sensitivo-motor, outro motor, quando afetados, em consequencia á otite média aguda, exige que a atenção do especialista se volte para a ponta da piramide, de que se tornam, nesse caso, sinais porassim-dizer patognomonicos.

O motor ocular externo, VI par craneano, ou nervo abducente, sáe da face anterior do bulbo do sulco que separa a piramide da protuberancia, procura a piramide pétrea, que atinge em seu apice. A região apexiana é, neste ponto, constituida por um canal angustiado, tão bem descrito por Gruber e mais tarde por Dorello. Este canal é completado superiormente pelo ligamento de Gruber, dependente do folheto profundo da duramater. Mais frequentemente osteo-fibroso, o canal apresenta-se raramente inteiramente ósseo, caso em que, como assinala Locchi, o processo esfenoidal posterior do rochedo acha-se justaposto ou suturado ao processo correspondente do esfenoide. Outra variante deste canal é a óssea incompleta, quando o ligamento de Gruber acha-se de dimensões muito reduzidas (1 a 2mm.).

É ao lado do abducente, por dentro do canal, que passa o seio petroso inferior que, logo adeante, contribue para formar. o seio cavernoso. Este fato tem tambem importancia pois muitos autores dele se aproveitam para a explicação da sindrome de Gradenigo.

O trigemeu, V.º par craneano, o mais volumoso dos nervos craneanos, atinge a borda superior do rochedo, passando por baixo do seio petroso superior. Em suas relações com a ponta da piramide, o trigemeu produz nela as seguintes formações anatomicas: uma incisura para o nervo, um sulco sobre o qual repousa o plexus triangulares da raiz sensitiva, uma escavação para o ganglio de Gasser.

Aqui, como tambem acontece com o VI.º par, ás vezes existem processos de ossificação perfeitamente descritos por Locchi sob a denominação de ossificações peritrigeminais, em consequencia dos quais o nervo passa através de um verdadeiro canal ósseo.

Depreende-se do apanhado anatomico das relações entre esses dois nervos e a ponta da piramide, que qualquer lesão atingindo o osso pode provocar, concomitantemente, sintomas oculares que
a individualizem e que muitas vezes interessam o tratamento e o prognostico.

Quando o doente é portador de afecção aguda ou cronica exacerbada do ouvido médio e apresenta sintomatologia relativa aos dois pares em questão, a atenção do otologista volta-se imediatamente, para o apex. Casos ha porém, nos quais as lesões do ouvido não existem, ou passam despercebidas; o fator etiologico seria outro nesses casos, mas a patogenia a mesma.

A lesão do abducente compõe o complexo sintomatico de Gradenigo, tão bem descrito, em 1904, por esse ilustre cientista italiano. Como acontece com todos os nervos motores, deve-se distinguir o acometimento total, paralisia, do parcial, paresia.

O processo anatomo-patologico consiste para o autor italiano, em difusão da infecção supurativa da caixa do timpano, para a ponta. O abducente seria acometido nesse ponto, ao passar pelo
canal, logo após o acometimento da duramater. Trata-se pois de uma osteoperiostite cicunscrita do apex e consecutiva paquimeningite. Os autores que têm estudado a fundo a patogenia desta sindrome ainda não chegaram a um acordo. O que não parece haver dúvida, é que a passagem do nervo pelo canal de Gruber, que como já vimos é sempre angustiado e algumas vezes ossificado, constitúe um fator preponderante para seu acometimento.

Não pretendo passar em revista todas as teorias preconisadas para explicar a gênese da paralisia do VI.° par. Não deixa, a meu ver de ser simpatica a teoria de Dorello. Recorda este autor que o seio petroso inferior recebe, além de outras veias, duas ou três auditivas internas, oriundas do labirinto e do soalho da caixa do timpano, de modo que uma flogose do ouvido médio ou interno pôde determinar um edema deste seio, edema que atingindo sua extremidade anterior, irá determinar a compressão do abducente, ao nivel do anel inextensivel, donde sua paralisia ou paresia. Esta explicação seria reforçada pelo fato da cessação do fenomeno de compressão com o simples esvasiamento da caixa timpanica. Esta teoria encontrou acolhida por parte de muitos autores entre outros Coats, Esner e Myers. Outros porém, Camack á frente, acham que se o mecanismo da paralisia fosse uma estase venosa, ela tambem se produziria após trombose do seio lateral ou ligadura da jugular.

A explicação dada por Gradenigo, que é até hoje a mais aceita, não esclarece todavia os casos precoces, nos quais não houve ainda tempo para a formação do processo osteo-mielitico do rochedo. Não seria tambem aceitavel nos casos de regressão rapida, seja após paracentese do timpano, seja após simples antrotomia. Papale explica esses casos, mostrando a possibilidade de propagação do processo toxi-infectuoso da caixa até o apex por intermédio dos linfaticos carotico-timpanicos.

Por outro lado, muitos casos ha nos quais o processo chega até o abcesso extradural e no entanto o abducente não dá sinal de lesão. Ramadier, por esse motivo, chega a considerar a lesão do VI.° par, como uma complicação da afecção da ponta, tal qual se considera a paralisia facial nos processos da caixa. Em um caso encontrou Brunner paralisia contralateral do abducente; Ruttin cita dois casos de paralisia identica. Um era creança de 9 anos, outro homem de 30 anos; ambos tiveram paralisia do abducente do lado oposto, meningite e exito letal. Por esse motivo, acha Ruttin que a paralisia contralateral é sinal precoce de meningite. Distinto colega nosso teve tambem caso semelhante, seguido de meningite, mas o doente sarou.

Eagleton considera a triade de Gradenigo como o resultado de uma irritação da meninge. Como já foi assinalado no inicio desta exposição, não é possivel uma opinião unanime a respeito da patogênese da sindrome de Gradenigo.

É todavia bastante rara a ocorrencia dessa sindrome e sua regressão é a regra. Costuma ela aparecer na 3ª ou 4ª semana de molestia. Voss em 12 casos estudados, encontrou Gradenigo em 66%. Outros autores como Kopetzki consideram muito rara essa sindrome.

O acometimento do trigemeu exterioriza-se, como é facil de se compreender, por nevralgias no territorio por ele inervado, descritas frequentemente sob a rubrica de sindrome gasseriana. O ramo motor do trigemeu é tambem lesado, mas os sinais daí decorrentes não são muito apreciaveis.

A sindrome do ganglio de Gasser foi otimamente descrita por Fernand Lévy, é representada por dôres nevralgicas, surdas e lentas, depois agudas e lancinantes, geralmente paroxisticas. Essas dôres se localizam, de ordinario, no domínio de um dos ramos e ganham ulteriormente os outros ramos.

Nas apexites encontram-se nevralgias desse tipo, homolateral á lesão do ouvido. Mas o que mais a miudo se observa, é a nevralgia do ramo oftalmico do V.° par. O acometimento do primeiro ramo do trigemeu, tido como patognomico por muitos autores (Ruttin, Schlander, Kopetzki), produz, nas afecções da ponta da piramide, sintomatologia típica: dôres no globo ocular, penetrantes, com sensação de arrancamento do órgão, durando segundos como raio, ou tempo mais prolongado; dôres que não cessam com a aplicação de analgesicos; dôres que se acalmam expontaneamente; dôres que se irradiam pelas cercanias dos olhos, nos três ramos terminais do nervo.

A oftalmalgia póde ser precoce ou tardia. Muitos autores, entre eles Kopetzki, ligam enorme importancia á epoca de seu aparecimento. Acha Kopetzki que seu desaparecimento, ou sua atenuação por alguns dias, é extremamente perigoso, pois corresponde á transformação do fóco inflamatorio em zona purulenta. Moulonguet tem a oftalmalgia como indicio de prognostico grave, quando aparece no primeiro septenario da otite; dois casos seus tiveram desenlace letal.

Patogeneticamente considerada, sofre a lesão do oftalmico identicas objeções ás já citadas para o abducente. Como explicar a lesão isolada de um ramo unico do ganglio de Gasser? Porque se dá regressão rapida após drenagem? Em um dos meus casos houve aparecimento da oftalmalgia, toda a vez que a drenagem do fóco purulento se fazia mal, com regressão rapida logo que voltava a supuração abundante.

Ramadier cita um caso muito interessante de comprometimento do III.º par; julga tratar-se de trombo-flebite do seio cavernoso.

Meu primeiro doente, que é justamente o mais caracteristico, tem a sua historia resumida da seguinte maneira:

1.º caso: Trata-se de rapaz de 17 anos de idade, pardo, portador de corrimento do ouvido medio esquerdo, ha cêrca de um ano. Procurou-me na Santa Casa (serviço do dr. Sarmento), queixando-se de que, desde alguns dias, sofre de intensa dôr no olho esquerdo, acompanhada de nevralgias da metade anterior da cabeça e tambem na mastoide do mesmo lado. Suas oftalmalgias eram intensas, cruciantes, impediam-lhe o sono por duas e três noites, localizavam-se no globo ocular, em sua profundidade, propagando-se para cima e para baixo. Cessada por algum tempo, voltava a nevralgia a incomoda-lo. O exame revelou dôr intensa á pressão do globo ocular esquerdo, bem como da mastoide do mesmo lado. Não havia edema retro-auricular. Supuração abundante pelo conduto auditivo. Perfuração timpanica, pulsatil, de regulares dimensões, localizada no quadrante antero-inferior. Firmado o diagnostico de mastoidite e petrosite, foi pedida a radiografia, que confirmou a mastoidite, não se verificando nela sinal algum de lesão do rochedo. Aliás as radiografias da ponta do rochedo, dão quasi sempre resultado negativo, embora posteriormente verifiquem-se lesões extensas do osso. Feita a antrotomia, foi notado que o pús surdia em grande quantidade e sob pressão do antro, inundando o campo operatorio. Seja dito de passagem que não havia lesão da mastoide e que esta se apresentava como uma celula unica. O decurso post-operatorio deu-se moroso, com intensa supuração da caixa e da ferida operatoria. A cicatrização verificou-se somente dois meses após a operação, reduzindo-se a secreção da caixa a quantidade insignificante. A oftalmalgía intensa de que se queixava o paciente, ainda no dia da operação, cessou completamente, terminada esta. Todavia por três ou quatro vezes, voltou ainda o paciente a queixar-se da mesma nevralgia e verificou-se que isso acontecia toda,a vez que por um motivo qualquer a supuração diminuia. Acha-se hoje completamente curado. Este doente foi examinado pelo distinto oculista dr. Carvalho Pinto, que teve ocasião de verificar a oftalmalgia, bem como a integridade do fundo do olho. Este doente apresentava sinais caracteristicos de afecção da ponta, tais como: oftalmalgia e supuração abundante da caixa e da ferida operatoria. Note-se que o caso seria de cicatrização por primeira intenção, visto que o doente nada apresentava de anormal para o lado de sua mastoide.

2.º caso: Homem com cêrca de 30 anos de idade, apresentava no decurso de otite média aguda sinais de acometimento do rochedo: supuração abundantissima, demorada e trismo que quasi o impossibilitava de se alimentar. Para o lado dos olhos, nada havia de anormal. Poucos dias após sua matricula no serviço do dr. Sarmento, apareceram-lhe sintomas de mastoidite bilateral, que o obrigaram a internar-se afim de ser operado. A operação consistiu em antrotomia bilateral, sem incidentes. No dia seguinte á operação é o doente encontrado com o quadro completo de labirintite bilateral: vertigens, vomites, perturbação do equilibrio, nistagmo espontaneo, horizontal e rotatorio para ambos os lados, surdez total bilateral, etc.

Passados alguns dias corrigiram-se os sinais de labirintite aguda, permanecendo a surdez completa. Os sinais de petrosite continuavam na mesma, ainda acrescidos de oftalmalgia, de que o doente passou a se queixar poucos dias após a operação. Atualmente acha-se este doente ainda em tratamento, com sua supuração por um dos lados, após alguns meses de operado. O diagnostico feito logo ao primeiro exame deste doente foi otite média aguda com petrosite, tendo em vista a abundancia da supuração e o trismo. Penso que o decurso da molestia confirmou esse modo de ver, pois a propagação da infecção ao labirinto seria mais racional admitindo-se essa hipotese. As celulas peri labirinticas teriam facilitado a propagação do processo. Além disso, o paciente apresentou um novo sinal de valia, a oftalmalgia.

3.º caso: Homem com 54 anos de idade, procurou-me no ,consultorio, queixando-se de corrimento pouco abundante do ouvido esquerdo, datando de poucos dias, e de fortissimas nevralgias no hemicraneo do mesmo lado, do tipo gassereano. Alem disso, apresentava trismo intenso. Ao exame, verificou-se perfuração pulsatil do quadrante antero-inferior, dando saida a pouco pús. Não havia dôr á pressão da mastoide. Passados dois dias volta o doente ao consultorio, no mesmo estado: as nevralgias não melhoraram, o trismo continúa, não ha reação para o lado da mastoide. O estado geral não se achava porém muito comprometido, o doente tratava regularmente de suas ocupações. Esse estado durou pouco tempo, pois o doente caiu, em breve em coma. A punção lombar denunciou então grande quantidade de pús e o doente faleceu em poucas horas. Neste caso os sinais de afecção do rochedo não são muito taxativos, mas não é desarrasoado pensar-se num comprometimento da piramide, conduzindo á meningite letal.

São apenas estes os casos que resolvi inserir neste trabalho, denunciadores de lesões do tipo das que se observam na patologia do rochedo.

Tive em mira provocar o interesse dos especialistas de S. Paulo para esse ponto tão interessante da otologia e tão pouco cuidado entre nós.

SUMMARY:

DR. ROBERTO OLIVA - "Anatomical and Clinical Study of the petrous temporal.

In the beginning the author presents a minute study of the cellular systematization of the petrous temporal in its two portions: perilabyrinth and apex. He shows the orientation of several cellular chains around the labyrinth towards the region of the point.
Pathology is then studied in its clinic forma: petrositis, apicitis and Gradenigo's syndrom. He calls attention to the pathology of the last syndrom, enhancing the difficulties of its clearing up.
The complications of petrous temporal lesions in connection with the surrounding organs are exposed: meningitis, labyrinthitis, thrombosia of cavernous body etc. He describes, at last, his own cases, three in number, and though they did not have their diagnosis confirmed by surgery or X Rays, the clinical signs found led to the conviction of certitude.

TRABALHOS CONSULTADOS:

ALMOUR - Tratamento cirurgico das supurações da piramide, The Laryngosc., vol. XLI., pg. 405. 1931.
ALMOUR - The pratical application of Wittmaack's theory of pneumatization An. of Otol. 1933.Março pg. 1 12.
BRUNNER - Ueber einige Erkrankungen der Felsenbeinspitze. Zeitschr. f. Ohr.
COATS, ESNER e D. MAYERS - Roentgen changes in the petrous portion of the temporal bone without clinical manifestations. Arch. of Otolar.
GREENFIELD - Tratamento conservador das petrosites. Arch. of Otolar. 1934, pg. 172.
GILBERT, RUBIN e MYERSON - Estudos anatomicos da porção petrosa do osso temporal, Arch. of Otolar.
GALTUNG - Some remarks on the treatement. of apicites. Acta Oto-Lar. 1933 - pg. 487.
GRADENIGO - Sur un syndrôme particulier des complications endocrâ-niennes. Arch. Int. de O. R. L. 1904 - pag. 432.
HAGENS - Anatomia e patologia do osso petreo. Arch. of Otolar. 1934 pg. 556.
KOPETZKY e ALMOUR - Empyem of the petrous apex. An. of Otol. 1933 - pg. 802.
KOPETZKY - Sintomatologia e diagnostico das supurações da piramide petrea. The Laryng. 1931 - vol. XLI - pag. 398.
LOCCHI - Ossificações tent. peri-trigeminais e supra-petr. no crâneo humano. Monografia, 1926. S. Paulo.
MOULONGUET - La douleur oculaire au cours des suppurations aigues de l'oreille. Acta Oto-Lar. 1932 - pag. 1098.
MANGABEIRA-ALBERNAZ - Clinica o.-r.-laringologica - pg. 85 e 102.
OPPIKOFER - Ueber den extraduralen Abszess der Felsenbeinspitze. - Zeitschr. f. H.-, N.-Ohrkr. 1928 - pg. 455.
PAPALE - Contributo alia patogenesi della sindrome de Gradenigo - Folia Med. 1924.
RAMADIER - L'osteite profunde du rocher. An. d'Oto-Lar. 1931, fasc. 12 - pg. 1300.
RUTTIN - Kontralaterale Abducensparese als Fruesymptom otogener Meningitis. Zeitschr. f. H.-, N.-Ohrheilk. 1929 - pg. 187.
RUTTIN - Zur Klinik und Operation der Pyramidenspitzeneiterung. Acta Oto-Lar., vol. XIX - pg. 55.
TATO - Sindrome de Gradenigo. Monografia 1935. Buenos Aires.
VOSS - Pyramidenspitzeneiterung (an der Hand von 12 selbstbeobachteten Faellen). Acta Oto-Lar., vol. 15, 1931. - pg. 469.
VOORTTNYSEN - On the origin and development of Gradenigo's syndrom. Acta Oto-Lar.; 1933, fasc. 3 - pg. 265.
YAMASHITA - Die Schlaefenbeinzellen. Monografia, Kioto, 1932.

(1) Comunicação apresentada á Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina, em 17 de Março de 1935.

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