Versão Inglês

Ano:  1998  Vol. 64   Ed. 3  - Maio - Junho - (11º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 285 a 288

 

Estenose de Coana Bilateral Adquirida Associada. a Granulomatose de Wegener: Relato de Um Caso.

Bilateral Acquired Choanal Stenoisis Associated with Wegener's Granulomatosis: Report of a Case.

Autor(es): Daniela C. Thomé* ;
Eduardo Y. Nascimento*
Ana Rita R. Olim* ;
Tanit G. Sanchez ** ;
Richard Voegels** ;
Ossamu Butugnn ***.

Palavras-chave: atresia de coana; adquirida; granulomatose de Wegener

Keywords: choanal atresia; acquired; Wegener's granulomatosis

Resumo:
A atresia ou estenose adquirida de coana é patologia rara na prática otorrinolaringológica, não sendo, muitas vezes, considerada no diagnóstico diferencial da obstrução nasal progressiva. O objetivo do presente trabalho é relatar um caso de estenose coanal bilateral adquirida, associada à granulomatose de Wegener. A paciente com 41 anos de idade, portadora da granulomatose, foi atendida na Divisão de Clínica Otorrinolaríngológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, com queixa principal de obstrução nasal bilateral lentamente progressiva há cinco anos, acompanhada de secreção nasal purulenta com formação de crostas. O exame otorrinolaringológico com fibroscópio flexível e o estudo radiológico através de tomografia computadorizada dos seios paranasais revelaram estenose coanal bilateral. O desenvolvimento desta provavelmente resultou da vasculite sistêmica necrotizante, lesão histopatológica típica da granulomatose. O tratamento constou de intervenção cirúrgica por via transpalatina. Os autores enfatizam a necessidade de se correlacionar as vasculites como possível etiologia da estenose de coana adquirida.

Abstract:
Acquired choanal stenosis or atresia is a rare disease seen in otorhinolaryngologic practice, being most of the time not considered in the differential diagnosis of progressive nasal obstruction. The purpose of this paper is to present a case of bilateral acquired choanal stenosis associated with Wegener's granulomatosis. A 41-year-old white female presenting granulomatosis was referred to the Clinical Division of Otorhinolaryngology of the Medical School Hospital of São Paulo, in whon slow progressive bilateral nasal obstruction was the predominant symptom over a 5-year period. A nasal purulent secretion with crusts formation was a secondary complaint. The complete otorhinolaryngologic examination included a flexible fiberoptic examination of the nasal cavity and a computerized tomographic scan of the paranasal sinuses, which revealed a bilateral choanal stenosis. The developlnent of the choanal stenosis probably resulted from sistemic necrotizing vasculitis, the typical histopathological lesion of this granulomatosis. The surgical correction was performed through the transpalatal approach. The authors emphasize the importante of correlating vasculitis as one possible etiology of acquired choanal stenosis.

INTRODUÇÃO

A atresia de coana foi primeiramente descrita por Joahnn Roerder' em 1775, sendo reconhecida, inicialmente, apenas como lesão de origem congênita. Esta, em 10 a 50% dos casos, está associada a outras malformações, as quais foram agrupadas no acrônimo "CHARGE" por Halh e Pagon e co1'. A palavra inglesa CHARGE é formada pelas primeiras letras das anomalias congênitas mais encontradas: C coloboma ocular; H doença cardíaca; A: atresia coanal; R: retardo de crescimento; G hipoplasia genital e E: alterações otológicas e/ou surdez, sendo a atresia coanal bilateral a mais freqüente. No entanto, de maneira geral, o envolvimento unilateral é o mais comum, e a coana direita é duas vezes mais acometida. A incidência da atresia de coana de origem congênita é de aproximadamente 1:6.000 a 1:10.000 nascidos vivos, prevalecendo no sexo feminino (2:1).

Pouco se encontra a respeito da estenose ou atresia coanal de natureza adquirida. Sua real incidência é desconhecida e os casos relatados ocorrem de forma esporádica. A maior estatística parece ser do Japão, onde foram observados, entre 80 casos de atresia de coana, 16 (20%) de origem adquirida' .

O presente estudo tem por objetivo relatar um caso de estenose coanal bilateral adquirida em paciente do sexo feminino, portadora de Granulomatose de Wegener, alertando sobre etiologias incomuns, como as vasculites.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, com 41 anos de idade, natural de Sapucaia do Norte, em Minas Gerais, residente em São Paulo há 30 anos. Procurou a Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo há 12 anos, com queixa de coriza hialina contínua, acompanhada de espirros e prurido nasal. Realizou tratamento para rinite alérgica durante seis meses sem melhora do quadro, o qual evoluiu com presença de crostas nasais e episódios de epistaxe e otite. Refere, nesta ocasião, ter realizado biópsia nasal em outro Serviço, sendo diagnosticada granulomatose de Wegener. Iniciou tratamento com agentes citotóxicos e corticoesteróides, alternando períodos de remissão e recidiva da doença. Há cinco anos notou o aparecimento de obstrução nasal lentamente progressiva, acompanhada de desabamento da pirâmide nasal. Em nenhum momento apresentou queixas laríngeas, pulmonares ou renais. À rinoscopia anterior, foram observadas sinéquias múltiplas em toda a extensão das fossas nasais, sendo realizada correção cirúrgica destas, e posterior acompanhamento clínico. Como não houve melhora da obstrução nasal, foram solicitadas fibroscopia nasal e tomografia com computadorizada dos seios paranasais. Na primeira, foi observada estenose de coana com orifício puntiforme à esquerda e total à direita. A tomografia computadorizada de seios paranasais com contraste (cortes axiais e coronais) revelou a presença de material hipoatenuante na região das coavas, obstruindo-as de forma parcial com pequeno orifício de passagem bilateralmente, com sinais de redução do volume dos cornetos nasais. Não foi evidenciado componente ósseo na região coanal (Figural).

A paciente apresentava-se em período de remissão da granulomatose, sendo indicada correção da estenose de coana pela via transpalatina. No momento da intubação, foi visualizada estenose subglótica. A endoscopia das vias aéreas inferiores mostrou abaulamento da mucosa na parede anterior da região subglótica sugestiva de processo cicatricial e estenose circunferências de cerca de 15% ao nível do primeiro anel traqueal. Durante a cirurgia viu-se. espessamento fibroso, sem componente ósseo, que envolvia a região das coavas bilateralmente. Foram deixadas sondas plásticas em ambas as fossas nasais, com o intuito de obter ventilação e cicatrização da área cruenta. A análise histopatológica mostrou processo inflamatório crônico com extensa fibrose. A paciente permanece com as sondas plásticas (pós-operatório de três meses), evoluindo sem intercorrências e com respiração nasal satisfatória.

DISCUSSÃO

Wegener, em breve relato, em 1936, e de maneira mais detalhada em 1939, descreveu os achados clínicos e histopatológicos de três pacientes portadores de síndrome constituída por granulomatose necrotizante associada à vasculite e glomerulonefrite focal necrotizante. Visto que as lesões nasais e paranasais predominavam, denominou-se esta condição de "granulomatose rinogênica", a qual ficou conhecida como "granulomatose de Wegener".

A granulomatose de Wegener é doença granulomatosa específica, constituída por lesões destrutivas das vias aéreas superiores e inferiores, além de glomerulonefrite. Sua real prevalência é desconhecida, e a etiologia, que parece ser imunomediada, ainda permanece obscura. O acometimento otorrinolaringolõgíco é freqüente, devendo o médico estar atento para este fato.

A incidência do envolvimento nasal dá-se em 64 a 80% dos casos, ocorrendo de forma isolada em 29 a 36%' . A manifestação nasal mais precoce é a obstrução associada à coriza; porém, muitos pacientes têm seu diagnóstico em estágios mais avançados, quando há deformidade intranasal e/ou externa. Os cornetos estão geralmente envolvidos, podendo ocorrer epistaxes. Granulações podem ser encontradas acompanhadas de crostas e, eventualmente, perfuração septal. Estudos mostraram que a destruição da cartilagem do septo ocorre mais comumente do que se imaginava, chegando a 29% dos pacientes". Além disso, estima-se que metade dos casos com comprometimento nasal também desenvolvem alterações paranasais.




Figura 1. Tomografia computadorizada de seios paranasais em cortes (A) axial e (B) coronal, revelando a presença de material hipoatenuante na região das coarias, obstruindo-as de forma parcial




É importante ressaltar que o diagnóstico definitivo desta granulomatose através de biópsia nasal é raro. Fauci e col.s encontraram em, 50% de 58 biópsias de nariz, seios da face e nasofaringe, apenas reação inflamatória inespecífica corri necrose. No restante, viu-se granuloma ou vasculite; porém, muito raramente, ambos de forma concomitante. O estudo de Chakravarty e cola também ressalta que as alterações histológicas clássicas ocorrem em apenas 20% das biópsias nasais, sendo a confirmação diagnóstica resultante da combinação da vasculite granulomatosa do trato respiratório com ANCA C positivo, associado à resposta terapêutica com imunosupressor.

A laringe é afetada em 6 a 25% dos pacientes com granulomatose de Wegener, sendo a rouquidão e o estridor as principais queixas. McDonald e col.11 relataram 14 pacientes com sintomatologia precoce da laringe, entre 17 casos estudados. Todos apresentaram, à laringoscopia direta, achado típico, caracterizado por estreitamento circunferencial, avermelhado, friável, logo abaixo das pregas vocais, o qual se estendia inferiormente por 3 a 4 cm. A biópsia da região laringotraqueal também não fornece, na maioria das vezes, diagnóstico de certeza.

Entretanto, a paciente em questão não manifestou, em momento algum, sintomas da lesão traqueal encontrada. Esta, caracterizada por estenose circunferencial, no nível do primeiro anel traqueal, foi achado ocasional decorrente da manobra de intubação inerente ao procedimento anestésico. Por outro lado, a ocorrência dos quadros de otite média secretora condiz com o freqüente relato de envolvimento lógico nos portadores de granulomatose de Wegener, que é de 19 a 61% dos casos. Os sintomas nasais, desde a presença de rinorréia e crostas, como o próprio desabamento da pirâmide nasal, também foram referidos pela paciente. Contudo, não foram encontrados na literatura relatos de estenose coanal associada a granulomatose de Wegener. O desenvolvimento da estenose provavelmente resultou da vasculite necrotizante, lesão histológica típica desta afecção.

Muitas vezes, a etiologia da estenose ou atresia de coaria adquirida não é definida. Lesões amplas de qualquer segmento das fossas nasais já foram mencionadas como desencadeantes da formação do estreitamento coanal. Traumas na região da rinofaringe, através de adenoidectomia, e doenças crônicas, como tuberculose e sífilis, também são citados. De qualquer maneira, esta patologia deve consta no diagnóstico diferencial dos quadros de obstrução nasa de instalação progressiva. A suspeita é levantada mediant cuidadosa anamnese e exame otorrinolaringológico comi pleto, o qual pode ser complementado pela nasofibroscop que fornece visualização mais adequada das fossas nasai No estudo radiológico, a tomografia computadorizada é exame de escolha, na qual se obtém melhor avaliação, q permite planejamento terapêutico mais apropriado. Atrav desta, observa-se: a) sítio da obstrução; b) lado acometi c) componente envolvido (ósseo e/ou membranoso); espessura da estenose; e) outros locais de estreitamento) fossa nasal.

Numerosas técnicas têm sido preconizadas par tratamento da estenose ou atresia de coaria. Em M

Emmert desenvolveu a via transnasal através da punção da obstrução óssea em criança de sete anos, com ajuda de trocãter curvo, introduzido pelo nariz. O acesso transanral visa a remoção da obstrução coanal associada ao desvio do septo posterior, o qual freqüentemente coexiste e dificulta, ou mesmo impossibilita, a abordagem da coava. Uffenord parece ter sido o primeiro a lançar mão desta via, em- 1908. Wrigh e col., em 1947, utilizaram o acesso transantral, realizado através do seio maxilar e de sua parede medial (meato inferior). Contudo, esta via não é mais empregada, restando apenas como dado histórico. O método transpalatino foi descrito por Brunk, em 1909, e durante muitos anos foi a preferida pela maioria dos autores". Esta foi a técnica escolhida para a correção da estenose coanal da paciente em questão, fornecendo ampla exposição do campo cirúrgico e maior facilidade de manuseio da área lesada. Entretanto, o uso do microscópio cirúrgico, em associação com a via transnasal, utilizado pela primeira vez por Caldarelli e Friedberg 1, em 1977, e o acoplamento do CO, laser, por Healy e col. 5, renovou O interesse pela abordagem endonasal.

Um dos pontos mais controvertidos é a escolha da via de acesso, na procura daquela que ofereça menor morbi mortalidade e probabilidade de recidiva. Porém, o sucesso do tratamento é atribuído, provavelmente; não só ao acesso utilizado, mas também à anormalidade anatômica responsável pela atresia.

Os autores concluem que a granulomatose de Wegener pode evoluir com estenose de coava, adquirida, alertando os colegas para seu diagnóstico diferencial na obstrução nasal.

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* Médico (a) Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológíca do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Médico (a) Assistente e Pós-Graduando (a) da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Professor Associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina- da Universidade de São Paulo e LIM-32. Trabalho apresentado na XII Reunião da Sociedade Brasileira de Otologia e Ill Encontro Brasileiro de Trabalhos Científicos em Otorrinolaringologia, no período de 15 a 18 de novembro de 1997, no Rio de janeiro. Endereço para correspondência: Alameda , 483 - apto. 172 - Cerqueira César - CEP: 01421-000 - São Paulo /SP - Telefone: (011) 288-9988 - Fax: (011) 284-3049. Artigo recebido em 11 de dezembro de 1997. Artigo aceito em 16 de março de 1998.

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