Versão Inglês

Ano:  1952  Vol. 20   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 97 a 120

 

RELAÇÃO ENTRE A OTORRINOLARINGOLOGIA E A ENDOCRINOLOGIA ATRAVÉS DO DESGOVERNO CAPILAR(*) - PARTE 1

Autor(es): DR. J. G. WHITAKER

Sobre o autor - Sócio da Academia Nacional de Medicina - Docente Livre de O. R. L. da Fac. de Medicina da Universidade de São Paulo

Nas doenças de nariz, garganta e ouvidos, que não tenham tolhido às mucosas a possibilidade de uma "restituiu in integrum", obténs efeito favorável o emprêgo, tópico ou sistêrnico, de substâncias que modifiquem a permeabilidade das paredes dos capilares sanguíneos, de modo a produzir, ou seja o estímulo local da fagocitóse, ou então a moderação de manifestações agudas dolorosas e molestas. O fato não é de admirar, desde que se considere a importância dos capitares nos fenômenos inflamatórios e a função fundamental, nos processos de defesa natural, dos fagócitos do sangue, que atravessam as paredes dos capilares para lutar com os micróbios.

Os capilares não são meros tubos de conexão entre o sistema arterial e o sistema venoso, pois de ambos independem e são, mesmo, independentes entre si. Suas paredes tênues são dotadas de permeabilidade, não passiva, à maneira de membranas dialisáveis (como se acreditou durante muito tempo), mas eminentemente seletiva, para que possam ser atendidas as necessidades locais dos tecidos. Os capilares são, pois, de grande importância em Fisiologia e em Patologia, e, na verdade, como afirma Otfried Müller (**), constituem a parte mais importante do aparelho circulatório: coração, artérias e veias têm por função servi-los.

Em trabalhos anteriores, principalmente na Tese que em 1947 apresentamos para a Docência Livre da Cadeira de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo, relatamos os bons resultados conseguidos com o estímulo local da fagocitose no nariz e garganta, em doenças inflamatórias, cuja tendência a repetições, ou à cronicidade, pudemos atribuir à dificuldade, ou impossibilidade, dos fagócitos atravessarem as paredes dos capilares, espessadas e impermeabilizadas, tal como se dá no diabete, pelo glicose, produto constante no desdobramento metabólico dos hidratos de carbono, que constituem o " krosso" da alimentação entre nós.

Não são poucos, porém, os casos rebeldes ao estímulo da fagocitose, mesmo quando não há erros de alimentação, como acontece em manifestações catarrais do nariz, laringe e rinofaringe, comuns sobretudo nas crianças e no sexo feminino. Pelos seus sintomas e pelo seu curso revelam-se tais casos, não tanto como infecções, mas, antes, como manifestações locais de diátese, de distúrbios glandulares, de desequilíbrios neuro-vegetativos e de estados desfavoráveis de alma, que, todos, influem na permeabilidade capilar, e, por meio desta, na nutrição dos tecidos.

Indispensável é o bom conhecimento da fisiopátologia dos capilares sanguíneos, que continua inexplicavelmente ignorada, embora já nos nossos longínquos tempos acadêmicos fôssem apresentados, e muito corretamente, como a "sede das trocas vitais do organismo". Enviamos o leitor para a citada obra de O. Müller e para o seu resumo em nossa Tese de 1947, fazendo aqui apenas algumas breves referências.

O capilar da pessoa normal, tal como o mostra a capilaroscopia do valo ungueal, tem a forma de alça alongada e regular, lembrando um grampinho de cabelo; normalmente, uma de suas "pernas", o ramo arterial, é dotada de tono um pouco mais elevado e, por isso, é mais estreita que a outra "perna", o ramo venoso.

O funcionamento normal dos capilares, que consiste sobretudo na seletividade de sua permeabilidade, é assegurado por vários fatores, locais e à distancia, que se equilibram, completam, e, parcialmente, se substituem, em um dos "sistemas de resseguro" que caracterizam as organizações vivas. Entre êsses fatores, os hormônios das glândulas de secreção interna ocupam lugar proeminente, mas ás necessidades locais dos tecidos, a composição do sangue, o sistema nervoso e a alma exercem influência poderosa também.

Alterações, fisiológicas ou patológicas, em um ou em vários dos fatores, que regulam o funcionamento normal dos capilares, terão conseqüências tanto mais extensas quanto maior fôr o número dos capilares atingidos, e tanto mais graves quanto mais nobre fôr o órgão atingido. Neste trabalho limitar-nos-emos às doenças otorrinolaringológicas reversíveis relacionadas com alterações no funcionamento de algumas das glândulas endócrinas e, em menor escala, com as que se relacionam com estados de alma, e, ainda, do sistema nervoso.

O. Müller dá o nome de Desgoverno Capilar (Lenkungstorung perturbação na direção) a uma anomalia congênita, em cuja etiologia a hipofunção hipofisária desempenha papel relevante. A permeabilidade, sobretudo em relação às albuminas, encontra-se anormalmente aumentada, e o tono capilar, flutuando descontroladamente, ora mais no ramo arterial, ora menos no ramo venoso e na alça, embora não se trate de espasmo ou de estase, mas sim de hipertonia e de hipotonía. O desequilíbrio pode manifestar-se em lugares vizinhos ou afastados, dando como resultado uma hipersensibilidade geral do organismo, como nas diáteses, além do aparecimento de número considerável de manifestações clínicas. A permeabilidade anormal ás albuminas é freqüente, a ponto de O. Müller considerar o desgoverno capilar quase como sinônimo da inflamação serosa (edema albuminoso) de Rössle e Eppinger (1). Sendo, além disso, os capilares, extremamente sensíveis às toxinas microbianas, encontramos no desgoverno capilar condições que estabelecem "terreno propício" para as inflamações e para as doenças (Entzündungsbereitschaft und Krankheitsbereitschaft). Realmente, quando ha tendência acentuada para doenças de ouvidos, nariz e garganta, encontramos, com freqüencia, como causa predisponente, o desgoverno capilar, o que confirma a asseveração de O. Müller de que essa diátese é comum, nuas quase nunca reconhecida.

As inflamações dos sinus paranasais posteriores (células etmoidais e sinus esfenoidais, geralmente em conjunto), além de serem, ao menos entre nós (2), as mais freqüentes das sinusites, são, por motivos anatômicos, as mais aptas a produzir "infecções focais", de cujo diagnóstico, localização e tratamento nos ocupamos com detalhe em nossa Tese de 1947. Essas sinusites posteriores põe-nos também em contato com a Endocrinologia.

De fato, a hipófise, repousando sobre a sela turcica, que muitas vezes constitue o teto dos sinus esfenoidais, e, freqüentemente, forma depressão para a cavidade dêsses sinus (3) , fica na vizinhança imediata de infecções atuais ou latentes. Nas crianças, até três anos, os sinus esfenoidais são diminutos e, assim, é ao rinofaringe, com suas freqüentes inflamações, que cabe o papel de "cabeça de ponte", pela qual as toxinas microbianas, por meio da inflamação serosa, atingem a hipófise e perturbam-lhe as funções, às vezes desde a infância, como o demonstrara há mais de vinte anos o radiologista italiano Prof. Mario Bertolotti, de Torino, em suas "Lezioni de Craniología Roentgen", de 1929.

Ora, a hipófise, entre outros hormônios, fornece, pelo seu lobo posterior, o hormônio (vasopressin) que confere aos capilares seu tono normal, e, pelo seu lobo anterior, entre outros, os hormônios estimulantes de várias outras glândulas, notadamente as glândulas sexuais, que também exercem grande influência sobre a permeabilidade das paredes dos capilares. Assim é que as sinusites posteriores, nas pessoas com desgoverno capilar, provocando disfunção da hipófise, geralmente hipofunção, agravam a vasoneurose, a qual, por sua vez, favorece a infecção. Estabelece-se assim um círculo vicioso, no qual o "primum movens" é, sem dúvida, o desgoverno capilar.

É essencial para o diagnóstico do desgoverno capilar, o conhecimento de suas manifestações clínicas. Os métodos estritamente objetivos de pesquisa, como a capilaroscopia, as provas de resistência e de permeabilidade dos capilares, que tomariam tempo precioso do clínico, são de importância secundária no diagnóstico, como o faz notar O. Müller, e como temos verificado pela nossa própria experiência.

As manifestações clínicas do desgoverno capilar, em sua maioria, são conhecidas, mas são em geral apresentadas em grupos isolados, caracterizando moléstias havidas por independentes. Tais moléstias, consideradas isoladamente, constituem outros tantos problemas terapêuticos, cuja solução, todavia, se nos apresentará menos complicada se nos lembrarmos de seu elo comum, isto é, do fato de serem todas manifestações de desgoverno capilar.

Daremos, em resumo sucinto, a descrição das manifestações vasoneuróticas que com mais freqüência temos encontrado, dentre as numerosas reunidas por O. Müller em sua obra notavel já mencionada, e repetidas em resumo em nossa Tese de 1947. A seguir faremos, igualmente, referências a trabalhos muito interessantes de A. D. Speransky, o qual provocou, em animais de laboratório, sinusites e otites, além de outras lesões de mucosas e da péle, por meio da irritação produzida por esferas de vidro colocadas atrás da sela turcica. Finalmente, faremos a descrição de outras manifestações de desgovêrno capilar, que temos encontrado em doentes de nossa especialidade. Sua divulgação parece-nos de utilidade prática e constitue propriamente o motivo dêste trabalho.

A) SINTOMATOLOGIA SEGUNDO OTFRIED MUELLER

Mãos frias, úmidas, arroxeadas, nas quais a pressão deixa marcas esbranquiçadas. Rosto com um "coradinho" bem delimitado, às vezes muito pronunciado, com aparência de mancha. No diabete
e na tuberculose, que Müller incluem nos estados de desgoverno capilar, o "coradinho" é comum, localizando-se no diabete, algumas vezes, na testa.

Nas mulheres alvas, a pele da face posterior do braço, entre o ombro e o cotovelo, apresenta-se pontilhada de vermelho nos folículos pilosos, constituindo o "linchen pilaris". Nas morenas, essa manifestação tem equivalente no arrepiado, que os franceses denominam expressivamente "chair de poule". As quedas bruscas de temperatura, ou o aparecimento inesperado da garoa, surpreendendo as senhoras com vestidos leves, revelam-nos freqüentemente, na rua, a existência da "cutis marmorata" no antebraço e junto ao cotovelo. A pele da face interna dos joelhos é outro lugar preferido pela "cutis marmorata", como se pode vêr nas praias de banho; nas crianças de menos de ano de idade, a localização é mais comum nos membros inferiores. Os seios habitualmente são flácidos, com uma aréola dilatada, fortemente pigmentada e fria ao tato, e sob êles, bem como nas regiões inguinal e perineál, podem aparecer assaduras.

As unhas das mãos são frágeis, quebrando-se com facilidade, sendo esta, talvez, uma das causas do hábito de roê-las. As dos pés, pelo contrário, endurecem como cascos, chegando a se deformar e a se despregar sob a pressão do calçado.

Nas extremidades, superiores e inferiores, as manifestações vão, desde as simples parestesias, e da acrocianose, até à entromegalia, à esclerodermia e às necroses da moléstia de Reynaud.

A permeabilidade capilar, anormalmente aumentada, determina petéquias, que podem aparecer na mucosa do céu da boca; urticárias, edema de Quincke, dermografismo exagerado, equimoses fortes provocadas por contatos pouco intensos sôbre a pele, empolamento exagerado nos pontos picados por insetos, os quais, aliás, parecem "perseguir" as pessoas com desgoverno capilar, as pessoas que o povo, por isso, diz terem o "sangue doce".

A hipersensibilidade da pele à dôr é frequente, e pode ser tão acentuada que se tornem dolorosos contatos pouco bruscos, como um apertão no braço, dando ensejo a epítetos sarcásticos, como "Maria das dores" e "maricas". Uma de nossas clientes referia não poder suportar o contato da barra da saia nas pernas, razão pela qual pouco saía de casa; e, uma outra, mãe de três filhos, sentia dores fortes e persistentes quando punha de pé, no colo, seu filhinho de oito meses.

É comum verificar-se hipersensibilidade em relação a certos medicamentos, ou a certas frutas, como, por exempla, morangos, ou a árvores, como a aroeira, ou ao vento quente, como o que, em Santos, é conhecido por "noroeste".

São notórios os efeitos vaso-motoras que certos estados de alma podem provocar em pessoas normais: o corado do pejo, a lividez da cólera, a palidez ou o arrepio do medo, o adormecimento das mãos, o suor frio, os desmaios, quando o susto é forte. Nos vasoneuróticos tais efeitos podem ser mais pronunciados, tal o enrubescimento intenso da pele da parte anterior do pescoço e da parede anterior e superior do tórax "erythema pudititiae"). Na moléstia de Reynaud, estados depressivos de alma são suscetíveis de determinar acessos de síncopes circulatórias locais, com asfixia e gangrena consecutivas. Emoções fortes podem determinar não só manchas roxas pelo corpo, como até mesmo suscitar lágrimas de sangue, conforme pode verificar Otfried Müller em condições de rigorosa vigilância hospitalar, que lhe permitiram demonstrar a "influência que o anôdo da alma exerce, no conjunto psicossomático da personalidade, sobre o catôdo do corpo" (4).

Inflamações catarrais são freqüentes em tôdas as mucosas, que são a sede freqüente da inflamação serosa de Rössle e Eppinger, campo ótimo para infecções secundárias nos olhos, no aparelho respiratório (do nariz aos brônquios), no aparelho digestivo (da boca ao reto, lembrando-se aqui a freqüência da "cólica mucosa"), na bexiga e nos órgãos genitais.

A desarmonia hipertônica-hipotónica do desgoverno capilar manifesta-se freqüentemente no tubo digestivo. Engasgos observam-se, mesmo, em latentes, e até com a própria saliva; o bolo alimentar desce pelo esôfago com dificuldade; manifesta-se prisão de ventre, tanto em latentes, como em adultos, com fragmentação das fézes ressecadas (fézes caprinas) e retardamento das evacuações por muitos dias.

A mesma hipertonia-hipotonia é origem de veias, pequeninas, mas nítidas, nas azas e na ponta do nariz e das orelhas, e de outras maiores na face externa das coxas e ao redor dos tornozelos. Tais veias, que aparecem às vezes na base da língua, bem como as varizes, as hemorróidas e as teleangiectasias, constituem o "status varicosus" de Curtius, no qual se incluem, ainda, as varicelas, o rinofima, os angiomas senis (que aliás podem acorrer em jovens), o naevus vasculosus. O status varicosus, que é transmissível por hereditariedade, associa-se freqüentemente à tendência à hérnia e a hemorragias nasais (5). O glaucoma primário, que, muito freqüentemente está associado a anomalias nos capilares da pele e das mucosas, é, provavelmente, de origem vasonetirótica. Não é rara sua associação com o naevus vasculosus, que provém, como vimos, de um "status varicosus". No interior do olho glaucomatoso encontram-se alterações do tipo hipertonico-hipotônico: como no naevus, formam-se provávelmente dilatações varicosus no interior do globo ocular, as quais são responsáveis pelo aumento de pressão intraocular. Outros órgãos, de invólucros mais ou menos rijos, podem ser sede de certas perturbações circulatórias das quais resulte uma espécie de "Glaucoma" (do cérebro, do rim, do ouvido interno).

Finalmente, como na vasoneurose, as manifestações do glaucoma são influenciadas pelas estações do ano (6).

O desequilíbrio hipertônico-hipotônico determina nos capilares da musculatura dilatações e pequenos aneurismas, que causam paradas, ou retenções da corrente circulatória, dando origem a sintomas subjetivos e objetivos bastante conhecidos: dores musculares localizadas sobretudo na região occipital próxima ao pescoço, ou na região lombar e na fossa supraspinata. Nessas mesmas regiões costumam manifestar-se as "celulites", nódulos perceptíveis ao tato e muito sensíveis, cujo tratamento ainda é feito por massagistas. Na celulite, que também foi considerada como reumatismo muscular e urticária dos músculos, a biópsia dos nódulos nada mais revela que forte irrigação sanguínea.

Finalmente, a desarmonia nos capilares dos músculos é causa de descontrole na irrigação, que se torna excessiva, determinando resistência fraca em torneios esportivos, ou mesmo em brincadeiras mais vivas. O paciente queixa-se de "estar sempre cansado", sintoma que tem como equivalente psíquico um estado permanente de tensão de espírito, mesmo durante o repouso.

Hipertensão e colapso são manifestações do desgoverno capilar, a primeira resultando de um aumento do tono dos dois ramos, e, o segundo, consistindo, ao contrário, no relaxamento do capilar.

Enumera ainda Müller, entre as manifestações de desgoverno capilar, a paradentose, o tártaro nos dentes, a piorréia, a língua geográfica, o eczema, os pruridos generalizados, as diáteses exsudativas, a enxaqueca, as perturbações visuais passageiras, a rinite vasomotora, a asma, os ataques epiléticos, a nefrite, a úlcera duodenal ou gástrica, a síncope cardíaca, a apoplexia, a angina pectoris, a arterioesclerose.

O exame retrospectivo dêsses sintomas torna desde logo evidente que as manifestações do desgoverno capilar, estendendo-se das simples parestesias às ulcerações e necrose, constituem discreta passagem do normal para o patológico. Muitas moléstias, como o demonstra O. Müller, não são reais do que um exagero de funções fisiológicas, ao passo que outras, iniciando-se como alterações funcionais, que podem ser no começo corrigidas, acabam por se estabilizar em lesões orgânicas, como por exemplo a hipertensão arterial (7). Na nossa especialidade poderemos citar como exemplos os, pólipos e as "carnes crescidas" do nariz, os calos das cordas vocais, os processos adesivos crônicos do ouvido médio, os quais começam como inflamações serosas, que estimulam, pela repetição insistente, a proliferação de tecido conjuntivo no local, transformando-se em doenças orgânicas crônicas, frequentemente irreversíveis (8). Ensina O: Müller que as manifestações vasoneuróticos costumam abrandar-se com a idade e que elas se encontram freqüentemente, tanto nos ascendentes, como nos descendentes e colaterais, o que importa dizer que o desgoverno capilar é uma diátese hereditária, muitas vezes com carater dominante. Assim, quando, em doenças repetidas de nariz ou garganta, somos informados de antecedentes de apoplexia, de angina pectoris, de úlcera do estômago, na família do paciente, voltamos nossa atenção para o aparelho circulatório, isto é, para os capilares, como sede original provável de seus males. O. Müller faz sua a afirmativa de Birk, de que "a enxaqueca na mãe é o equivalente da rinite vasomotora alérgica no filho" (9).

O desgoverno capilar, diátese da hipersensibilidade, é, pois, um conceito que facilita a visão de conjunto de vários de nossos problemas, aqueles por exemplo que nos mantém de certo modo em conflito com os pediatras, com os quais, aliás, poderíamos estar sempre de acôrdo.

B) SPERANSKY E SUAS TEORIAS SOBRE INFLAMAÇÕES E INFECÇÕES

A. D. Speransky (10), discípulo e sucessor de Pavlov e atual diretor do Laboratório de Fisio-Patología do Instituto de Medicina Experimental de Leningrad, é o autor e orientador de uma longa série de estudos experimentais sôbre a importância do sistema nervoso em patologia.

Estando o hipotálamo indubitávelmente ligado a muitas das chamadas funções vegetativas do organismo, propoz-se a elucidar a forma e o desenvolvimento dos processos distróficos que resultam de uma irritação provocada naquela parte do cérebro, em particular no "tuber cinereum", nos "corpora mamilária" e na "substancia perforata posterior". Para isso, introduziu em cães jovens e de tamanho pequeno, atrás da sela turcica, entre as extremidades anteriores dos pedúnculos cerebrais, uma bola de vidro de tamanha de uma ervilha. A pressão contínua, exercida pelo corpo extranho, provoca ulceração de usura, com a mesma forma esférica, naquela parte do hipotálamo, e, como conseqüência, aparecem à distância manifestações vasculares sob a forma de edemas, inflamações, destruição e neoformação de tecidos.

Os primeiros sintomas, às vezes logo as primeiras horas, são tumefação e sangramento das gengivas, geralmente ao redor dos molares de ambos os maxilares, lembrando o escorbuto humana. Em seguida, a gengiva destaca-se do colo dos dentes em uma bolsa, que pode encher de pus; os dentes se abalara, mas o animal não dá mostras de sentir dor alguma, o que torna tal estado semelhante ao da piorréia humana. Ao mesmo tempo aparecem depósitos e incrustações, constituindo verdadeiras "pedras" nos dentes anteriormente sãos.

Pequenas úlceras rasas, com bordos tão nítidos que chegam a parecer recortados, abrem-se na mucosa da boca, principalmente nos lábios, bochechas, língua, soalho da boca, palato mole, de aparência análoga às aftas humanas, não sendo, porém, dolorosas. As vezes as ulcerações nas bochechas aprofundam-se e estendem-se, assemelhando-se, então, ao noma humano.

Manifestação característica, que, contudo, ocorre em 2%, apenas, dos casos, é o desenvolvimento de papilomas, excrescências típicas, com aparência de couve-flor, isoladas ou múltiplas, cujo tamanho varia do de uma cabeça de alfinete ao de uma noz, localizando-se de preferência nos lábios e nas bochechas.

Constantes são as conjuntivites, queratites e até ulcerações da córnea, bem como ulcerações nas patas e falanges e na mucosa do duodeno, do piloro e do reto.

Speransky considera, taxativamente, como manifestações distróficas típicas, a rinite purulenta, as sinusites, as otites supuradas e as inflamações nos pulmões e no trato gastrintestinal, manifestações essas que, no homem, são encontradas comumente na chamada gripe de forma pulmonar e intestinal (ob. cit., pag. 315).

Se em lugar da esfera de vidro se usar outro irritante e se, em lugar de aplicá-lo no cérebro, fôr escolhida qualquer parte do sistema nervoso periférico, confio o nervo ciático, o gânglio simpático cervical superior, as terminações do trigêmeo na mucosa dos sinus ou na polpa dos dentes, ocorrerão as mesmas manifestações distróficas e na mesma seqüência, mas em grau diferente de intensidade. Speransky verificou que a intensidade das manifestações distróficas não depende da "fôrça", ou causticidade do- irritante, parecendo até haver uma relação inversa, pois que irritantes "fortes" (ácidos, mostarda) provocam reação local intensa, mas podem falhar, parcialmente ou de todo, na produção das distrofias; ao passo que irritantes "fracos", entre os quais as toxinas microbianas, agem de modo inverso. O lugar da aplicação do irritante também influe na intensidade da reação: o tuber cinereum, o gânglio simpático cervical superior e os ramos terminais do trigêmeo são as partes do sistema nervoso que "respondem" melhor aos irritantes.

Essa "resposta" pode variar de algumas horas a várias semanas, pois há outras circunstâncias que influem na rapidez do aparecimento das distrofias. Em animais de experiência, por exemplo, encontrou Speransky variações individuais e de espécie. Nos cães, descobriu alguns extremamente sensíveis, nos quais as manifestações distróficas sucediam-se com rapidez e intensidade fulminantes, vitimando-os em poucas horas, ao passo que outros eram refratários. Uma circunstância que favorece a eclosão rápida das distrofias é algum traumatismo anterior. Um animal, por exemplo, que se tenha restabelecido por completo de uma dessas mesmas experiências, de modo a passar muitos meses em estado de saúde aparentemente normal, se fôr submetido a segunda experiência, isto é, se fôr atingido, na expressão de Speransky, por um "segundo golpe", mesmo insignificante, como a aplicação de um irritante físico, químico ou bacteriano, sofrerá as neurodistrofias com a mesma intensidade com que a sofreriam os animais hipersensíveis.

Acredita Speransky que os impulsos para os fenômenos distróficos propagam-se somente pelo sistema nervoso; ás propriedades irritantes dos agentes, físicos, químicos ou microbianos, transferem-se gradualmente para a célula nervosa, a qual, mesmo que a atividade do primitivo irritante tenha cessado, passará a ser, por sua vez, centro de irritação para todo o sistema nervoso, levando-o a desequilíbrio, do qual resultam as neurodistrofias (11) . Consistem estas em variadas alterações patológicas, entre as quais são mais constantes e características, como vimos há pouco, as inflamações das mucosas da boca, do nariz, dos ouvidos, do trato digestivo e dos pulmões.

Em suas experiências sobre o poder irritativo dos micróbios, registrou Speransky a curiosa observação de que êstes nunca geram as moléstias cuja causa direta lhes é comumente atribuída, mas tão somente as referidas neurodistrofias.

Com essas observações experimentais, achou-se Speransky habilitado a fazer um ataque de frente aos conhecimentos clássicos da Patologia, que servem de base a tôda a Medicina. Negou, por exemplo, a especificidade das infecções, atribuindo aos micróbios apenas função "catalítica", isto é, a de "desequilibrar" o sistema nervoso, o qual, segundo êle, é a chave de toda a Patologia, e deve ser considerado como um todo, não havendo razão para a clássica divisão em central, autônomo, simpático, etc. A seu ver, "predisposição", ou terreno propício, não significa deficiência do estado geral, sendo resultado de uma "alteração", temporária ou permanente, do sistema nervoso, em cujas partes, tanto periféricas como centrais, indiferentemente aparecem pontos de excitação que irradiam combinações patológicas, alterando as relações internas de todo o sistema. Em tal caso, a profilaxia consistirá em levar o macro-organismo, a estado tal, que, no momento de seu contato com o micro-organismo.

o sistema nervoso não seja envolvido no processo. Outro corolário tirado por Speransky é que os anestésicos são também dotados de ação terapêutica, pois que eles tambem "desequilibram" o sistema nervoso, embora, por assim dizer, ao avesso do que acontece com os irritantes. De fato, a anestesia de uma parte do sistema nervoso é como que a supressão dessa parte do seu conjunto, durante determinado número de horas. Nesse tempo, o sistema nervoso, na interpretação de Speransky, age, não como órgão mutilado, mas como novo órgão diferente do que era antes da aplicação da anestesia. Terminada esta, não se recompõe exatamente o estado anterior à anestesia, sucedendo-se-lhe um estado novo, que já não é mais terreno predisposto às neurodistrofias, embora entre um e outro seja pequena a diferença. Por isso Speransky conseguiu prevenir o tétano com a aplicação de novocaina e de cocaína nas extremidades nervosas periféricas (12).

Interessante é G. Rickers ter chegado também, com trabalhos experimentais sobre a coagulação do sangue em coelhos, à mesma convicção de Speransky acêrca da importância fundamental do sistema nervoso em Fisiologia e em Patologia. Para ambos, os fenômenos fisiológicos e os processos patológicos têm como única e exclusiva via de propagação o sistema nervoso. Aliás, em clinica médica, a importância do sistema nervoso em Patologia vem sendo confirmada pela localização, no diencéfalo, da origem de muitas moléstias (obesidade, diabete, Basedow, doenças do tubo digestivo).

Entretanto, Fritz Lange poude demonstrar, também experimentalmente, não ser absoluto o monopólio do sistema nervoso (13), depreendendo-se dos ensinamentos de O. Müller sua importância real, mas não exclusiva, entre os fatores múltiplos que governam o funcionamento dos capilares.

Para demonstrar a falta de razão de Speransky, quanto à não especificidade dos micróbios, bastará lembrar os efeitos, realmente maravilhosos, dos novos medicamentos tão apropriadamente designados por antibióticos; sendo-nos, também, possível referir, data venia, os bons resultados que, há anos, vimos conseguindo com o emprêgo do estímulo local da fagocitose, justamente no tratamento de moléstias que Speransky considera como neurodistrofias típicas - as infecções otorrinolaringológicas.

A ação curativa dos anestésicos locais é fato que vimos observando há longo tempo, sobretudo nas inflamações agudas e subagudas dos sinus paranasais. Estamos convencidos, pela experiência clínica, que êsse efeito explica-se, não pelas razões invocadas por Speransky, mas, sim, pela obstrução, pela anestesia, dos filetes da dor dos nervos sensitivos, que constituem a via exclusiva de propagação das inflamações. Pelo que temos verificado, a cocaína, em soluções que variam de 2 a 20%, é mais indicada que outros anestésicos locais, que necessitam associação como a efedrina para contrabalançar sua ação vasodilatadora.

Entre os trabalhos experimentais de Speransky e as observações clinicas de O. Müller existem importantes pontos de contato, de que nos temos valido para solução de problemas clínicos e que passamos a examinar.

a) Desgoverno capilar e neurodistrofias são estados de hipersensibilidade do organismo.

b) Desgoverno capilar e neurodistrofias são considerados pelos dois autores (os quais, aliás, parecem-se não conhecer) como o elo, há muito pressentido, que deverá unificar e simplificar a Medicina, determinando a classificação das moléstias pelas semelhanças, e não pelas diferenças.

c) Na etiologia do desgoverno capilar e das neurodistrofias, ocupam repetidamente lugar destacado, embora não único, a hipófise e o hipotálamo, que fisiologicamente são associados.

d) Certas perturbações endócrinas provocam, nos capilares sanguíneos e nos tecidos, manifestações idênticas às que se seguem a certas lesões do sistema nervoso, como, por exemplo, a distrofia adiposo-genital (14).

e) Nas neurodistrofias e no desgoverno capilar, sobretudo nas primeiras, há predileção das lesões pelas mucosas do nariz, e dos sinus acessórios, do ouvido, da boca e do estômago. Nas ilustrações dos trabalhos de ambos os autores, chama atenção a semelhança entre as lesões gástricas do animal de experiência e a úlcera péptica no homem.

f) O "segundo golpe" de Speransky é paralelo à observação de Otfried Müller de que a vasoneurose latente pode tornar-se manifesta após um surto de moléstia infectuosa aguda. Ambos afirmam que causas externas, às vezes insignificantes, podem fazer vir à tona manifestações neurodistróficas ou vasoneuróticos : gengivites, aftas, paradentose, piorréia, tártaro e abalamento temporário dos dentes, como temos freqüentemente encontrado em vasoneuróticos, logo após ou durante um surto de sinusite posterior (etmoido-esfenoidal). Não raro temos verificado na anamnese de vasoneuróticos, preceder um traumatismo na cabeça, de meses, ou mesmo de anos, tendências á inflamação nas mucosas do nariz, garganta e ouvidos, associadas a manifestações de desgoverno capilar. No caso de um menino de 12 anos, a que faremos adiante outra menção, contara-nos espontaneamente sua mãe, no início da consulta, que as manifestações vasoneuróticas datavam do emprêgo de vacinas destinadas a uma infecção intestinal de origem indeterminada. Ocorre, a êste respeito, lembrar Speransky provocando neurodistrofias com vacinas, o que de certo modo explica, como movimento animal instintivo, a violenta reação do povo carioca, no comêço do século, contra a vacina obrigatória.

Speransky admite, com Charcot, serem as lesões distróficas produzidas por hiperatividade do nervo (15), e não pela diminuição ou cessação de sua atividade. Nossa experiência clínica, sôbre estados patológicos das mucosas, paralelos às lesões distróficas de Speransky, convenceram-nos do contrário.

C) NOSSAS OBSERVAÇÕES

Utilizando-nos de trabalhos fundamentais, como os de O. Müller e Speransky, esperamos contribuir para clareza da exposição, apoiando-nos neles na parte referente a dados rigorosamente objetivos. É também de nosso dever mencionar que, no início dêste trabalho, há onze anos, fizemos numerosos doseamentos de hormônios, comparando-os, graças à competência e bondade do Dr. Cyro Camargo Nogueira, endocrinologista assistente da Cadeira de Fisiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a dados clínicos de pacientes. Naquele mesmo período lançamos mão, igualmente, de radiografias da cabeça, para verificar a correlação entre as sinusites posteriores (etmoido-esfenoidais) e possíveis alterações na sela turcica e na função hipofisária. Há cinco anos, entretanto, viemos a saber pelas "Lezioni di Craneologia Roentgen", do Prof. Mario Bertolotii (1929 Turim) que o assunto tinha sido estudado e resolvido há mais de vinte anos.

Expondo êste trabalho problemas de clínica diária, é natural o realce dado a sinais clínicos, cuja correção terapêutica total, o a parcial, constituirá principal comprovante "ex juvantibus".

Apesar de ser a imprevisibilidade um característico do desgovêrno capilar, suas numerosas manifestações, pelo que temos observado, não aparecem desordenadamente, mas como que seguem um certo plano, em que algumas manifestações mais típicas constituem um plano de fundo, que realça outros sintomas, alternando-se e sucedendo-se, periódica e ritmicamente, em pequenos grupos, e atenuando-se lentamente com o avançar dos anos. Esquematizando, diríamos que a diátese exsudativa, na criança, e os estados alérgicos, no adulto, representam o fundo geral vasoneuróticos; sôbre esse fundo destacam-se outras manifestações, igualmente vasoneuróticas e associadas a doenças de garganta, nariz e ouvidos, pélas quais, geralmente, somos procurados. Ao desenvolver êste esquema faremos a ressalva de que é um meio didático de simplificar e abranger as relações complexas entre a Otorrinología e o desgoverno capilar, apesar de que tal método leva, às vezes, a erros insuspeitados, inclusive, e sobretudo, ao simplismo.

1) CRIANÇAS

Para nós, Otorrinolaringologistas, os seguintes sintomas permitem reconhecer facilmente o "pano de fundo" da diátese exsudativa: seborréia do couro cabeludo (cascão), crosta Láctea, assaduras (intertrigo), língua geográfica, prisão de ventre acentuada, suores abundantes e com máu cheiro na cabeça e nos pés, grande receptividade às inflamações e infecções, gordura balofa e bochechas pastosas (inflamação serosa). Insônia e sede exagerada, são sintomas que ocorrem no lactente e persistem com remissões a vida toda.

Sobre essa sintomatologia básica, que permite desde logo reconhecer o desgoverno capilar, acrescem, em diferentes idades, como temos observado, os seguintes sintomas:

a) A primeira manifestação de desgoverno capilar pode ocorrer logo após o nascimento. A criança começa a fungar, com maior ou menor intensidade, demonstrando evidente obstrução nasal, que é atribuída, em geral, a resfriado advindo de qualquer negligência. Entretanto, o fungar resulta de inflamação serosa (edema albuminoso), que, enchendo a mucosa frouxa e pregueada da parte posterior do septo nasal e a mucosa da abóbada do rinofaringe, mais baixa que a do adulto, oferece obstáculo consideráveis à passagem normal do ar pelo nariz. Mesmo na criança normal nota-se tendência a edema, transmitida durante a gravidez, sobretudo havendo desgoverno capilar (16). O edema pode ser espontaneamente reabsorvido, cessando, então, a obstrução nasal e o fungar, mas, às vezes enxertam-se infecções secundárias, que, repetidas, constituem os "achaques" de ouvidos e garganta das crianças diatésica. A hipersensibilidade dos capilares às toxinas microbianas facilmente leva à toxicose (toxicose parenteral) sobretudo nos casos de otite. Em casos dêsses é que fica a criança "largadinho", como se exprimem os pais aflitos. E há razão nessa ansiedade, pois trata-se de colapso infeccioso, que se apresenta com intensidade variável, desde a palidez característica das otites, até ao choque.

b) Entre o segundo e o quarto mês, a criança vasonetirótica pode apresentar curiosas e impressionantes manifestações. Bruscamente e em meio de bem estar aparente põe-se a gritar, empalidece e contrai-se, como que presa de violenta dor, logo voltando, porém, ao normal. Entre os norte-americanos prevalece a opinião de que se trata de adaptação ao meio ambiente, pois tais manifestações sómente ocorrem depois de algum barulho ou ruído forte. Nos poucos casos de "pavor repentino" que nos foi dado observar, tinha havido realmente o fator ruído, mas as crianças, sem exceção, apresentavam, também, forte desgovêrno capilar, que é, como o mostrou Müller, síndrome de hipertonias e hipotonias. As crianças, assim afetadas, são das que se assustam facilmente e "fazem beicinho" quando se lhes faz carranca, ou quando estranham, ou ouvem gritos, dando mostras da hipersensibilidade psíquica que, tornando-as tímidas, caprichosas ou desagradáveis, constituirá problema magno de educação mais tarde.

c) Entre doze e dezoito meses de idade, apresenta-se a asma, precedida, meses antes, pelo chiado das tráqueo-bronquites ou pelo que antigamente se chamava pseudo-crupe.

d) Entre dois e quatro anos, manifesta-se enurese noturna, inicia-se a gagueira, podendo estas perturbações humilhantes perdurar até a idade adulta, acentuando-se freqüentemente na puberdade.

e) De cinco anos até a puberdade, são freqüentes tonturas e vertigens, sobretudo em lugares quentes ou apinhados de gente. Nestas formas de colapso capilar não tem participação o ouvido interno.

Todos os sintomas, tanto os dos cinco pequenos grupos, como os sintomas gerais que lhes servem de "pano de fundo" (acentuam-se, ou manifestam-se, por ocasião de surtos inflamatórios agudos. A enurese noturna, de modo especial, é influenciada pelas rinofaringite. A asma também o é, com a particularidade, porém, de seus acessos se manifestarem freqüentemente em ciclos de 8 ou 15 dias e de poder ser desencadeada por impressões nervosas, como, por exemplo, as determinadas por uma repreensão enérgica.

TERAPÊUTICA

Todos êstes sintomas (e é mais uma excusa para nosso esquema) melhoram rapidamente, e de maneira consideravel, com o extrato do lobo posterior da hipófise, que contém o hormônio em grande parte responsável pelo "tonus" normal dos capilares. Reconduzidos os pequenos vasos a equilíbrio fisiológico, os sintomas do desgovêrno capilar regridem, de modo não raro espetacular, como se pode observar no colapso infeccioso e no choque traumático.

Temos verificado, a miúdo, que as perturbações de funções tidas como dependentes do hipotálamo, como o metabolismo da água, o sôno, e os estados de alma, são também suscetíveis de correção pelo emprêgo do lobo posterior da hipófise, o que não é de admirar dada a associação fisiológica entre a hipófise posterior e o hipotálamo: "The pars nervosa, pituitary stalk and median emminence of the hipothalamus, which have the same embryological origin, share many features in common. Each contains a mass of nonmyalinated nerve fibers and Gersh has described glandular cells in the hipothalamus similar to those in the pars nervosa. This appears to provide the necessary cytological basis for the production of neural-lobe activities by the hipothalamus" (17).

O produto comercial que usamos é o Pitressin (Beta-Hipofamina) de Parke, Davis & Cia., em ampolas de 1 cm³, contendo 10 unidades pressoras; não o administramos, porém, em injeções, mas em instilações no nariz, pelos motivos e com a técnica expostos em trabalho nosso recente (18). Tão pouco nos preocupamos com o número rigoroso de unidades pressoras. Servindo-nos de conta-gotas comuns, de calibre médio, administramos uma gota em cada narina. Como em tôda terapêutica de substituição, a dosagem regula-se pelos sintomas; uma só dose e, às vezes, suficiente para alguns dias; mas pode repetir-se até quatro vezes no dia, se forem notadas sucessivas melhoras. Em alguns clientes, crianças e adultos, encontrámos tendência nítida para a repetição cíclica, ou periódica, dos sintomas vasoneuróticos, o que consideramos como efeito das glândulas de secreção interna, em cujo funcionamento normal há períodos de maior atividade, alternando com períodos de menor atividade. Tal o caso de um menino, atualmente com onze anos, que desde um ano de idade começou a ter, todos os quinze dias, fortes acessos de asma, precedidos de angina ou de rinofaringite. Observada essa regularidade, recomendamos o uso profilático do Pitressin, com o resultado de por um ano desaparecer a asma, cessando, aos poucos, a tendência a anginas. Entretanto, o desgoverno capilar continuou intenso e, ainda hoje, qualquer repreensão enérgica provoca acesso de asma, com catarro nasal abundante e, mesmo, defecação e emissão involuntária de urina. O estado geral, porém, é bom e a amigdalectomia, que parecia necessária nos primeiros anos de vida, não tem agora indicação.

A sintomatologia, como dissemos, regride rapidamente com a administração do lobo posterior da hipófise, com exceção do "pavor repentino", sobre o qual é deficiente nossa observação; a sede exagerada desaparece quase imediatamente, referindo-nos uma cliente adulta que logo após a instilação nasal, tinha a sensação de umidade na mucosa do faringe. O sono normaliza-se, via de regra, na própria noite do tratamento; os estados de alma, coma a mandriice, o medo, a manha, melhorara em poucos dias; mas a enurece e a gagueira só desaparecem depois de semanas.

As seguintes observações clínicas ilustrarão o que acabamos de expor:

ENURESE NOTURNA - Observação n.º 1 - H.D.F.- Nascida em Abril de 1945, branca, revelou cedo desgovêrno capilar acentuado. Desde os três meses apresentou-se achacada de garganta, ouvidos e traquéia, exigindo freqüentes tratamentos. Com 18 meses tinha muita sede, suava muito nos pés e urinava com exagerada freqüência, não só à noite, na cama, como durante o dia. A instilação nasal de Pitressin foi feita irregularmente dados os mimos da criança. Mesmo assim, cessaram as micções diurnas, continuando, porém, a enurese noturna. Aos três anos apresentou sinais evidentes de hipotireoidismo: pouca vivacidade, gordura exagerada no rosto e na barriga, cabelos raros e secos, pernas encurvadas. Receitamos tireóide em pequenas doses e em períodos. Um ano depois o aspecto físico tinha melhorado consideravelmente, a começar pela cabeleira, que passou a ser motivo de orgulho para os pais; afinou-se o rosto, desapareceu a barriga voltando à criança, vivacidade e bom humor. Tornamos então a usar o Pitressin (ente dias alternados, três a quatro gotas instiladas no nariz), com interrupções, às vezes longas. Desde janeiro de 1951, cessamos a aplicação de hormônios, tendo o enurese desaparecido totalmente; a menina continua (abril 1952) com ótimo aspecto, tendo alcançado na altura, sua irmãzinha dois anos mais velha. A vitamina C que era administrada por boca, na dose de 500mg por dia, como tratamento e como preventivo das tráqueo-bronquites de que no inicio sofria, tinha o inconveniente de aumentar a enurese. Posteriormente verificamos que, em doses bem mais elevadas, até 3 gramas por dia, por via oral, a vitamina C ajuda a combater a enurese.

Observação n.º 2 - R. L. F. - Branco. Em julho de 1939, com dois meses de idade, foi-nos apresentado com otite média aguda, conseqüência de um resfriado, apanhado um mês antes e que se iniciara com fungações fortes, inquietando a mãe, conforme registramos em sua ficha. Somente em janeiro de 1950, o revimos com os ouvidos tapados por cerúmen, com etmoido esfenoidites crônica e sinais de carência em vitamina B1. Durante a anamnese patenteou-se gagueira, o que nos fez suspeitar de desgovêrno capilar. O primeiro sintoma, fungar, fôra relatado, como dissemos, quase onze anos antes, ficando registrado na ficha sem comentários. Em janeiro de 1950, grande, para sua idade, e gordo, era um menino de pele alva e rosada, sem ter, todavia, feições femininas. Nervoso, enjoava com facilidade, sendo obrigado a tomar Vasano cada vez que viajava de automóvel; muita sede a assaduras; às vezes engasgavam; a enurese noturna manifesta-se por várias micções, não percebidas, pois o sono era pesado; pela manhã custava a se levantar; apático, mandrião, desagradável, exigia ser servido nas menores coisas. Seu gênio fora diferente. A sintomatologia vasonetirótica começou quase bruscamente aos sete anos de idade, logo após o uso de vacinas administradas contra uma infecção intestinal de etiologia incerta; o que parece confirmar clinicamente a afirmativa de Speransky de que agentes irritantes fracos, como são as vacinas, podem alterar permanentemente o sistema nervoso. As primeiras instilações nasais de Pitressin, associadas ao tratamento da sinusite posterior pelo estímulo local da fagocitóse, trouxeram melhoras consideráveis, logo nas duas primeiras semanas. Durante algumas noites não urinou na cama, acordando, em outras, no momento em que começava a urinar. Tornou-se amável e serviçal, não lhe custava mais abandonar a cama, sentindo-se bem disposto desde o despertar. Cedo, porem, entrou a desobedecer às prescrições profiláticas de higiene e de alimentação, ocorrendo, então, novamente, surtos de sinusite posterior que agravavam a enurese noturna e pioravam o seu gênio. Depois de pouco mais de um mês nessas alternativas, vindo a saber que o rapaz era alvo de caçoadas dos companheiros, suspeitamos de uma insuficiência genital. Enviado ao endocrinologista, foi a suspeita confirmada pela verificação de um hípogonadismo. Foi prescrita uma injeção semanal de 1 cm³ de pregnyl de 500 Unidades, à qual pouco depois, o endocrinologista acrescentou hormônio masculino. Nosso tratamento ficou suspenso cêrca de quatro meses. Quando voltou, o paciente tinha emagrecido consideravelmente, mas seus testículos estavam normais, tendo tido alta do endocrinologista. Repetia-se, porem, o quadro anterior do desgoverno capilar, tendo a mãe referido que piorava a enurese noturna a cada injeção de Pregnyl. Reiniciamos o tratamento anterior, mas com pouco resultado, o que pensamos ser devido à sinusite posterior, provocada por alimentação pobre em vitamina B1 e ineficiente proteção contra o vento e contra a umidade. Não conseguindo cooperação do paciente, suspendemos o tratamento, receitando, porém, para estimular o hipotálamo a vitamina E., na dose de 4 pérolas por dia. Em Fevereiro de 1951, por telefone, informaram seus pais haver êle melhorado com a vitamina E, tendo diminuido bastante a enurese: Comunicaram, ainda, que os enjôos nas viagens de Automóvel, e os engasgos, desaparecidos com nosso primeiro tratamento, não haviam retornado.

Observações n.º 3-4 e 5 - Três crianças internadas na enfermaria de ORL do Hospital das Clinicas. Em 21 de fevereiro de 1951.

F.S.S., branco, 11 meses de idade, extremamente robusto, com microtia bilateral. Constantemente com corrimento nasal, urinava com demasiada freqüência; apresentava assaduras nas virilhas e região pudenda; sentia muita sêde; não tinha sono bom, e exalava máu cheiro nos pés. Instilado Pitressin diariamente no nariz, na dose de três gotas, desapareceram as assaduras e as micções diminuíram acentuadamente, sobretudo durante o dia, cessando, também, a máu cheiro dos pés. Sete dias depois apanhou gripe acompanhada de rinite purulenta, rinofaringite e traqueite, piorando logo a seguir da enurese e do sono, e voltando as assaduras e o suor nos pés. Passou, então, a receber tratamento da Clínica Pediátrica, de onde, no dia 29-III, foi enviado, espontaneamente, um relatório em que se afirmava "tratar-se de uma criança diatésica, que não sararia enquanto a causa orgânica não fôsse tratada". O tratamento, por aquela clínica, não foi, porém, interrompido. Em 22-IV, permanecendo na mesma, enviamo-lo à Secção de Eletroterapia para tratamento de sinusite posterior pelo estímulo local da fagocitose. Após cinco tratamentos (ionizações em posição bi-temporal com iodureto de sódio, em lugar de iodureto de potássio que houvéramos pedido e com trilha de penicilina e de sulfa alternadamente), o nariz e a rinofaringe apresentaram-se normais: cessara a tosse e a enurese desaparecera, voltando o sono ao normal. Ao mesmo tempo que era feito o tratamento pelo estímulo local da fagocitose, a alimentação foi corrigida, isto é, passou ser rica em vitamina B1, sendo razoavelmente reduzidos os hidratos de carbono, o que, aliás, estendeu-se a todas as crianças internadas na enfermaria. Apenas com êsses dois elementos, a terapêutica e a alimentação profilática sem emprêgo de hormônio (Pitressin), desapareceram, no espaço de cêrca de nove dias a infecção dos sinus posteriores e as manifestações de desgovêrno capilar. Mês e meio depois foi feita a operação preliminar para a confecção de retalhos para a plástica das orelhas. Sobrevindo sarampo, logo a seguir, foi o menino removido para outro hospital. Na sua volta, um mês mais tarde, persistiam as melhoras. Foi este um exemplo muito interessante de infecção posterior do nariz manter as manifestações do desgoverno capilar.

L.H.C., branca, dois anos de idade. 21-11-1951. Urinava muitas vezes, à noite e durante o dia, tendo também assaduras. Com três gotas de Pitressin no nariz, diariamente, começou desde 1-III a acordar para urinar. Apresentava no dia 8 tais melhoras que foi suspenso o tratamento. No dia 10, entretanto, voltaram as assaduras, desaparecendo em dois dias com o Pitressin. Em 31-III, quando a vimos pela ultima vez, continuava bem.

L. S., branco, três anos de idade. Urinava na cama, tinha cheiro desagradável nos pés, era manhoso, esquivo e muito "sentido". O Pitressin, a partir de 21-II, foi administrado por via nasal, na dose de 3 a 4 gotas, em dias alternados. Em 8-III apresentava-se livre da enurese, do máu cheiro nos pés, com ótimo gênio, aproximando-se sem timidez do médico. Nos ultimos dias de março foi atacado de gripe, tornando-se novamente manhoso e esquivo e voltando a urinar na cama, O Pitressin, em três dias, pô-lo novamente bom, persistindo o efeito até Sua saída do Hospital em 24-IV.

GAGUEIRA - Observação n.º 6 - J.A.S., branco, irmão de M.S.S. (observação n.º 8) compartilhando com esta e com mais quatro irmãos de forte desgovêrno capilar, originado de lues hereditária. Em outubro de 1940, com dez dias de idade, iniciou uma série de acessos de "pavor doloroso". Pouco antes de completar três anos (julho de 1943), quando por acaso estávamos presente, começou a gaguejar brusca e intensamente. Sua mãe atribuiu isso à imitação de um companheiro gago, mas a irregularidade da respiração diafragmática e a trepidação típica da voz caracterizaram positivamente o defeito. A instilação nasal de 4 gotas de Pitressin teve efeito imediato, não só neste acesso, como nas recaídas em dias subseqüentes. Embora fosse espaçado o tratamento, dentro de um mês á gagueira havia desaparecido, cessando também a enurese noturna. No adulto, com gagueira antiga, o tratamento é evidentemente mais prolongado, tornando-se, porém, quase dispensável a reeducação dos musculos respiratórios que constitue o tratamento clássico. Outras perturbações da voz, que temos visto somente no desgoverno capilar, são a voz ciciosa e a pronuncia defeituosa de certas consoantes.

A gagueira é uma contração involuntária e incoordenada, de origem central, nos músculos que intervém na emissão da voz falada, sobretudo o diafragma. Como causas de gagueira os tratados de foniatria inclinam-se a aceitar, parcialmente pelo menos, a opinião comum dos pais, isto é, sustos, quedas, moléstias infecciosas, hereditariedade. Com exceção desta, porem, tais causas não passam de detonantes ocasionais. De fato as manifestações clóricas e clórico-tonicas do diafragma, que provocam a gagueira, têm o, característico hipertonico-hipotônico da diátese vasonetirótica; por outro lacto, a hipersensibilidade dos capiktres vasoneuróticos às toxinas microbianas pode explicar o aparecimento da gagueira após uma moléstia infecciosa.

COLAPSO CAPILAR (periférico) - Observação n.º 7 - L.S., cor parda pouco acentuada, 3 mêses de idade. Em dezembro de 1950, segundo referiu a mãe, apresentou sinais de tontura quando o erguiam de pé, empalidecendo e pendendo a cabeça. Havia sinais de desgoverno capilar: suor fétido nos pés, crostas, na cabeça, assaduras de grande intensidade e extensão, engasgos e vómitos ao mamar e urina freqüente. Apesar disso era quieto e chorava pouco. A reação de Wassermann foi fortemente positiva nos pais. A instilação nasal de 1/4 de ampola de Pitressiu, fez com que depois de quinze minutos mamasse, sem vomitar e sem engasgar. Erguido, não deu mostras de tonturas. O Pitressin foi usado ainda por mais quatro dias, até desaparecerem as assaduras e os outros sintomas. Um mês depois continuava bem, mas, bruscamente, teve novo colapso, bastando, então, uma só dose de Pitressin para se restabelecer. Ao completar seis meses de idade, manífestou-se de maneira intensa, como acontece nas crianças vasoneuróticos, coqueluche, exatamente quando iniciava uma série de vacinas preventivas: sobrevieram olheiras, e ficou "largadinho", com novos sinais de colapso. Duas gotas de Pitressin, três vezes no dia, conjuraram a prostração provocada pela tosse, bem como diminuiram o número e a intensidade dos acessos. Desta vez durou uma semana o tratamento hormonal. Pouco depois foi usada Estreptomicina para a coqueluche, continuando na creche esse tratamento.

COLAPSO INFECCIOSO - Observação n.º 8 - M.S.S., branca. Em agosto de 1945, contando dois meses de idade, apesar dos cuidados de dois pediatras competentes, caiu em tal estado de toxicose, que se esperava fatal desenlace. Vemo-la em simples visita, achando-a com feição de agonia (19), em colapso. Hesitando os pais em consentir numa punção occipital, fizemos a instilação nasal de três gotas de Pitressin. Em poucos minutos melhorou o facies e voltaram os movimentos de cabeça, e, dentro de três horas, aceitou a mamadeira. No mesmo dia recebeu outra dose de Pitressin, repetindo-se o tratamento por cinco dia subseqüentes, uma vez por dia, acrescido de ionização bitemporal de cálcio para a sinusite posterior, que, certamente, fóra o foco infeccioso. A recuperação foi rápida e total e hoje, aos cinco anos, M.S.S. é uma bela menina, intensamente vivaz, apesar de um forte desgoverno capilar que se manifesta freqüentemente por urticárias e edemas de Quincke, que todavia não mais acompanhamos porque mudou de residência. Em abril de 1951, vindo a São Paulo, e apresentando edema geral moderado, aconselhamos vitamina C, pela ação normalizadora sobre a substância cimentante que une as células endoteliais que tornam as paredes dos capilares. Com a experiência atrás mencionada da ação diurética da vitamina C em doses pequenas, prescrevemos doses elevadas, 3 gramas diariamente, por via bucal. Por telefone, quinze dias depois, informaram os pais ter havido desinfiltração acentuada; o uso da vitamina naquela dose está já perdurando um ano, pois nas interrupções reaparecem edemo e enurese. Há tempos, sua imagem embelezou a capa de uma conhecida revista, que aqui exibimos aos cócegas.

2) ADULTOS

No adulto o "pano de fundo" é constituído em grande parte pelos estados alérgicos. Dentre estes, os que logo nos ocorrem à mente são a rinite vasomotora e a asma. Entretanto, muito mais freqüentes são certas inflamações do nariz e garganta, que, por se repetirem com qualquer friagem ou correnteza de vento, ou por causa de cansaço, dão mostras, por parte das mucosas, de uma hipersensibilidade de característicos alérgicos, pela presença de inflamação serosa e pela ausência de sinais clínicos de infecção focal (20). Tais casos apresentam alguns dos sintomas de desgovêrno capilar, descritos no comêço dêste trabalho, ocorrendo lembrar a equivalência (para o doente) dos sinais apresentados pelos ascendentes ou colaterais. Dentre os sintomas (na dependência dê insuficiência do lobo posterior) destacam-se a sede exagerada e as perturbações do sono, sobretudo nos moços, cuja história pregressa, pode, às vezes, revelar ainda a diátese exsudativa da infância, persistindo, mesmo, em alguns, as assaduras e até a enurese noturna, conforme nos comunicou um advogado de 36 anos. Outros sintomas (insuficiência do lobo anterior): aftas (stomatitis maculo-fibrinosa), frieiras; gengivites, sobretudo quando, dispostas simetricamente, evoluem para pequenos abscessos, embora não havendo infecção dentária; paradentose, tártaro ou abalo isolado de dentes. Estes sinais já descritos por Muller são apresentados por Speransky como típicos das trofoneuroses experimentais em cães, nos quais aparecem com maior intensidade do que no homem.

Como vemos, no adulto, além da anamnese, o exame cuidadoso da boca fornece elementos para o "pano de fundo" que põe em maior relevo sinais particulares de maior importância, como se verá a seguir.

2) NA MULHER

Da mesma forma que a hipófise, é o ovário considerável agente de desgovêrno capilar. Seus dois hormônios, indubitavelmente, têm ação sôbre o sistema vascular, como o demonstram o ciclo menstrual feminino com a hemorragia uterina e os pequenos sintomas que o acompanham, tais como frio nas extremidades, cólicas, dores nas cadeiras, nervosismo. Todos estes sintomas são de origem vascular (21) e justificam a denominação popular de "incômodo", mais branda, todavia, que a inglesa de "curse", que, como se sabe, quer dizer "maldição". Associada, funcionalmente, ao ovário, a tireóide exerce tambem influência sôbre o crescimento e a permeabilidade dos capilares (22). Não é pois de admirar que o desgoverno capilar se manifeste com maior freqüência e com maior intensidade na mulher, mais sujeita às influências glandulares do que o homem, no qual o hormônio sexual exerce menor ação sôbre o sistema vascular.

Há várias décadas, W. Flies despertou grande interêsse, discorrendo sôbre a influência das glândulas sexuais femininas na mucosa do nariz e propondo o tratamento da amenorréia por via nasal. Apareceram, depois, observações sôbre as epistaxis da puberdade e da prépuberdade; o entupimento nasal durante o coito; a maior freqüência de atrofia da mucosa nasal nos abstinentes por hípogonadismo; á fetidez maior da ozena no período menstrual, e, em geral, a diminuição da resistência aos estreptococus neste período. Tais observações, porém, assim como tentativas, que com sucesso se seguiram, de tratamento de catarros nasais com preparados ovarianos, (23) caíram quase em olvido.

As cefaléias, a coloração viva das mucosas e sua ligeira tumecência, acompanhada ou não de secreção catarral, coincidindo com as regras, são modalidades da mesma inflamação serosa, que determina entumecimento dos seios, crescimento do ventre e inchação das ancas. Na mulher normal, essas manifestações, quando ocorrem, são pouco intensas; mas havendo desgoverno capilar, tornam-se aparentes, até mesmo fora do período menstrual, sendo acompanhadas de outras manifestações (O. Müller), como a cutis marmorata, o lichen pilaris e a fragilidade das unhas, as quais lascam ou desfolham, sem que para tal concorram os esmaltes das manicures.

Outras manifestações que nos foram comunicadas, revelam sintomatologia característica de deficiência de estrógeno e de corpo amarelo; e são as pesquisas etíológícas de casos otorrinolaringológicos que nos têm levado a outros campos de Medicina.

A princípio, isto é, há cêrca de dez anos, não nos foi fácil encontrar uma seqüência satisfatória na multidão dos fatos observados. Foi-nos, então, preciosa a orientação do endocrinologista Dr. Cyro Camargo Nogueira, assistente de Fisiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o qual se encarregou do doseamento de hormônios na urina em 83 pacientes do sexo feminino e em 29 do sexo masculino. Posteriormente, o estudo das obras norte-americanas mais recentes de Endocrinologia (1940 a 1950) trouxe-nos algumas surprezas. Trabalhos experimentais, numerosos e exaustivos, em ratas, coelhas, macacas e outras fêmeas de laboratório, acumularam sómente contradições; e, na mulher, numa questão corriqueira, como é a discriminação das disfunções do ovário, os métodos experimentais objetivos ainda são suplantados pelo velho empirismo, baseado em sintomatologia, Justifica-se, pois, a feição clínica que demos a êste trabalho, baseando-o principalmente em efeitos terapêuticos realmente conseguidos.

Doseamentos, dispendiosos e demorados, poderão ser dispensados, uma vez que se atendam aos seguintes sintomas, por nós observados por muitos anos:

Na insuficiência de estrógeno: frio exagerado, em desacordo com a temperatura ambiente, nos pés e nas pernas, obrigando ao uso constante de meias de lã ao dormir; secura nos cabelos e na pele do rosto e das mãos, tão imprópriamente tratadas pelas pomadas de beleza; secura, menos freqüentemente, na mucosa do nariz e boca; cabelos com fios de ponta dividida, embaraçando-se demasiado em certos dias e, também em certas épocas, caindo muito; irritabilidade, freqüentemente agressiva (24) ; cólicas fortes no início das regras e perda de sangue pouco maior que a normal; dores de cabeça na região occipital, como nas esfenoidites; eczema, principalmente nos ouvidos; aparência muito feminina, coincidindo freqüentemente com frieza sexual.

Na insuficiência do corpo amarelo: dores fortes nas cadeiras, irradiando-se pelas coxas; nervosismo até ao choro, (nervoso materno); desanimo acentuado; corrimento vaginal não específico cêrca de dez dias após o incômodo, e, concomitantemente, catarro retro-nasal e obstrução do nariz; inflamação serosa das falsas cordas e das verdadeiras cordas vocais, com formação, às vezes, de "nódulos dos cantores". A rouquidão (25), que daí resulta, agravasse quando a paciente procura domina-la forçando os músculos exteriores da laringe, com o que, aliás, apenas consegue estufar o pescoço e dar à voz um timbre como se fôra abafado pela ação de um pedal.

Verificamos, ainda, que as linhas estriadas na pele (víbices) da barriga, coxas e seios, que aparecem com freqüência na gravidez e na síndrome de Cushing, coincidem com outros sinais de insuficiência do lobo anterior, podendo, mesmo, se manifestar em mulheres jovens e virgens. A presença de cistos sebáceos subcutâneos ou intramusculares (lobinhos) está ligada tambem a insuficiência do lobo anterior, sendo, aparentemente, mais freqüentes no sexo masculino.

Em 83 pacientes fizemos doseamento de hormônios (gonadotrofina, foliculina, 17 ketoesterois, corpo amarelo) em urina de 24 horas. Em 78 casos, houve concordância entre os sintomas clínicos de deficiência e os dados de laboratório. Em 3, os dados foram normais e não fizemos administração de hormônios. Em 2, os resultados deram grande aumento dos dois hormônios femininos, mas, indicando carência a sintomatologia clínica, foram administrados os hormônios, com bom resultado.

Um aspecto interessante nessa verificação estatística é a freqüência de rouquidão, observada em 33 das 83 pacientes, sendo 25 cantoras, algumas profissionais. Dentre essas 33, apenas quatro cantoras e duas que não o eram, apresentavam calos vocais; e nestes seis casos de calo vocal havia, em cinco, grande falta de corpo amarelo. Em todas, menos uma, havia desequilíbrio hormonal, predominando alterações, por aumento ou diminuição, nas gonadotrofina e estrógenos.

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