Versão Inglês

Ano:  1994  Vol. 60   Ed. 4  - Outubro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 271 a 274

 

Laringectomias Horizontais Supraglóticas

Horizontal Supraglottic Laryngectomy

Autor(es): Roberto Paulo de Andrade*,
Mauro Kasuo lkeda**,
Marcos Benicio Pena Batista***,
Carlos Roberto Santos****

Palavras-chave: Neoplasias Laríngeas, laringectomia, análise de dados

Keywords: Laryngeal neoplasms, laryngectomy, data analysis

Resumo:
Foram estudados 22 pacientes tratados por laringetomia horizontal supraglótica no período de 1978 a 1988. Doze pacientes apresentavam lesões na base da língua e/ou na valécula e dez pacientes apresentavam lesões na porção supraglótica da laringe. A sobreviria livre de doença em 5 anos foi de 71,4% para os casos sem linfonodos comprometidos contra 22,2% para os casos com comprometimento linfonodal ao esvaziamento cervical. Considerando-se o local da lesão primária, a sobreviria em 5 anos foi de 83,0% para os casos de laringe e de 16,6% para os de orofaringe (base da língua e valécula). A sobreviria livre de doença em 5 anos foi de 48,8% e a sobreviria global de 54,8%.

Abstract:
An analysis of 22 patients with sguamous cell carciomas of the supraglotic larynx treated between 1978 and 1988 with Supraglotic Partial Laryngectomy is presented. Twelve pacients had base tongue or valecula tumors and ten patients had Supraglottic tumors. The small number of patients in our series precludes statistically significant analysis of our results, never the less certain co n clusions regarding the treatment are apparent. In our series 48, 0% had stage IV, indicating that our results were not based by selecting only patients with favorable lesions. The five-year disease free survival was 71,4% in patients with lymph node metastasis against 22,8% in patients with out lymph node metastasis. Considering the prymary site, the five-year disease free survival was betterfor laryngeal tumors (83, 0%), then to base of tongue and valécula tumors (16,6%). The five-year disease free survival was 48,8% and the global five-year survival was 54,8%.

INTRODUÇÃO

O tratamento do câncer da porção supraglótica da laringe pode ser radioterápico, cirúrgico ou combinado. A escolha do método depende de diversos fatores, tais como: tamanho da lesão, função pulmonar, idade do paciente, suporte técnico pós-operatório, domicílio do paciente etc. A escolha da laringectomia horizontal supraglótica (LHSGI com melhor procedimento leva em conta esses fatores se comprometer a radicalidade, além de permitir a preservação da voz.

A técnica foi popularizada por Alonso 1 no Uruguai e 1947. Nessa técnica, era confeccionado um faringostoma Posteriormente, a mesma foi aperfeiçoada por Som e Ogura 2,3, que realizavam o fechamento primário do faringostoma

As base para a LHSG residem no fato de que a porção supraglótica apresenta uma origem embriológica diferente da do restante da laringe (quarto arco branquial), formando um compartimento com vascularização, enervação drenagem linfática próprias. Este fato possibilita que câncer supraglótico possa ser extirpado por meio da LHS deixando margens milimétricas e ainda assim adequada Som " demonstrou que as recidivas após LHSG ocorrem preferencialmente na base da língua e não na margem inferior. A LHSG é especialmente indicada para lesões que acometem as pregas vestibulares ou a epiglote. Em casos selecionados, pode ser indicada para lesões que acometem a prega ari-epiglótica e as paredes anterior e medial do seio piriforme; também pode ser indicada para lesões que acometem a base da língua e/ou a valécula. São contra - indicações formais: o comprometimento da cartilagem tireóides, a extensão glótica, o envolvimento das cartilagens aritenóideas, o comprometimento do fundo do seio piriforme e o comprometimento maciço da base da língua.

O propósito deste trabalho é analisar nossos resultados com o emprego da LHSG comparando-os com os da literatura existente.


Figura 1 - Resultado da sobrevida livre de doença pelo método de Kaplan-Meier segundo o comprometimento linfonodal.



Figura 2 - Resultado da sobrevida livre de doença pelo método de Kaplan-Meier segundo a localização da lesão primária.



Figura 3 - Resultado da sobrevida global pelo método de Kaplan-Meier segundo o comprometimento linfonodal.



MATERIAL E MÉTODOS

Foram estudados 22 pacientes submetidos à laringectomia horizontal supraglótica no período de 1978 a 1988, tratados no Hospital A. C. de Camargo da Fundação Antônio Prudente. Os pacientes apresentavam carcinoma espinocelular da base da língua e/ou da valécula em doze casos, e da laringe supraglótica em dez casos. A média de idade foi de 55,95 anos. O paciente mais jovem apresentava 42 anos e o mais idoso 69 anos. Todos os pacientes eram do sexo masculino. Dezoito pacientes eram brancos e quatro não - brancos.

Empregamos o estadiamento proposto pela União Internacional de Combate ao Câncer (UICC) - 1986 ", sendo a maioria dos casos (dezesseis casos - 72,7%) classificada como T2. Em relação ao linfonodo cervical (N), dez casos eram NO (45,5%), seis casos N1 (27,3%) e seis casos N2 (27,3%).

A maioria dos casos (nove casos - 40,9%) pertencia ao estádio clínico IV oito casos eram estádios I e II, e cinco casos eram estádio III.

Dezessete casos foram submetidos a esvaziamentos cervicais. Destes, nove casos (40,9%) foram de esvaziamentos cervicais radicais unilaterais. Seis casos sofreram esvaziamento cervical radical bilateral (27,3%). Um caso foi submetido a esvaziamento cervical radical com esvaziamento supra-omo-hióideo contralateral e um caso a esvaziamento supra-omo-hióideo bilateral. Cinco caso (22,7%) não sofreram qualquer tipo de esvaziamento. Dentre os casos submetidos a esvaziamentos (dezessete casos), apenas três casos não apresentavam linfonodos comprometidos na peça. Os demais apresentavam entre um a dez linfonodos, sendo que a maioria (dez casos), apenas um ou dois linfonodos comprometidos.

Quatro pacientes apresentaram um segundo tumor primário (18,2%). Um foi sincrônico e três metracrânicos. Três casos foram de cavidade oral e um de orofaringe. O tempo de aparecimento da segunda neoplasia nos tumores metacrônicos foi de 01,07 e 09 anos após a detecção da lesão primária.

Utilizamos o método de análise de sobrevida pela técnica de Kaplan & Meier 17. As comparações entre as distribuições de sobrevida para as categorias de uma mesma variável foram feitas por meio do teste de Mantel-Cox 10,6.

RESULTADOS

Cinco casos apresentaram recidivas, uma local e quatro cervicais. Dentre os casos que apresentaram recidiva cervical, três ocorreram no primeiro ano; destes, dois foram a óbito dentro do primeiro ano e outro foi perdido durante o seguimento ambulatorial. No último caso, a recidiva cervical ocorreu seis anos após a cirurgia, entretanto não é possível afirmar que realmente se tratou de uma recidiva na laringe, já que o mesmo paciente apresentava também um tumor sincrônico no assoalho bucal. Além do mais, a recidiva não foi suficientemente investigada, podendo se tratar de uma metástase de um terceiro tumor primário, considerando-se o longo intervalo de tempo.

As cirurgias de resgate após a recidiva foram realizadas em dois casos. A primeira no caso que apresentou recidiva local e consistiu na totalização da laringectomia associada ao esvaziamento cervical. O paciente evoluiu inicialmente com fístula e posteriormente com estenose faríngea, tendo sido submetido a diversas cirurgias reparadoras no decorrer dos oito anos seguintes de acompanhamento, vindo a falecer assintomático da neoplasia. A segunda cirurgia de resgate foi realizada em um caso com recidiva cervical contralateral, tendo sido submetido a um esvaziamento cervical radical: o paciente evoluiu assintomático por mais dois anos, quando então foi perdido durante o seguimento ambulatorial.

O tempo médio para decanulização foi de 92,13 dias. Dois pacientes não puderam ser decanulizados, sendo levados à totalização da laringectomia. Em três pacientes não foi possível obter informação, devido à perda do seguimento com menos de um ano.

O tempo médio de internação foi de 17 dias, sendo o menor tempo de 06 dias e o maior de 41 dias.

Oito pacientes apresentaram complicações pós operatórias (36,4%). As complicações foram fístula faringocutânea (três casos), broncopneumonia (dois casos), deiscência parcial dos retalhos (um caso) e necrose parcial da hemilíngua (um caso). Um paciente foi a óbito em função do tratamento (hemorragia digestiva alta, seguida de insuficiência renal).

A radioterapia pós-operatória foi usada em onze pacientes; seu emprego justificou-se pela presença de linfonodos comprometidos ao esvaziamento em oito pacientes, sendo que nos três pacientes restantes não foi possível identificar no prontuário a justificativa da indicação do tratamento radioterápico.

O cálculo da sobrevida livre de doença mostrou uma sobrevida de 71,4% em 3 anos para os casos com ausência de linfonodos ao esvaziamento cervical e de 66,6% para os casos com um ou mais linfonodos. Em 5 anos foi de 71,4% e de 22,2% respectivamente (Figura 1), embora esse dado não tenha se mostrado estatisticamente significante (p=0,56825). A sobrevida global foi de 71,4% em 5 anos para os casos com ausência de linfonodos e de 38,8% para os com um ou mais linfonodos comprometidos (p=0,97581) - Figura 3.

Considerando-se o local da lesão primária, observou-se uma sobrevida livre de doença de 83,3% em 3 anos para os casos de laringe e de 50,0% para os casos de base de língua. Em 5 anos a sobrevida foi de 83,0% para os casos de laringe e de 16,6% para os casos de base de língua (p=0,04132). - Figura 2. A sobrevida global foi de 83,3% em 5 anos para os casos de laringe e de 33,3% para os casos de base de língua (p=0,14291) - Figura 4.
A sobrevida livre de doença em 5 anos foi de 48,8% e a sobrevida global de 54,8% (Figuras 5 e 6).



Figura 4 - Resultado da sobrevida global pelo método de Kaplan-Meier segundo a localização da lesão primária.



Figura 5 - Resultado da sobrevída pelo método de Kaplan-Meier.



Figura 6 - Resultado da sobrevida livre de doença pelo método de Kaplan-Meier.


DISCUSSÃO

Durante várias décadas, a experiência de diversas instituições demonstraram, sem sombra de dúvida,a segurança da técnica e suas vantagens sobre a laringeetomia total. O sucesso da LHSG está relacionado basicamente às condições clínicas do paciente, tais como a idade e a capacidade pulmonar, sendo portanto imprescindível a seleção prévia dos pacientes candidatos a este procedimento.

De modo geral, todo paciente submetido a LHSG apresenta aspiração pulmonar, que pode ser de diversas magnitudes. Geralmente é mais intensa no pós-operatório imediato, exigindo maiores cuidados e menos intensa tardiamente, porém às vezes é persistente. A broncopneumonia aspirativa é talvez a principal complicação e exige cuidados específicos. Em nosso estudo tivemos a oportunidade de observar dois casos de broncopneumonia aspirativa, tendo ambos evoluído satisfatoriamente.

Nosso material é constituído de doze casos de tumores da base da língua e/ou valécula, o que torna o trabalho um tanto heterogêneo, porém não menos interessante do ponto de vista comparativo.

O número de linfonodos comprometidos ao esvaziamento nos casos de base da língua foi significativamente maior, ou seja, dez casos contra quatro casos de laringe, o que talvez possa em parte explicar o pior prognóstico para os casos de base de língua de valécula. Tal achado é também descrito por Shah e Tollefsen 14 que demonstram uma melhor sobrevida para as lesões endolaríngeas quando comparada e das extralaríngeas, uma vez que nesta última são maiores: a) o percentual de linfonodos positivos; b) o número de metástases ocultas no produto do esvaziamento eletivo, e c) o número de esvaziamentos por metástases subseqüentes.

Ogura e Bocca 2,11 foram os precursores das indicações alargadas para as LHSG no início da década de 70. Segundo Bocca2 essas cirurgias alargadas consistem em três tipos: 1 - extensão lateral e posterior (prega ariepiglótica, cartilagem aritenóidea e parede medial do seio piriforme); II - extensão anterior (base da língua); III - combinação das anteriores e extensão póstero - lateral (base da língua mais uma cartilagem aritenóidea e parede medial adjacente ao seio piriforme).

São poucos os trabalhos na literatura que fazem referências às laringectomias supraglótícas ampliadas. Em nossa casuística, não apresentamos nenhum caso com extensão para a cartilagem aritenóidea por entendermos que tal procedimento aumenta significativamente a morbidade. Entretanto, apresentamos onze casos de extensão do tipo 11 (base da língua), cuja sobrevida livre de doença em 5 anos (16,6%) apresentou resultados muito inferiores aos casos de laringe (83,0%).

De acordo com a literaturas 5,14, a recidiva cervical é sempre superior ao número de recidivas locais e, segundo Bocca 2, 80% das recidivas cervicais ocorrem mais freqüentemente no primeiro ano, não são relacionadas às faltas técnicas e sim decorrentes da ruptura capsular e da disseminação extracapsular.

O emprego de radioterapia pré - operatória no tratamento de lesões supraglótícas foi abandonado13. Alguns são favoráveis ao tratamento radioterápico exclusivo, como o grupo do Canadá (Princess Margaret Hospital de Toronto) 3, que advoga radioterapia com resgate cirúrgico se necessário e apresenta bons resultados, porém sofre críticas como a de DeSanto 7, que compara tal tratamento com o realizado na Mayo Clinic, e afirma ser o tratamento cirúrgico superior ao radioterápico.

O papel da radioterapia pós-operatória nos casos com linfonodos comprometidos indubitavelmente melhora os resultados, como bem demonstrado por Soo 15, e Burstein 4. Nosso material não permite a comparação de resultados deste aspecto devido ao pequeno número de casos. Nossos resultados apontaram uma sobrevida livre de doença em 5 anos de 48,8% e uma sobrevida global de 54,8% e que são compatíveis com os apresentados na literaturas, 5,12.

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* Titular do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital A. C. Camargo
** Titular do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital A. C. Camargo.
*** Estagiário do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital A, C. Camargo.
**** Titular do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital A. C. Camargo.

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital A. C. Camargo da Fundação Antônio Prudente.

Endereço para correspondência: Dr. Roberto Paulo de Andrade, Rua Itapeva, 518 12° andar, cj. 1201-4 - CEP 01332-000 - São Paulo - SP.

Artigo recebido em 20 de outubro de 1993. Artigo aceito em 21 de junho de 1994.

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