Versão Inglês

Ano:  1994  Vol. 60   Ed. 4  - Outubro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 263 a 266

 

Abordagem Cirúrgica do Osteoma Infectado Fronto Etmoidal Extenso por Acesso Fronto Etmoidal Externo.

Surgical Management to treat The Infected Front-Ethmoidal Osteoma by External Front-Ethmoidal Approach.

Autor(es): Edmir Américo Lourenço*,
Clemente Isnard Ribeiro de Almeida*,
Regina Kikue Mizutani***,
Wanderley Vieira da Silva Jr.****

Palavras-chave: Osteopatias infecciosas, cirurgia, seio etmóide, seio frontal

Keywords: Infectious bone diseases, surgery, ethmoid sinus, frontal sinus

Resumo:
O objetivo deste trabalho é revisar e enfatizara importância da fronto - etmoidectomia externa, no tratamento dos osteomas extensos dessa região e a prevenção de complicações cirúrgicas.

Abstract:
The aim of this paper is to review and enforce the importance of the front-ethmoidal approack in the treatment of the extensive osteomas of this region and how to avoid surgery complications.

INTRODUÇÃO

O osteoma das cavidades sinusais se constitui muitas vezes e na maioria dos casos, em meros achados radiológicos, assintomáticos, requerendo somente acompanhamento periódico. Contudo, quando esse tipo de tumor obstrui o óstio de drenagem do seio frontal, dá origem a um quadro sinusal por vezes grave e com freqüentes complicações ósseas, oftalmológicas e/ou intracranianas quando não tratado adequadamente.

O acesso transorbitário ao seio frontal foi utilizado pela primeira vez por Jansen, na Europa em 1902, mais tarde seguido por Ritter (1911), Lynch (USA, 1921) e Howarth (Inglaterra, 1921)'.

MATERIAL E MÉTODO

Os autores descrevem uma paciente de 27 anos de idade, portadora de um extenso e raro osteoma fronto - etmoidal à direita (Figuras 1, 2 e 3).

Com o agravamento do quadro clínico doloroso e toxêmico produzido pela sinusite frontal secundária à obstrução do óstio de drenagem do seio frontal direito pelo osteoma, a referida paciente foi submetida a tratamento cirúrgico por fronto - etmoidectomia externa, via de eleição para lesões extensas dessa região.

O procedimento deve ser realizado com o paciente em DDH, cabeça levemente inclinada para a frente apoiada num coxim, sob anestesia geral entubada. O nariz e ambos os olhos devem ser incluídos no campo operatório. A assepsia deve ser feita com substância não irritativa da conjutiva tipo "Povidine ou Iodine". Não há necessidade de tricotomia do supercílio. É necessária uma tarsorrafia 1 para proteção da córnea, com nylon 6.0 ou seda 5.02 (Figura 4). Utilizamos vasoconstritor tópico em estiletes porta - algodão intranasais que podem ser mantidos até os estágios finais da cirurgia, e infiltração da região a ser incisada com 1 a 2 ml. de lidocaína com adrenalina 1:100.000².

A incisão curvilínea de concavidade inferior deve ser desenhada com azul de metileno e realizada logo abaixo do supercílio (diversa da incisão intrasuperciliar de Killian), descendo eqüidistante entre o canto interno da órbita e o dorso do nariz, ao longo do processo nasal da maxila até um ponto logo abaixo do canto interno. O comprimento ideal da incisão é de 4 a 6 cm. 1 (Figura 4). O tecido subcutâneo contém vários ramos da veia angular, que devem ser identificados e eletrocoagulados.

Incisar verticalmente e elevar lateralmente o periósteo acima da fossa lacrimal com um elevador tipo Freer, evidenciando-se a crista lacrimal. Descolar então as porções anterior e posterior do ligamento cantal medial. Isto feito, o saco lacrimal é liberado da fossa lacrimal e afastado lateralmente. Retrair delicadamente a órbita e expor a lâmina papirácea do etmóide. Elevando-se o periósteo, identificamos a sutura fronto - etmoidal, sobre a qual (ou acima dela, nunca abaixo) se encontramos foramens etmoidal anterior e posterior na maioria dos casos, e acima da qual está a fossa craniana anterior1. A distância entre os dois foramens é de 10-12 mm. ² O foramen etmoidal anterior é geralmente bem maior que o posterior e localiza-se em média a 25 mm. da crista lacrimal anterior2, variando de 9 a 27 mm 1. O nervo óptico dista 4 - 7 mm. do foramen etmoidal posterior, contudo ele forma um ângulo agudo à parede orbitária medial e passa muito próximo à artéria etmoidal posterior (1 a 2 mm.), o que aumenta o risco de lesão com a dissecção, ligadura ou eletrocoagulação dessa artéria 1. O nervo óptico é geralmente protegido por um osso duro da asa maior do esfenóide, entretanto esta área pode ser invadida por pneumatização etmoidal posterior. Esta variação anatômica pode responder por alguns dos casos descritos de cegueira após etmoidectomia' (Figura 5).

Identificada a artéria etmoidal anterior, que penetra a sutura fronto - etmoidal no limite posterior das células etmoidais anteriores, eletrocoagulá - la com bipolar. Para lesões mais extensas ou posteriores, identificar a artéria etmoidal posterior sem ligá-la, devido à proximidade do nervo óptico que pode sofrer tração pelo retrator orbitário. Portanto o limite da elevação periosteal deve ser a artéria etmoidal posterior. Elevar o periósteo do soalho do seio frontal. Em seguida, deve-se abrir e remover a lâmina papirácea para ingressar no labirinto etmoidal, abaixo da linha de sutura fronto-etmoidal, posteriormente até a artéria etmoidal posterior e anteriormente até a fossa lacrimal 1,2. (Figura 6).

Deve-se proceder então à etmoidectomia e no caso descrito, à curetagem cuidadosa do tumor, preservando a mucosa nasal quando possível, e principalmente se houver necessidade de um retalho de base posterior para revestir parcialmente o ducto naso - frontal reconstruído 1. Subir a dissecção óssea para o seio frontal medialmente, abrir o soalho do seio com Citelli, curetar o rebordo orbitário e sua mucosa1. Nesse tempo cirúrgico houve saída de secreção purulenta da cavidade, sob pressão. Removida a porção do osteoma que ocupava o seio frontal Direito com cureta e broca de alta rotação, removemos em seguida volumoso cisto do seio frontal Esquerdo, identificando porque o septo interfrontal encontrava-se amolecido e foi totalmente removido. Broquear para alargar o ducto nasofrontal neoformado 1.

Muitas vezes é também necessário ressecar a porção inferior do corneto médio por via endonasal com tesoura angulada 1. A inserção do corneto médio superiormente indica que a placa crivosa está medial e superior a ela 2,3. Aqui pode-se inspecionar o teto do etmóide, placa cribiforme e seio esfenoidal, cujo ósteo é medial à artéria etmoidal posterior 1. A hemostasia deve ser cuidadosa e minuciosa.

Pode-se então introduzir no ducto nasofrontal um tubo de "Silastic" (de 1 cm de diâmetro) e mantê-lo durante 8 a 10 semanas para removê-lo pelo nariz 1, e nos casos de infecção, um dreno duplo para permitir irrigação antibiótica, ancorado por uma sutura com fio nylon 4-0 no supercílio sobre um botão 1. O melhor é não colocar tampão ocular 2 nem nasal 1 ou fazê-lo com gaze iodoformada 2. Suturar por planos, sendo o primeiro o periósteo, com catgut cromado 40, para ancorar o ligamento cantai medial e com pontos separados na pele (nylon 5-0).

Não tamponar o olho para reconhecimento imediato de qualquer sangramento intraorbitário 1.

No pós-operatório imediato deve-se elevar a cabeça e aplicar compressas de gelo, o que diminui o edema e equimoses 2 A alta hospitalar deve ser breve, exceto quando há tampões nasais e a hospitalização será de 3 a 4 dias, ocasião em que os mesmos são removidos 2.

Os curativos nasais, com remoção de crostas, previnem a formação de sinéquias.

Pode ser feita irrigação nasal diária com "Waterpick" ou similar pulsátil, usando-se solução fisiológica morna, nas primeiras semanas 1,2.

São descritas na literatura diversas complicações e intercorrências 4, contudo não deparamos com nenhuma das enumeradas abaixo:
1) Lesões regionais:
1 a. nervo óptico - por compressão ou estiramento 2.
1 b. aparelho lacrimal - lesão do saco lacrimal pode produzir cicatrizes e estenose, com epífora ou dacriocistite pós-operatória.
1 c. vasos sangüíneos.
1 d. tróclea - por lesão direta ou déficit na reaproximação da tróclea na sutura periosteal, com produção de um "imbalance" do músculo oblíquo superior e diplopia 1.

2) Lesões da córnea:
2 a. abrasões.
2b. queratites por exposição da córnea 2, quando a tarsorrafta não é cuidadosa.

3) Hematoma orbitário - pode ser o resultado de uma ligação ou eletrocoagulação incompleta dos vasos etmoidais ou lesão das veias ciliares por tração do globo e conseqüente sangramento na periórbita 1.

4) Diplopia temporária:
4 a. devida a enoftalmo - quando há remoção de grande quantidade de osso do teto orbitário e toda a lâmina papirácea 2.
4b. por transgressão do periósteo orbitário, com lesão do músculo reto medial, de difícil correção 2.

5) Lesão da placa cribiforme com fístula liquórica. Para prevenir esta complicação, quando necessária, ao remover o corneto médio, deixar um remanescente ósseo no teto.

Obs: A lâmina cribiforme anterior desce no nariz mais baixa que o teto das células etmoidais anteriores, e portanto medialmente à inserção óssea do corneto médio é um território perigoso. O tratamento da fístula transoperatória consiste em elevar um retalho da mucosa nasal, que é mantido pelo tampão por 5 dias 2 .

6) Obstrução do dueto nasofrontal, com mucocele secundária 1.

7) Perda visual - pode ser causada por trombose da artéria retiniana por hematoma retrobulbar ou lesão direta do nervo óptico por disseção ou por eletrocoagulação muito posterior na órbita 1.

8) Fístula liquórica - pode ocorrer se a abertura for muito posterior, acima da sutura fronto-etmoidal, por lesão da dura-máter da fossa craniana anterior 1.

9) Lesão da tróclea - leva à diplopia, por alteração do músculo oblíquo superior.

10) Pseudohipertelorismo - quando há reaproximação inadequada do ligamento cantai medial e cuidado deve ser tomado para aproxímá-lo no mesmo nível ao lado oposto 1.



Figura 1 - Rx na incidência nasofrontoplaca, evidenciando lesão fronto - etmoidal à Direita.




Figura 2 - Tomografia computadorizada em posição axial, evidenciando-se lesão densa no interior do seio frontal à Direita, velamento dessa cavidade e espessamento da mucosa contígua do seio frontal contralateral.



Figura 3 - Tomografia computadorizada em posição coronal, evidenciando-se a lesão no etmóide anterior à direita, anexa à órbita.



Figura 4 - Incisão para realização da fronto - etmoidectomia externa e tarsorrafia.



Figura 5 - Anatomia da parede medial da órbita direita.



Figura 6 - Exposição transorbitária da parede lateral do etmóide à esquerda.



RESULTADOS

O exame anátomo - patológico mostrou tratar-se de um "osteoma com osteomielite do osso frontal". Destacamos a ausência de complicações descritas na literatura, tais como lesão do nervo óptico, lesões corneanas, lesões da tróclea, diplopia, lesão da placa cribiforme e outras, bem como a necessidade do domínio técnico desta importante via de acesso por todos os Otorrinolaringologistas.

DISCUSSÃO

Com o advento da microcirurgia endonasal, tem sido crescente a tendência de serem abandonadas as vias de abordagem externa da pirâmide nasal, contudo há casos de indicação específica desses acessos cirúrgicos por via fronto-etmoidal externa e suas maiores vantagens são:

a) permitir a elevação do periósteo da lâmina papirácea orbitária.

b) permitir a ligadura da artéria etmoidal anterior,

c) assegurar a integridade do conteúdo orbitário2. Esta via de acesso deveria ser do conhecimento de todos os Otorrinolaringologistas, devido à sua ampla utilidade na abordagem do etmóide supraorbitário, etmoidite crônica extensa ou recurrente, mucoceles com extensão orbitária, mucormicose, alguns casos de epistaxes, hipofisectomia transetmoidal, dacriocistorrinostomia por via externa, fístulas liquóricas persistentes, neoplasias da área, descompressões orbitárias ou exenterações, entre outras 2.

CONCLUSÃO

A fronto - etmoidectomia externa unilateral se constitui, na Otorrinolaringologia e Oftalmologia, em via de acesso cirúrgico de grande utilidade para abordagem de lesões fronto - etmoidais extensas e/ou supra ou intra - orbitárias, devendo ser do conhecimento técnico de todos os que militam nestas Especialidades.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1 - LAWSON, W. - Frontol Sinus. In: BLITZER, A.; LAWSON, W.; FRIEDMAN, W. H. - Surgery oftheParanasal Sinuses, 2nd edition. Philadelphia, W. B. Saunders Co mpany, 1991. Pág. 183 - 218.
2 - NEAL, G. D. - External Ethmoidectomy. Otolaryngology Glinics of North America. Philadelphia, W. B. Saunders Company, Volume 18. Pág. 55 - 60, Feb. 1985.
3 - MATTOX, D. E.; DELANEY, R. G. - Anatomy of the Ethmoid Sinus. Otolaryngologic Glinics of North America. Philadelphia, W. B. Saunders Company. Volume 18. Pág. 3 - 14, Feb. 1985.
4 - Complications of acute and chronic sinus discase - A self-instructionàl package from the American Academy of Otolaryngology - Head and Neck Surgery - 1982.




* Professor Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí - SP.
** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiai - SP.
*** Auxiliar de Ensino Voluntário da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiai - SP.
**** Médico Residente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiai - SP.

Instituição: Faculdade de Medicina de Jundiai - SP. Serviço de Otorrinolaringologia.
Rua Francisco Telles, 250 - V. Arens - Jundiai - SP

Endereço do Autor: Rua do Retiro, 424 - 5° andar - conj. 53154 - Bairro Anhangabaú - Jundiai - SP - Brasil - CEP: 13209-000.

Trabalho apresentado como temo livre do XXXI Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia realizado em São Paulo - SP, no período de 15 a 20 de agosto de 1992.

Artigo recebido em 6 de dezembro de 1993. Artigo aceito 26 de maio de 1994.

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