Ano: 1994 Vol. 60 Ed. 3 - Julho - Setembro - (15º)
Seção: Relato de Casos
Páginas: 243 a 244
Distúrbio da Deglutição em Recém-Nascido com Fissura Palatina Submucosa.
Swallowing Disorder in a Newborn with Submucous Cleft Palate.
Autor(es):
Ivan D. Miziara*,
Gilberto G. S. Formigoni**,
Angélica K. Akamine*'*.
Palavras-chave: Deglutição, fissura palatina.
Keywords: Swallowing, cleft palate
Resumo:
Apresentamos o caso de um recém-nascido com pneumonia aspiratïvas de repetição, que ao exame otorrinolaringológico apresentava fissura palatina submucosa. 0 diagnóstico foi confirmado por fribroscopia e a paciente encaminhada à fonoterapia. Relatamos ocaso para alertar os otorrinolaringologistas e pediatras da necessidade de investigação da fissura palatina em pacientes com broncopneumonias aspiratïvas de repetição.
Abstract:
In this paper, we describe a case of a new born thatpresenied to our department with recurrent pneumonia dueto aspiration. Direct exammation of the palate and nasofíbroscopy showed the presente of submucous cleftpalate. With this diagnosis the patient was treated with fonotherapy. We present this case to alert otorylaryngologists and pediatricians to investigate submucous cleftpalate in patients with recurrent pneumonia.
INTRODUÇÃO
A incidência de fissuras labiopalatinas na população brasileira é desconhecida. Estima-se que, em países ocidentais, seja em torno de 1:800 recém-nascidos.
Durante o desenvolvimento do palato primário, entre a 1 ° e 4° semana de gestação, e do palato secundário até a 7°semana, fatores genéticos (em cerca de 30 a 40% dos casos) e/ou ambientais serão responsáveis pelo aparecimento das fissuras labiopalatinas.
O paciente fissurado, além da deformidade facial em diversos graus, apresenta alterações funcionais relativas à fonação, respiração e deglutição.
A seguir apresentaremos um caso clínico de fissura palatina submucosa oculta em recém-nascido, cuja manifestação foi o distúrbio na deglutição, com broncopneumonias aspirativas de repetição.
CASO CLINICO:
J. G. C., 1 m 20 dias de vida, fem, SP.
Paciente nascida de parto cesariano, com 2550g., teve anoxia neonatal, segundo informações da mãe. No berçário evoluiu com anemia e pneumonia aspirativa. Na época, com hipótese de fístula traqueoesofágica, foi submetida à endoscopia digestiva alta, que foi inconclusiva. Recebendo alta com dieta por sonda nasogástrica e por via oral, aos 29 dias de vida.
Após 1 semana de alta, apresentou desconforto respiratório durante mamada, sendo internada com diagnóstico de broncopneumonia aspirativa. Tratada com penicilina e amicacina por 10 dias.
Dois dias após a alta, procurou o Instituto da Criança (HC), sendo constatada broncopneumonia aspirativa, desnutrição grave e distúrbio da deglutição.
Broncoscopia - não foram visualizadas fístulas ou quaisquer alterações.
Deglutograma - aspiração do meio de contraste para vias aéreas superiores; esôfago, estômago e duodeno normais (Fig. 1).
Avaliada no departamento de otorrinolaringologia aos 2 meses de idade, a criança apresentava-se desnutrida, com desconforto respiratório importante quando deitada, porém sem cianose. Foi constatada à orofaringoscopia fissura palatina submucosa e hipoplasia de úvula.
Realizada fibroscopia, mostrando a fissura palatina com fechamento da mucosa, aparentemente sem aproximação dos planos musculares.
Feito então o diagnóstico de fissura palatina submucosa, foi encaminhada à fonoterapia.
DISCUSSÃO
O mecanismo da deglutição é dividido em: fase oral preparatória, oral, faríngica e esofágica.
A fase preparatória engloba a mastigação e a formação do bolo alimentar. Na fase oral, que dura 1 segundo, o bolo alimentar é conduzido da cavidade oral anterior à orofaringe. Nesta fase, a língua entra em contato com o palato duro, transportando o bolo até a parte superior do osso hióide, iniciando-se então a fase faríngica. Esta dura também cerca de 1 segundo, e consiste numa seqüência de movimentos coordenados, que resultam na elevação do palato mole em direção à nasofaringe, impedindo o refluxo. Ao mesmo tempo em que a língua entra em contato com a faringe, o bolo alimentar é direcionado para baixo. Logo em seguida, há elevação da laringe, as cordas vocais se aproximam, e a epiglote se horizontaliza, fechando a via aérea. Além disto, existem movimentos peristálticos dos constritores da faringe, que, apesar de não ser muito importante, contribui também para o transporte do bolo alimentar.
A elevação da laringe e o relaxamento do músculo cricofaríngeo abrem o esfíncter superior do esôfago, permitindo a passagem do bolo para o esôfago.
Na fase seguinte, esofágica, que dura cerca de 8 a 20 segundos, o bolo é impulsionado em direção ao estômago através de movimentos peristálticos, do esfíncter superior do esôfago ao inferior.
Nesta fase, a laringe retorna a sua posição normal e o tônus muscular do esfíncter aumenta, impedindo a regurgitação.
Uma vez que o mecanismo da deglutição envolve um controle neuromuscular complexo, em que cada elemento, da cavidade oral ao esôfago, tem participação, é de se esperar que tanto alterações anatômicas quanto funcionais possam interferir no mesmo, resultando em manifestações clínicas indesejáveis.
Sabe-se que um recém-nascido prematuro apresenta sucção e deglutição deficientes, freqüentemente com contrações não peristálticas simultâneas do esôfago. Por outro lado, um recém nascido de termo já apresenta sucção e deglutição, embora imaturos, relativamente coordenados. A deglutição imatura é considerada normal até 4 anos de idade.
No caso clínico relatado, a paciente apresentou inicialmente quadros de broncopneumonias aspirativas, logo ao nascimento. Na avaliação do deglutograma constatou-se refluxo nasal e para árvore brônquica (Fig. 2).
Regurgitação e refluxo nasal estão associados a distúrbios da fase orofaríngica da deglutição, como aqueles encontrados em pacientes com fissura oroantral e fissura palatina. Além destes, pacientes com distúrbios neuromusculares afetando a elevação do palato mole podem manifestar tais sintomas.
Avaliação pela otorrinolaringologia constatou-se fissura palatina submucosa. Foram feitas investigações genéticas, neurológicas e endoscópica, não se encontrando alterações que justificassem o
distúrbio de deglutição. Cabe ressaltar a importância de uma avaliação otorrinolaringológica minuciosa em pacientes com esta manifestação, uma vez que, para o diagnóstico, demorou - se 2 meses, intervalo no qual a paciente evoluiu com desnutrição grave e broncopneumonias aspirativas de repetição.
O diagnóstico da fissura labiopalatina em geral é simples, uma vez que basta a inspeção; porém, nos casos de fissuras; palatinas submucosas, nem sempre encontramos alterações visíveis, mas sim com a palpação do palato.
Devemos interrogar sobre antecedentes familiares de fissurados que ocorrem entre 30 e 40%, e intercorrências durante a gestação, como o uso de medicações, infecções, alterações endócrinas e stress. Lilius et al fizeram um estudo onde se relacionou o baixo peso ao nascer com fissura labiopalatina.
A maioria dos estudos descritos na literatura ressaltam o aspecto fonatório nos pacientes fissurados, inclusive para a programação cirúrgica. Na experiência de Haapanen et al, os melhores resultados na fala foram obtidos em crianças operadas entre 12 e 18 meses de idade, com cerca de 73% desces com fala normal ou praticamente normal. Porém, a idade certa para a correção é discutível.
Figura 1 - Deglutograma mostrando contraste em vias aéreas superiores
Figura 2 - Deglutograma contrastando vias aéreas superiores e árvore brônquica.
CONCLUSÃO
O caso apresentado por nós mostra a importância do exame minucioso da orofaringe em todos os pacientes recém-nascidos com broncopneumonias aspirativas de repetição.
As fissuras palatinas submucosas, nem sempre visíveis, hoje são facilmente diagnosticadas através do exame fibroscópico, impondo-se este procedimento diagnóstico auxiliar.
Além disto, é preciso ressaltar a necessidade de um aprofundamento maior na discussão entre otorrinolaringologistas, fonoaudiólogos e pediatras, no que tange aos procedimentos terapêuticos relacionados aos distúrbios da deglutição.
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* Médico Assistente Doutor da Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP.
** Médico Assistente da Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
*** Residente de 2° ano da Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Trabalho realizado na Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, LIM 32.
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Artigo recebido em 09 de maio de 1994. Artigo aceito em 21 de maio de 1994.