Versão Inglês

Ano:  1994  Vol. 60   Ed. 3  - Julho - Setembro - (12º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 233 a 235

 

Afasia Motora, Paralisia Facial e Hemiplegia Direita após Abscesso Dentário á Esquerda.

Aphasia Motora, Facial Paralysis and Right Hemiplegy After Left Dental Abscess.

Autor(es): Jair Cortez Montovani*,
Victor Nakajima**,
Seizo Yoshinaga***,
Sergio L. S. Yoshinaga****,
Cláudio Rabello Coelho*****

Palavras-chave: Paralisia facial, afasia, abscesso dental

Keywords: Facial paralysis, aphasia, dental abscess

Resumo:
Os autores relatam um caso de criança de seis anos com abscesso dental esquerdo associado a quadro clínico de cerebrite fronto parietal, manifestando-se clinicamente com paralisia facial direita, hemiplegia direita e afasia motora. Discutem os aspectos clínicos quanto à evolução, tratamento e avaliação radiológica portomografia computadorizada. A paciente respondeu ao tratamento com antibioticoterapia apenas após a drenagem do abscesso dental.

Abstract:
The authors reporta case of a 6 year old child who presented with dental abscess associated with a parietal and frontal cerebrite, right facial paralysis and motor aphasia. The clinical fsndings, radiological examination including computerixed tomography and type of treatment are presented. At beginaing, the patient did not respond to antimicrobial therapy and only after drainage of her dental abscess revealed good clinical evolution.

INTRODUÇÃO

Trabalhos recentes mostraram a associação de abscesso intracraniano com infecções do ouvido médio, seios paranasais e cavidade oral, sendo que estas infecções são responsáveis por dois terços dos abscessos cerebrais 1-9. A etiologia destas complicações cerebrais, principalmente em crianças, ainda é pouco compreendida. Sinusite crônica e infecções da cavidade oral estão associadas com uma flora mista e, comumente, com bactérias anaeróbias responsáveis pela maioria das complicações intracranianas 5-11. O uso da tomografia computadorizada e ressonância magnética na prática médica permite um diagnóstico precoce e apurado destas complicações, o que, junto com nova linhagem de antibióticos associada ao uso prolongado dos mesmos, diminuiu em muito a morbidade e mortalidade destas complicações 5-6

O propósito deste trabalho é apresentar os aspectos clínicos, tratamento e resultados de uma criança de 6 anos de idade com um quadro de evolução atípica de infecção dentária esquerda, abscesso intracraniano fronto - parietal, afasia motora, hemiplegia e paralisia facial direita.

RELATO DE CASO

TAPC, 6 anos de idade, sexo feminino, procedência: Fartura - SP. História de 16 dias, com dor na arcada dentária inferior esquerda, irradiando-se para o ouvido, e inchaço na região mandibular esquerda. No quarto dia, febre alta, sendo encaminhada pelo odontologista ao clínico geral. Prescritas amoxiciclina via oral, cefalexina 6/6 horas e gentamicina de 12/12 horas, sucessivamente, sem melhora dos sintomas. No oitavo dia de tratamento, passou a eliminar secreção amarelo - esverdeada pela boca, formigamento de dedos da mão direita, irritabilidade, sono agitado, progredindo para paralisia da face e membros do lado direito e alteração da fala. Com este quadro, foi internada neste hospital, sendo medicada com ceftaxine mais amicacina. Ao exame clínico apresentava edema importante de partes moles da região cérvico - facial esquerda, abscesso dentário de segundo molar inferior esquerdo, estendendo-se ao espaço parafaríngeo do mesmo lado (Figura 1), irritabilidade, alteração da consciência, hemiplegia e paralisia facial central (metade inferior da face) do lado direito. Quando da realização da tomografia computadorizada, esta mostrava área de processo inflamatório difuso de lobo fronto -parietal, sendo diagnosticada radiologicamente como cerebrite (Figura 2).

A terapia antimicrobiana mostrou-se ineficaz, mas, após a extração dentária e drenagem do abscesso, no quarto dia de internação, houve, em 48 horas, uma notável regressão dos sintomas, febre, hemiplegia e nível de consciência.

Na terceira semana de internação, desapareceram os sintomas de dor, edema cérvico - facial, irritabilidade e alteração da consciência, persistindo dispraxia oral, hemiparesia e paresia facial direita. Após a 8' semana de início dos sintomas, quando foi descrito este caso, estes sinais clínicos estavam presentes.

DISCUSSÃO

Inúmeros trabalhos mostram a associação de infecções dos seios paranasais, ouvido e cavidade oral e complicações intracranianas 2-12. Esta associação deve-se à drenagem venosa ou linfática destas estruturas para o seio cavernoso. Outra possibilidade seria a relação íntima entre células etmoidais posteriores, nervo óptico e fossa cerebral anterior 13, 14. Mesmo a parede posterior do seio frontal, que é normalmente metade da espessura da parede anterior, pode ser corroída por mucocele, infecção, neoplasma, fratura por trauma, levando a uma complicação intracraniana de lobo frontal por continuidade ou contigüidade6. No caso ora apresentado, a provável via de complicação íntracraniana foi por contigüidade, devido à formação de abscesso na fossa infratemporal (Figura 2) e, provavelmente, alcançando o lobo frontal através das bainhas vasculares ou nervosas. Estas infecções intraparenquimatosas cerebrais podem iniciar-se comum quadro clínico de cerebrite, sinais clínicos mascarados, às vezes assintomáticos, com duração de uma ou duas semanas, resolvendo-se com tratamento clínico, ou então evoluir com necrose, liquefação e formação de cápsula, formando um abscesso cerebral 1-3,6,7. É evidente que a conduta terapêutica depende, em última análise, do quadro clínico, do tempo de evolução do processo, da localização da infecção inicial e da possibilidade real de uso de meios avançados de radiodiagnóstico 15,16 . Estes parâmetros adotados por nós foram exaustivamente discutidos na literatura, embora as conclusões, às vezes, não tenham sido claras diante de quadros de evolução atípica de abscesso dental e complicação intracraniana. A paralisia facial central, da metade inferior da face, associada à hemiplegia e à afasia, possibilitaram a conclusão, em um primeiro momento, de processo difuso de grande extensão, com diagnóstico primário de cerebrite, o que mais tarde foi confirmado pela tomografia computadorizada 1,3,7,11,15. Apesar destas observações, não é usual a evolução de um processo desta extensão e com tais associações (paralisia facial, hemiplegia e afasia), mesmo quando nos reportamos a dados da literatura, mostrando, isto sim, que é incomum a associação dos sintomas, afasia, hemiplegia e paralisia facial 1,3,7,11,15.

Sob o ponto de vista terapêutico, estes mesmos trabalhos recomendam altas doses, e por tempo prolongado, de antibioticoterapia associada à drenagem da infecção inicial, no caso, o abscesso dentário, o que foi seguido por nós. É necessário comentar que somente após a drenagem do abscesso dentário houve uma rápida regressão dos sintomas, principalmente em relação à febre, hemiplegia e afasia. Mesmo assim, persistia, quando este trabalho foi descrito, hemiparesia de membro superior direito e dispraxia oral.

Estes dados reforçam a opinião de que, embora a doença primária seja de competência do odontologista, freqüentemente o médico, em particular o pediatra e o otorrinolaringologista, tem sua participação solicitada devido à intensidade e o tipo de complicações. A escolha de agentes antimicrobianos deve sete criteriosa, sendo de particular importância a necessidade do tratamento primário da infecção inicial, cabendo ao médico manter antibioticoterapia prolongada, no mínimo durante sei semanas, associada ao controle da evolução das complicações intracranianas, através da tomografia computadorizada evitando-se a recidiva dos sintomas pela interrupção precoce do tratamento 3,6,9,15,16



Figura 1 - Tomografia computadorizada. Corte sagital mostra massa homogênea, bem delimitada, no espaço parafaríngeo esquerdo (seta).



Figura 2 - Tomografia computadorizada. Cortex cerebral frontoparietal (janela) mostrando processo inflamatório extenso, pouco delimitado, sem formação capsular (flecha).



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* Prof. Doutor do Departamento de Otorrinolaringologia.

** Prof. Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia.
*** Aux. Ensino Departamento de Radiologia.

**** Residente 2° ano do Departamento de Otorrinolaringologia.

***** Prof. Doutor do Departamento de Pediatria.

Endereço para Correspondência: Prof. Dr. Jair Cortez Montovani - Faculdade de Medicina de Botucatu Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - 18618-000.

Artigo recebido em 8 de outubro de 1993. Artigo aceito em 24 de fevereiro de 1994.

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