Ano: 1994 Vol. 60 Ed. 2 - Abril - Junho - (6º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 113 a 116
Reabilitação Vestibular - Nossa Experiência
Vestibular Rehabilitation - Our Experience
Autor(es):
Laís de Almeida Guedes Amá**,
Maria Cecília do Amaral
Gurgel Carneiro de Oliveira**.
Palavras-chave: Vertigem, reabilitação
Keywords: Vertigo, rehabilitation
Resumo:
A Reabilitação Vestibular(R V) é uma opção de tratamento para pacientes portadores de distúrbios vestibulares. Esse método, baseado em exercícios, favorece de maneira efetiva a compensação do sistema nervoso central (SNC1. Assim, as melhoras subjetivas a que os pacientes se referem após o tratamento de RV são devidas d ação compensatória do SNC e não necessariamente à recuperação da patologia periférica envolvida ou determinante.
Basicamente, a RV inclui quatro pontos:
1 - exercícios de relaxamento global;
2 - exercícios oculares de lateralização e de perseguição de objetos em movimento;
3 - exercícios de estimulação do sistema proprioceptivo através de técnicas de relaxamento e de consciência do esquema corporal;
4 - estimulação do sistema vestibular por meio de exercícios de rotação, flexão e lateralização da cabeça, bem como movimentação corporal.
Os autores fazem revisão da literatura, apresentam sua experiência e vantagens com este tratamento, descrevem detalhadamente sua técnica e os seus resultados que, apesar da baixa casuística, se revelaram encorajadores.
Abstract:
Vestibular rehabilitation is an option for the treatment of vestibular disorder patients. A rehabilitation method based on exercises has proved an effective way of making CNS stabilization easier for vestibular disorder patients.
The subjective improvements shown by patients treated by this method are a result of the CNS action, not always the recovery of the peripheral pathology involved.
Basically, the vestibular rehabilitation includes: 1. global relaxation exercises;
2. visual exercises of lateralization and pursuit of moving objetos;
3. exercises of stimulation of conscience of body scheme;
4. stimulation of the vestibular system through head moviments such as lateralization, rotation and flection as though body moviments.
The authors present a review of the literature, their experience and the advantages of this treatment, demonstrating the details of this technique and encouraging results in spite of the low casuistry.
INTRODUÇÃO
A Reabilitação Vestibular (RV) é uma opção de tratamento de labirintopatias que envolve estimulações visuais proprioceptivas e vestibulares, com o intuito de manter equilíbrio corporal dos pacientes com sintomas vertiginosos .
O objetivo da RV é recuperar a função global do sistema c equilíbrio independente da etiologia. Isto porque compensação é esperada como resultado de uma ação do sistema nervoso central e não da solução da patologia periférica envolvida³. Estudos experimentais têm mostrado que a base neural para compensação é distribuída por todo o SNC, em vez de se limitar a uma determinada área. Por isso, lesões no cérebro, cerebelo, cadeia espinal, tronco cerebral e sistemas sensoriais podem dificultar ou impedir a capacidade de compensação do SNC³.
Não se sabe ainda por que alguns pacientes com patologias vestibulares parecem apresentar uma compensação mais rápida, mais completa ou mais apropriada do que outros. Problemas na compensação podem ocorrer por vários motivos, entre eles o de que a natureza ou a gravidade do problema podem ser muito grandes para a compensação do SNC, os próprios processos de compensação podem ser insuficientes ou ainda muitas alterações conjuntas podem exceder a capacidade de compensação do SNC³.
Um método de reabilitação baseado em exercícios parece ser uma forma efetiva de ajudar a compensação do SNC em pacientes com patologia vestibular³.
O trabalho de RV teve seu início na década de 40, quando Cawthorne e Cooksey (in²) introduziram o conceito de exercícios para a reabilitação de pacientes com patologias vestibulares. Em 1962, Boussens (in²) desenvolveu um trabalho sobre as vantagens da prática dos exercícios para certos casos de disfunção vestibular. Em 1970, Mc Cabe (in²) enfatizou o valor desses exercícios em patologias vestibulares e descreveu as bases fisiológicas para essa metodologia.
Durante muito tempo, a RV foi adereçada (sic) apenas a problemas de origem periférica. Entretanto, C. Briand e cols., em 1974 4, referiram indicar os exercícios labirínticos também para distúrbios vestibulares centrais ou mistos. Mais tarde, alargaram ainda as suas indicações para problemas neurológicos com ou sem participação vestibular.
De acordo com Kleim e col. (in²), em recente estudo apresentado, os casos de neurinoma do acústico, tumor intracraniano e vertigem induzida pela enxaqueca não são qualificados para a RV.
Sabe-se que pacientes com patologia vestibular unilateral apresentam vertigem como resultado de recepção assimétrica dos labirintos direito e esquerdo para as estruturas vestibulares centrais. O processo de compensação do SNC para isso envolve uma inibição cerebelar inicial do núcleo vestibular intacto, que é suspensa quando ocorre a regeneração da nova atividade intrínseca do núcleo vestibular afetado. Um aumento da ação dos canais visuais e sensório - motores, bem como um aumento do nível de atividade no indivíduo, que provoque o desequilíbrio, facilitam o processo compensatório e promovem o restabelecimento da simetria³. Isto pode acontecer através dos exercícios da RV.
É relevante dizer que muitos remédios usados no tratamento de vertigem apenas inibem a excitação vestibular, servindo como sedativos labirínticos, e inibição não é exatamente
o mecanismo mais apropriado para acura desse tipo de patologia 1. Entretanto, sabemos que o uso de medicamentos é muitas vezes indispensável para o tratamento inicial dos pacientes que relatam distúrbios neurovegetativos intensos. Mas o uso prolongado desses medicamentos pode neutralizar os mecanismos naturais de compensação, como tem sido mostrado em estudos recentes.1
Pacientes com distúrbios de equilíbrio são muitas vezes tão seriamente acometidos por estes sintomas que não conseguem executar suas tarefas normais da vida diária. Apesar de diferentes medicamentos e/ou cirurgias otológicas, esses pacientes são sempre um enigma para o seu médico ². Devemos lembrar que esses problemas podem ocorrer em pacientes jovens ou idosos e, com o risco iminente de queda, o paciente idoso pode não apenas comprometer a sua qualidade de vida, como também (com os problemas secundários de um pós - queda) diminuir a sua expectativa de vida ².
O propósito deste trabalho é demonstrar como essa técnica pode ser utilizada na reabilitação de pacientes que apresentem vertigem e mostrar a experiência dos autores.
CASUÍSTICA
A casuística deste trabalho consistiu em dez pacientes da clínica, sendo oito mulheres e dois homens, entre 42 e 83 anos de idade. Desses, oito pacientes relatavam tonturas havia mais de 10 meses e dois havia um mês (mas apresentavam histórico de tonturas anteriores). Todos os pacientes tinham sido ou estavam sendo tratados, sem resultados satisfatórios, com medicamentos específicos para problemas vestibulares.
Os encaminhamentos para a RV foram feitos pelos médicos responsáveis, após uma avaliação clínica. Apesar disso, nem sempre foi possível conhecer o diagnóstico preciso desses pacientes. Entretanto, isto não foi relevante, uma vez que as patologias inadequadas para este trabalho foram afastadas, tais como:
- Neurinoma do acústico (pré - operatório)
- Tumor intracraniano
- Vertigem induzida pela enxaqueca
- Doenças degenerativas do SNC
Dos dez pacientes, oito realizaram exame OTN completo com os seguintes resultados:
- 2 SVP irritativas
- 6 SVP deficitárias
Dos outros dois pacientes, um apresentava história de traumatismo craniano e outro suspeita de "Mal de Parkinson". As principais queixas quanto a sintomatologia vestibular apresentadas pelos pacientes foram:
- instabilidade constante
- vertigem postural
- dor de cabeça
- crises ocasionais de vertigem
- limitações das atividades da vida diária (Ex.: estender roupa no varal, abaixar, virar a cabeça)
- insegurança de andar sozinho
A freqüência destes sintomas pode ser observada no Quadro II
TÉCNICA
Neste trabalho de RV, há um programa básico de exercícios que será adequado às necessidades de cada paciente. Para isso, é realizada uma avaliação completa e relacionada às queixas do paciente.
A avaliação clínica é realizada na primeira sessão pela fonoaudióloga responsável, sendo observados os seguintes itens:
* marcha
* postura geral
* teste de desestabilidade
* avaliação de pontos de tensão (especialmente região cervical)
* teste de equilíbrio estático
* provas posicionais de olhos abertos
*` avaliação da movimentação geral do paciente
Não são incluídos dados audiométricos por não serem considerados relevantes para o trabalho.
Os pacientes estudados foram submetidos a sessões de exercícios de RV de quarenta e cinco minutos, duas vezes por semana, totalizando uma média de 14 sessões por paciente. Todos foram orientados a praticar os exercícios em casa, nos demais dias da semana.
O tratamento é iniciado com estimulações isoladas do sistema visual, proprioceptivo e vestibular, a fim de aumentar a participação desses no processo de equilíbrio. Além disso, o indivíduo deve ser submetido a situações do dia - a,- dia; isto porque o trabalho visa uma reeducação global (com a interação dos três sistemas acima citados), em vez de uma reeducação analítica (que restringe-se apenas a estimulações isoladas de cada sistema).
Os exercícios são baseados nos de Cawthorne e Cooksey, sendo os pacientes orientados a realiza-los duas vezes por dia, com 10 repetições de cada.
** Exercícios de Estimulações Visuais e Vestibulares
- Sentado, com a cabeça parada, movimentar os olhos para cima e para baixo
- Idem, movimentar os olhos de um lado para o outro
- Sentado, movimentar a cabeça para cima e para baixo
- Idem, movimentar a cabeça de um lado para o outro
- Idem, tombar a cabeça de um lado para o outro
- Sentado, rodar a cabeça de um lado para o outro
- Sentado, jogar a bolinha de uma mão para a outra, seguindo com os olhos
- Sentado, jogar a bolinha na mesma mão para o alto
- Seguir com os olhos o movimento pendular do objeto
** Exercícios de Estimulações Visuais Vestibulares e proprioceptivas
- Sentado, colocar um objeto no chão em frente e pega-lo
- Idem, colocando os objetos ao lado e atrás
- Sentado, passar o objeto por trás dos joelhos
- Em pé, andar em linha reta
- Andar em círculos
- Andar olhando para cima e para baixo
- Andar olhando de um lado para o outro
- Andar virando a cabeça para os lados
- Andar flexionando a cabeça para a frente e para trás
- Andar jogando a bolinha numa mão só
- Andar jogando a bolinha de uma mão para a outra
Deve-se ressaltar que os exercícios são apresentados progressivamente, de acordo com a evolução do paciente. Dá - se especial atenção ao seu andar, onde são provocadas alterações
a fim de evitar quedas e melhorar a compensação do desequilíbrio. Entre as alterações mais comuns, pode-se citar:
- Alargamento da base de apoio
- Passos mais largos
- Extensão do braço para compensar o desequilíbrio
- Dissociação dos membros superiores durante a marcha
É realizado também o reflexo de busca de equilíbrio, onde a terapeuta provoca o desequilíbrio no paciente, obrigando o mesmo a abrir a base de apoio, evitando a queda. Isto é destinado principalmente aos pacientes mais idosos.
É importante lembrar que, dentro do programa de RV, os exercícios são dirigidos de modo a atender às necessidades do paciente de forma individualizada, levando em consideração a sua sintomatologia.
RESULTADOS
Dos dez pacientes que iniciaram a terapia de RV, nove concluíram o tratamento. Apenas um (o mais idoso e com quadro de SVPD) desistiu na 4o sessão, alegando falta de motivação.
No Quadro I observam-se os achados da avaliação clínica, antes e após a RV, dos nove pacientes que terminaram o tratamento.
Por esses dados é possível comparar a avaliação realizada (pela fonoaudióloga responsável) antes e depois de terapia. Alguns aspectos permaneceram estáveis, enquanto a maioria deles apresentou progresso. É importante ressaltar que os itens que se mostraram mais freqüentes apresentaram importante melhora. De um modo geral, os pacientes começaram o tratamento apresentando marcha instável, tensão na região cervical e a não dissociação entre membros superiores e região cervical. No final da terapia, todos os pacientes evidenciaram significativa melhora.
É importante ressaltar que o paciente que permaneceu com pseudo - Romberg positivo era o do traumatismo craniano, que apresentava déficits neurológicos significativos.
No Quadro II é possível observar que a maioria das queixas praticamente desapareceu ao final da terapia, especialmente vertigens ocasionais, instabilidade constante e, acima de tudo, limitações das atividades normais de vida diária e insegurança. Não houve caso algum de piora de sintomas.
Deve-se considerar que os itens de limitações de atividade normal de vida diária e insegurança foram relatados pelo mesmo paciente (com suspeita de mal de Parkinson), que apresentava ainda um quadro de instabilidade emocional.
Apesar de ser pequena a amostra apresentada aqui, foram obtidos bons resultados. Houve uma melhora geral, onde os pacientes referiram não apresentar mais limitações das atividades diárias e recuperaram a segurança para andar sozinhos, mesmo nos casos onde a vertigem não foi completamente eliminada. Foram realizadas avaliações um mês após o término do tratamento da RV, quando os pacientes relataram notáveis melhoras ou ausência de seus sintomas iniciais.
Dos nove pacientes que participaram deste trabalho, oito não necessitaram mais de medicamentos por um período de 6 meses em que estiveram sob o nosso controle.QUADRO I - Avaliação Clínica dos Pacientes
QUADRO II - Principais Queixas
CONCLUSÕES
Confirmamos através dos resultados aqui apresentados o nosso entendimento de que a RV melhora a qualidade de vida do paciente vertiginoso, aumentando a sua independência em relação aos familiares.
A RV é satisfatória para diferentes patologias, pois é baseada nos sintomas dos pacientes em vez de se basear na etiologia.
INFERÊNCIAS
Um maior número de casos deve ser observado para se chegar a conclusões mais concretas. Apesar disso, através desses achados preliminares pode-se inferir que o método de RV aqui apresentado é útil na diminuição e mesmo eliminação dos sintomas de patologias vestibulares nos casos estudados pelos autores. Pode também ser instituído (em alguns casos), em associação com tratamento clínico médico.
Os fatores psicológicos (motivação do paciente para a RV) são fundamentais para o sucesso do tratamento, pois é fato que alguns pacientes se apóiam nos sintomas para conseguir a atenção dos familiares.
Deve-se considerar o baixo custo do tratamento, já que os resultados são obtidos após 10 a 15 sessões.
É significativo dizer que a avaliação médica deve ser realizada antes do início da RV, para que sejam afastadas possíveis causas (ex.: tumores), não indicadas para esse tratamento.
REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA
1 - NORRÉ, M. E. - Posture in Otoneurology, Acta oto-rhirJolaringologica belg. 1990, 44, V - VI, 277 - 305.
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3 - SHUMWAY-000K, A.; HORAK, F. B. - Rehabilitation strategies for patients with vestibular deficits, Neurotologic Clinics, vol. 8 n'2 May 1990, 441 - 457.
4 -BRIAN, C.; BOUSSENS, J.; VOISIN, H. P. - La Rééducation des handicaps vestibulaires, RevuedeLaryngologie, vol. 95, n'9 - 10, 1974, 631 - 639.
5 -SHEPARD, N. T.; TELIAN, S. A.; SMITH-WHEELOCK, M. - Habituation and balance retraining therapy, Neurologic Clinics, vol. 8 n'2 May 1990, 459 - 475.
*Trabalho realizado em clínica privada.
**Fonoaudiólogas de clínica privada especializada em Reabilitação Vestibular e do Centro de Diagnose em Otorrinolaringologia - Otorhinus em São Paulo.
Endereço dos autores:
Rua Casa do Ator, 959 - Vila Olímpia - São Paulo - SP - CEP 04546 - Tel.(011) 820-0526.
Artigo recebido em 12109/93. Artigo aceito em 19111193.