Ano: 1994 Vol. 60 Ed. 2 - Abril - Junho - (5º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 108 a 112
Angiofibroma Nasofaríngeo Juvenil (experiência de 13 anos)
Juvenil Nasopharyngeal Angiofibroma (A 13 years experiente)
Autor(es):
J. J. Maniglia*,
C. E. Barrinuevo*,
M. Mocellin**,
M. Buschle***,
B. H. Schwabe****,
C. Soares****,
A. I. Zonato*****,
M. B. O. König*****
Palavras-chave: Neoplasias otorrinolaringológicas, nariz
Keywords: Otorhinolaryngologic neoplasms, nose
Resumo:
0 Angiofibroma Nasofaringeo Juvenil é um tumor altamente vascularizado, benigno, com caráter localmente invasivo. Na nossa experiência de 13 anos, tivemos 41 casos; destes, 20 em pacientes com idade acima de 14 anos, e 21 em pacientes abaixo desta idade. 0 objetivo dos autores é a comparação do comportamento do tumor entre estes dois grupos.
Abstract:
Juvenil Nasopharyngeal Angiofibroma (JNA) is a highly vascular, benign, yet locally invasive neoplasm. This is a review of 41 cases in a period of 13 years, half of those cases were above 14 years old and half below. The authors compare the difference of Nasopharyngeal Angiofibroma behavior between this two groups.
INTRODUÇÃO
O Angiofibroma juvenil Nasofaríngeo é um tumor relativamente raro, histologicamente benigno, porém com comportamento local agressivo. Ocorre com maior freqüência na adolescência e é predominante no sexo masculino.
Representa 0,5% das neoplasias de cabeça e pescoço 2 sendo aceito que sua incidência relativa é maior na índia e Egito que nos Estados Unidos e Europa.
O exato tecido de origem é desconhecido. É sugerido por RINGERTZ que, devido ao desenvolvimento irregular da base de crânio durante a puberdade, parte do condrocrânio se desloca e não se ossifica, apresentando posteriormente um crescimento descontrolado. HANDOUSSA et ai descrevem o tumor como originado no periósteo da base de crânio. STEMBERG acredita que é um tumor de células embrionárias. OSBORN sugeriu que o desenvolvimento desses tumores se dá a partir do tecido erétil fetal ou, alternativamente, de um verdadeiro hamartoma. HARRISSON descreve o foco de origem desses tumores ao lado do forame esfeno - palatino ³ .
Alguns autores sugerem que exista uma influência hormonal no crescimento desses tumores. FAREG et al 4 isolaram receptores termoestáveis específicos para dihidrotestosterona e testosterona nos tumores de 7 pacientes. Dados atuais indicam apenas a presença de receptores específicos para androgênio nas células tumorais, porém com dosagens hormonais séricas normais.
Segundo LOYDS e PHELPSS o ponto de origem desses tumores se encontra no forame esfeno - palatino, na extremidade súpero - medial da fossa pterigo - palatina. A partir deste ponto o tumor se expande através do forame esfeno - palatino, cresce medialmente para a área de menor resistência: nariz e nasofaringe. Promove erosão da raiz do processo pterigóideo medial, invade seio esfenoidal e segue para a borda póstero superior do seio maxilar. O tumor pode ganhar acesso para a fossa infratemporal através da fissura pterigo -maxilar e invadir a órbita. Extensões além destas áreas resultam na invasão da fossa média, tanto pela fissura orbitária superior quanto pela parede lateral do seio esfenoidal. O diagnóstico clínico do nasoangiofibroma juvenil é feito na base de um alto índice de suspeição, que é: crianças e adolescentes do sexo masculino, principalmente os que apresentam sangramento e obstrução nasal, sendo esses os dois mais freqüentes sintomas. A seqüência apropriada para diagnóstico deve ser iniciada com radiografias simples, seguidas de tomografia computadorizada e angiografia de carótida externa. Em relação ao raio x simples o abaulamento da parede posterior do seio maxilar é um achado altamente sugestivo de angiofibroma. A tomografia computadorizada é o exame de escolha para melhor estudo anatômico do tumor, sendo fundamental para a selação da via de acesso cirúrgico. A avaliação da extensão pela ressonância magnética pode ser útil, por ser capaz de avaliar perfeitamente a delimitação do tumor, porém ainda não existem estudos comparativos entre os dois métodos. A angiografia carotídea deve ser usada na avaliação da circulação do tumor para eventual imobilização pré - operatória.
O tratamento curativo de escolha é a remoção cirúrgica do tumor, sendo que a via de acesso depende do tamanho, do local e da extensão do tumor. Segundo a literatura 6 outras tentativas de tratamento do angiofibroma juvenil, como o uso de hormonioterapia, radioterapia, embolização arterial superseletiva, crioterapia e substâncias esclerosantes, podem também ser utilizadas 7 . Mais recentemente, na tentativa de reduzir a massa tumoral, cita-se o uso de flutamide, que é um bloqueador específico de receptores de testosteronas. O tratamento de escolha é a cirurgia, visto que outras modalidades de tratamento são coadjuvantes ou no máximo complementares, e não curativas.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram analisados 41 pacientes atendidos no período de 1979 a 1992 no serviço de ORL do Hospital de Clínicas da UFPR. Esta população compreende 20 pacientes abaixo de 14 anos e 20 pacientes acima de 14 anos, todos masculinos, e ainda uma paciente do sexo feminino abaixo de 14 anos, totalizando 41 casos (Tabela I). A idade de 14 anos foi usada como limítrofe na divisão dos pacientes, com base em nosso serviço de internação, que adota esta idade para dividir os pacientes entre adultos e pediátricos. Nas Tabelas II e III se encontram os sinais e sintomas apresentados por esta população.
Para o estadiamento do tumor foi utilizada uma nova classificação adotada por nosso serviço. Esta classificação é anatômica e cirúrgica, agrupando os tumores de acordo com as suas extensões, que podem ser: para a linha média, para o espaço infratemporal, para a órbita e para endocrânio. Com este critério classificamos os tumores em 4 diferentes grupos:
ESTÁDIO A:
Tumores localizados na linha média e com extensões restritas da linha média, que podem ser: superior (seio esfenoidal), anterior (fossa nasal e seio etmóide) e inferior (orofaringe).
Estes tumores podem ser retirados pela via transpalatina (Fig. 1).
ESTÁDIO B:
É representado por tumores com extensão lateral para a fossa pterigopalatina e/ou seio maxilar. Sua remoção radial requer acesso transmaxilar / transnasal (Fig. 2).
ESTÁDIO C:
Neste grupo incluímos os tumores com extensão lateral que atinjam o espaço infratemporal, fossa temporal, espaço parafaríngeo e bochecha. O acesso transmaxilar/transnasal estendido deve ser usado para sua ressecção (Fig. 3).
ESTÁDIO D:
Inclui os tumores com invasão intracraniana e ou de órbita. O acesso transfacial extradural realizado de formo multidisciplinar e com técnicas de dissecção microcirúrgicas é a abordagem ideal no momento (Fig. 4).
Todos os pacientes foram tratados com ressecção cirúrgica ampla, segundo as técnicas citadas no estadiamento. Nenhum dos pacientes foi submetido à radioterapia ou hormonioterapia A maioria dos pacientes foi atendida primariamente em noss serviço com exceção de 5 (3 crianças e 2 adultos), que já havia sido operados em outro serviço. Coincidentemente, estes pacientes são do Estádio D.
O follow up destes pacientes varia de 13 anos a 1 mês. Todos os pacientes foram operados pelo mesmo cirurgião.TABELA I - População estudada segundo idade e sexo.
TABELA II - Principais sintomas apresentados pela população estudada
TABELA III - Localizações e extensões das massas tumorais dentro do série estudada.
FIGURA 1 - CT mostrando um paciente com tumor no estádio A.
FIGURA 2 - CT mostrando um paciente com tumor no estádio B.
FIGURA 3 - CT mostrando um paciente com tumor no estádio C.
FIGURA 4 - CT mostrando um paciente com tumor no estádio D.
RESULTADOS
Tivemos 20 pacientes acima de 14 e 21 pacientes com 14 anos ou menos, apenas 1 paciente do sexo feminino comprovada com estudo cromossômico.
Da população acima de 14 anos a maior incidência ocorreu entre 15 e 20 anos, com apenas 2 pacientes acima de 20 anos, sendo respectivamente 39 e 62 anos (Tabela IA).
Já na população abaixo de 14 anos verificamos um aumento da incidência praticamente linear, à medida que aumenta a idade até 14 anos (Tabela IB) - (Gráfico 1).
A obstrução nasal foi o sintoma mais freqüente, seguida de epistaxe, e a nasofaringe e fossa nasal as localizações prevalentes, dados estes que coincidem com a literatura mundial (Tabela II). Em relação aos achados gerais, a maioria dos sinais e sintomas tem uma incidência semelhante entre os dois grupos, à exceção da invasão intracraniana e de órbita, que se mostrou mais freqüente na população abaixo de 14 anos (Tabela III).
A sintomatologia apresentou-se semelhante em ambas as populações estudadas. A rinorréia fétida foi um sintoma pouco encontrado.
Em relação à localização e extensão dos tumores temos em ordem de acometimento: fossa nasal, nasofaringe, seio maxilar, fossa pterigopalatina, seio etmoidal, seio esfenoidal, que se apresentaram semelhantes nas duas populações. Em relação à órbita e invasão intracraniana observamos maior incidência na população abaixo de 14 anos.
Na população abaixo de 14 anos, 11 pacientes foram classificados dentro do Estádio A, 4 pacientes no Estádio 11 e 6 pacientes no grupo C, nestes 13 anos analisados. Na população acima de 14 anos, 8 pacientes pertencem ao Estádio A, 7 ao Estádio 11, 2 ao Estádio C e 3 ao Estádio D (Tabela IV).
Encontramos 52,3% dos pacientes abaixo de 14 anos no Estádio A, comparados a 40% dos acima de 14 anos. No Estádio 11 19% dos pacientes abaixo de 14 anos e 35% dos acima. No Estádio C apenas 2 pacientes acima de 14 anos e no Estádio D temos 28,5% dos pacientes abaixo de 14 anos contra 15% dos acima de 14 anos, diferença esta que deve ser levada em consideração (Gráfico 2).
O tratamento destes pacientes foi cirúrgico. Apenas 2 pacientes foram embolizados pré - operatoriamente; 5 pacientes vieram de outros serviços com cirurgia e radioterapia prévia. Nenhum paciente, foi tratado com hormonioterapia. A mortalidade foi zero. Os resultados que obtivemos estão listados nas Tabelas V, VI, VII e VIII. O Estádio A e 11, os pacientes obtiveram cura com apenas 1 cirurgia. Exceto um paciente que, após ter sido operado em agosto de 1991, retornou ao nosso serviço em agosto de 92 para controle e a CT evidenciou recidiva do tumor com extensão lateral, sendo o paciente reoperado por acesso transmaxilar.
No Estádio D foram operados 9 pacientes. Neste grupo apenas um paciente apresentou complicação pós-operatória. Este paciente apresentava recidiva de um tumor que havia sido operado em outro serviço com acesso combinado neurocirúrgico - transfacial. Foi por nós reoperado com extenso acesso multidisciplinar microcirúrgico transmaxilar e transnasal. Desenvolveu, porém, fístula liquórica resistente a várias cirurgias, que apenas se resolveu após craniotomia e rotação de retalho periostal de gálea. Destes 9 pacientes, 6 foram curados com apenas 1 cirurgia em nosso serviço e 3 apresentaram tumor residual. Uma recidiva em órbita, curada em reoperação e 2 , tumores residuais infratemporais. Um destes foi reoperado e evoluiu para cura. O outro permanece assintomático e está sob observação. um paciente da série (*)apresenta recidiva infratemporal, estando ainda em observação.
Nossa casuística geral apresenta 5 recidivas, destas 3 foram na fossa intratemporal (60%), 1 órbita (20%) e 1 nasofaringe (20%) (Tabela VII). Destas 5 recidivas, 3 foram na população abaixo de 14 anos, e duas na população acima de 14 anos. Todas foram reoperadas e 4 evoluíram para cura.
Obtivemos um índice de cura de 98% (Tabela VIII). A localização mais freqüente da recidiva foi na fossa infratemporal (60% das recidivas - Tabela VII).TABELA IA - Prevalência de idade na população adulta.
TABELA IB - Prevalência de idade na população pediátrica.
GRÁFICO 1 - Aumento linear da incidência segundo a idade na população pediátrica
TABELA IV - Classificação dos pacientes segundo o estádio clínico do tumor
GRÁFICO 2 - Incidência na população estudada referente a cada estádio clínico.
TABELA V - Número de recidivas, reoperações e de pacientes curados, sendo que
TABELA VI - Localização das recidivas tumorais da série estudada
TABELA VII - Freqüência das recidivas de acordo com sua localização
TABELA VIII - Índice de recidiva e cura dos pacientes estudados
DISCUSSÃO
A incidência do nasoangiofibroma juvenil neste trabalho coincidentemente foi a mesma acima e abaixo de 14 anos, nestes 13 anos revisados. A incidência absoluta foi no sexo masculino, com apenas 1 caso em paciente feminina. A incidência de sinais e sintomas é semelhante nas duas populações, à exceção da invasão intracraniana, que fez com que o dobro dos pacientes abaixo de 14 anos fosse estadiado no grupo D. Isto nos sugere o caráter agressivo destas lesões em pacientes mais jovens. O paciente mais novo da série se encontrava no Estádio D (9 anos), foi reoperado 3 vezes e permanece com tumor residual infratemporal assintomático sob acompanhamento tomográfico computadorizado semestral.
Este, porém, é um dado geral para população abaixo de 14 anos e não pode ser
individualizado em relação a cada idade. Outro dado importante que nos chamou a atenção foi o fato de os pacientes terem aumentado em número progressivamente à medida que aumentou a idade (Gráfico 1, Tabela l A).
Entretanto, não conseguimos correlacionar isso com o tamanho da lesão ou seu estadiamento. Na realidade, um tumor diagnosticado nos 14 anos não significa que tenha sido um tumor originado aos 9 anos que cresceu, isto é, um tumor Estádio D nasce estádio D e não nasce no estádio A, evoluindo para o D, haja vista que existem vários pacientes com idade no grupo A. Gostaríamos apenas de chamar a atenção para a maior incidência real em idade de 13 a 14 anos, o que fala a favor da etiologia hormonal para o crescimento. Este fato é vastamente relatado na literatura deste tumor como possível diagnóstico em adolescentes masculinos com epistaxe e obstrução nasal. O tratamento é cirúrgico, e acreditamos que pacientes nos Estádios C e D devam ser embolizados pré - operatoriamente para diminuírem sua perda sangüínea per - operatória.
CONCLUSÃO
Obtivemos a mesma incidência de angiofibroma juvenil de nasofaringe na população abaixo e acima de 14 anos nestes 13 anos analisados.
Os sinais e sintomas foram semelhantes nas duas populações. A invasão intracraniana se apresentou duas vezes mais freqüente na população abaixo de 14 anos.
O tumor aparenta ser tanto mais agressivo quanto menor a idade do paciente. O paciente mais jovem da série foi reoperado 3 vezes e permanece assintomático, porém em acompanhamento, apresentando recidiva em fossa infratemporal. Este paciente foi o único que não evoluiu para a cura.
O índice de cura da série foi de 98%.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÄFICA
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Trabalho realizado no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná pela Disciplina de Otorrinolaringologia
* Professor Adjunto da Disciplina de ORL da UFPR
** Professor Titular da Disciplina de ORL da UFPR
*** Professor Contratado da Disciplina de ORL da UFPR
**** Residente do 2° ano de ORL da UFPR
***** Acadêmica do 6° ano de Medicina da UFPR
Endereço para correspondência:
Dra. Brenda Hupe Schwabe
R. Isalas Bevilaqua, 125 - Curitiba - PR - CEP 80430-050. Artigo recebido em 15106193.
Aceito em 08/11/93.