Versão Inglês

Ano:  1994  Vol. 60   Ed. 2  - Abril - Junho - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 103 a 105

 

Microdescompressão Neurovascular no Tratamento do Espasmo Hemifacial

Microvascular Decompression in the Treatment of Hemifacial Spasm

Autor(es): Jean-Luc Fobé, M. D.*,
Marc Sindou, D. B. Sc.**.

Palavras-chave: Espasmo, músculos da face, nervo facial

Keywords: Spasm, facial muscles, facial nerve

Resumo:
A microdescompressão neurovascular do nervo facial na fossa posterior foi empregada em 37 pacientes no tratamento do espasmo hemifacial. 0 alívio total dos sintomas foi obtido em 86,48%, parcial em 10,81%. A falha total foi observada em 2,71% dos casos. Em todos os pacientes identificamos a presença de um real conflito vascular com o VII nervo craniano, sendo mais freqüente a artéria cerebelar póstero - inferior (45,94%), seguida pela artéria cerebelar póstero-inferior (27,02%). 0 conflito foi classificado como contato intimo entre o nervo e artéria ou veia (24,322%), compressão (56, 75%) e distoção com sulcagem do nervo (18,93%). As complicações pôs - operatórias mais freqüentes foram relacionadas ao VIII nervo craniano, com surdez em 5,4%, e hipoacusia definitiva em 10,81%, que podem ser minimizadas pelo uso do potencial evocado intraoperatório . Ocorreram 2 casos de paresia facial definitiva que foram classificados como de grau leve, sem prejuízo funcional ou social.

Abstract:
Microvascular decompression of the facial nerve at the level of posterior fossa was employed in the surgical treatment of 37 patients with hemifacial spasm. Among all patients observed, 86,48% obtained total relief, 10, 81 % presented parcial relief, and in 2,71% failure could be noticed. In all patients, a vascular conflict was found against the Vil cranial nerve, cerebellar anterior inferior artery was the most frequent conflict (45,94%), seconded by posterior inferior eerebellar artery (27,02%). The conflict was graduate as close contact (24,32%), compresion (56,75%), and distorsion with grooving of the nerve (18,93%). The surgical complications were deafness (5,4%), and definitive hipoacusia (10,81 %), which can be minimized with the routine use of intraoperative brain evoked potential monitoring. The definitive facial paresis was presented in 2 patients, but the disease was classified as slight, causing no funtional or social problems.

INTRODUÇÃO

O espasmo hemifacial (EH) é uma doença incapacitante caracterizada por movimentos mioclônicos involuntários, acometendo parte ou todos os músculos inervados pelo nervo facial. Estes movimentos ocorrem mais freqüentemente em mulheres na quinta e sexta décadas, com tendência de piora progressiva. Com a evolução da doença, sincinesias e déficit motor dos músculos da face podem ocorrer. Diversas técnicas cirúrgicas foram desenvolvidas no tratamento destes movimentos faciais anormais: secção periférica do VII nervo (química ou mecânica), secção central seletiva, e microdescompressão neurovascular na entrada da raiz dorsal. A microdescompressão neuro vascular (MDN) do nervo facial na fossa posterior foi empregada em 37 pacientes no tratamento do espasmo hemifacial. A técnica empregada, cuidados com a audição, achados cirúrgicos, resultados e morbidade são apresentados.

MATERIAL E MÉTODOS

Todos os pacientes submetidos à MDN na fossa posterior no tratamento do EH apresentavam movimentos clônicos involuntários unilaterais dos músculos inervados pelo nervo facial e refratários ao tratamento clínico que incluiu: carbamazepina, difenil - hidantoína e baclofen. Num total de 37 pacientes examinados 24 eram mulheres e 13 homens, com idade variando entre 31 e 75 anos, 53 anos em média. Nenhum caso secundário a tumor foi incluído nesta série.

O período médio entre o início dos sintomas e a cirurgia foi de 41 meses, com extremos de 6 a 132 meses.

O seguimento pós-operatório médio foi de 6 anos, com extremos de 15 meses e 11 anos.
Os exames pré - operatórios incluíram em todos os pacientes) determinação dos limiares tonais puros, utilizando técnicas audiométricas convencionais para cada ouvido (condução aérea e óssea para freqüências de 500, 2000 e 4000 Hz), estudos eletromiográficos com medida de velocidade de condução do nervo facial e tomografia computadorizada de crânio. Potencial evocado auditivo (PEA) foi realizado em 28 pacientes, 17 foram submetidos a estudo angiográfico cerebral por técnica digital e 3 realizaram ressonância magnética de crânio.

A monitorização intraoperatória do PEA foi empregada em 19 pacientes com intuito de orientar o cirurgião para os perigos de lesão do VIII nervo craniano.

A função auditiva no pós-operatório foi avaliada pela mesma técnica empregada no pré - operatório, de 10 a 15 dias após a cirurgia, e repetida se anormal em 1, 3 e 6 meses após a primeira audiometria. A perda auditiva foi diagnosticada em pacientes com uma diminuição superior a 20 dB na audiometria pós- operatória, em comparação com a pré - operatória, para freqüências de 500, 2000 e 4000 Hz. A perda auditiva foi classificada como transitória quando a audiometria pós-operatória retornava aos mesmos níveis de pré - operatória, ou se os níveis de perda eram inferiores a 20 dB em um período de 6 meses pós - cirurgia, ou classificada como perda auditiva permanente no caso de surdez ou perda acima de 20 dB em relação à audiometria pré - operatória pelo período de 6 meses. Em 28 pacientes foi realizado PEA no pós-operatório. 0 diagnóstico de paresia facial foi realizado mediante exame clínico periódico e classificado como definitivo se persistisse pelo período maior que 6 meses.

TÉCNICA CIRÚRGICA

A MDN do nervo facial foi realizada com o paciente sob anestesia geral, em decúbito lateral, com a cabeça fixa e mantida com suporte de Mayfield.

A monitorização intra - operatória do PEA foi empregada nos 19 últimos pacientes com intuito de guiar o cirurgião, minimizando as chances de lesão do VIII nervo craniano. A técnica de monitorização, achados e valor prognóstico do PEA intra - operatório foi motivo de publicações prévias, não sendo abordado neste trabalho 1,2 .

A craniectomia retromastóidea com cerca de 3 centímetros de diâmetro foi feita mediante uma incisão cutânea linear. A dura - máter foi aberta em cruz. Com auxílio de um braço articulado de Leyla e técnicas microcirúrgicas, o cerebelo foi retraído lateralmente, a aracnóide aberta, a entrada da raiz dorsal do nervo facial exposta e individualizada ao nível da ponte.

O conflito ou contato vascular com o VII nervo foi identificado e classificado (Tabela I). O vaso foi liberado de suas aderências com a aracnóide e colocado em uma nova posição, sendo interposto material inerte entre o nervo e o vaso conflitual (Dacron, Teflon) (Fig. 1). Nos primeiros 7 pacientes associamos um fragmento de músculo ou aponeurose. Nos pacientes em que o contato ou compressão era causada por uma veia, esta foi coagulada com bipolar e seccionada.

RESULTADOS

O seguimento pós-operatório variou de 15 meses a 11 anos, com uma média de 6 anos.
Em todos os pacientes identificamos a presença de um conflito vascular como VII nervo craniano, sendo a mais freqüente causa a artéria cerebelar ântero - inferior (45,94%), seguida pela artéria cerebelar póstero-inferior (Z7,02%). 0 conflito foi classificado como contato íntimo entre o nervo e artéria ou veia (Z4,32%), compressão (56,75%) e distorção com sulcagem do nervo (18,93%) (Tabela I).
O desaparecimento completo dos sintomas foi obtido em 32 pacientes (86,48%), em 4 pacientes ocorreram melhoras na freqüência e intensidade das mioclonias, que foram classificadas como recidiva parcial (10,91%), e em 1 paciente ocorreu recidiva de todos os sintomas idênticos aos pré - operatórios, que foram classificados como recidiva total (2,71%) (Tabela II).

As complicações pós-operatórias mais freqüentes foram relacionadas ao VIII nervo craniano, com anacusia em 2 pacientes (5,4%), e disacusia neurossensorial definitiva em 4 pacientes (10,81%). Os 2 casos de paresia facial definitiva (5,4%) foram classificados como de grau leve, sem prejuízo funcional ou social (Tabela III). Nenhum óbito foi observado nesta série.



FIGURA 1 - Etapas na microdescompressão neurovascular, no tratamento do espasmo hemifacial. Esquerda: aracnóide recobrindo as estruturas vasculares e o nervo facial. Centro: artéria conflitual (AICA), causando compressão do nervo facial. Direita: etapa final de MDN com interposição de material inerte (Dacron e Teflon) entre o nervo facial e a artéria conflitual.




DISCUSSÃO

O espasmo hemifacial é uma entidade caracterizada pelo desenvolvimento insidioso de movimentos faciais hipercinéticos, paroxísticos, involuntários, unilaterais, ocorrendo mais freqüentemente na quinta e sexta décadas, sendo aproximadamente 2 vezes mais freqüente no sexo feminino do que no masculino. Os movimentos faciais involuntários são indolores, mas podem ser causa de transtornos psicológicos e sociais³ .

A real patogenia do EF não é conhecida. O córtex cerebral, núcleo facial, entrada da raiz dorsal do nervo facial, e mesmo sua porção periférica, foram implicados na origem anatômica do espasmo hemifacial. A fisiopatologia descrita inclui: doença psicossomática, hiperexcitabilidade do núcleo facial e compressão mecânica do nervo facial na fossa posterior ou no osso temporal 3, 4.

A teoria da compressão vascular do nervo facial na fossa posterior como etiologia do espasmo hemifacial foi originalmente descrita por Campbell e Keedy3. Jannetta acredita que em sua forma clássica o espasmo hemifacial é sempre secundário a uma compressão neurovascular na entrada da raiz dorsal do VII nervo'. O diagnóstico do EH na sua forma clássica pode ser realizado pela história e exame clínico adequados. Os exames complementares, tomografia computadorizada de crânio, RX simples de crânio, angiografia cerebral, eletromiografia, eletronistagmografia e outros estudos eletrodiagnósticos nenhum auxílio trazem na compreensão da patogenia da doença 3 .

O tratamento medicamentoso do EH é usualmente desapontador 3 .

Diversas técnicas cirúrgicas utilizadas no tratamento desta entidade, usualmente, trocam os movimentos mioclônicos por paresia de diferentes graus com um grande índice de recidiva. Tais procedimentos atingem o nervo facial em diversos pontos desde a sua origem, na fossa posterior, até a sua porção periférica, devido a ações mecânicas (avulsão, acupuntura, neurotomia, neurotomia parcial, implantação de agulhas, descompressão no osso temporal, e transsecção com anastomose), químicas (anestésicos, álcool ou toxinas) ou mesmo térmicas (termólise ou coagulação percutânea por radiofreqüência) 3,6.

Todos os pacientes em nossa série apresentaram uma artéria conflitual (Tabela I), sendo a artéria isolada responsável mais freqüente a artéria cerebelar ântero - inferior (45,94%), seguida pela artéria cerebelar póstero-inferior (27,02%), e o grau de conflito mais freqüente foi compressão (56,75%).

Em nossa presente série, o alívio total do EH foi obtido em 86,48%, parcial em 10,81% e falha total em 2,71% (Tabela II). Ás complicações pós-operatórias (Tabela III) mais freqüentes foram relacionadas ao VIII nervo craniano com anacusia em 5,4%, e disacusia neurossensorial definitiva em 10,81%. Os 2 casos de paresia facial definitiva foram classificados como de grau leve, sem prejuízo funcional ou social.

Nossos resultados são muito similares aos apresentados na literatura 5,6,7,8, podendo o risco de perda auditiva ser minimizado pelo uso do potencial evocado auditivo intra-operatórid,9. Nenhum óbito foi observado nessa série, existindo, porém, um risco potencial de óbito de 0,5% a 1,0% com a técnica de descompressão neurovascular dos nervos cranianos, que deve ser lembrado 6,7.

CONCLUSÃO

Apesar de não existir, até o momento; nenhuma explicação definitiva da fisiopatologia da microdescompressão neurovascular no tratamento do espasmo hemifacial, acreditamos, baseados na nossa experiência pessoal e na literatura, que esta técnica cirúrgica oferece uma maior percentagem de sucesso com menor paresia facial que as demais técnicas cirúrgicas usualmente empregadas até o momento 3,5,6,7,8.

As complicações de disacusia neurossensorial, moderada a grave, que podem ocorrer em freqüências, que variam em torno de 10% podem ser grandemente minimizadas pelo uso del monitorização intra - operatória do PEA 1,2.



TABELA I - Etiologia e graduação da compressão. Classificação do grau de conflito entre o VII nervo craniano e a artéria conflitual: 1 - Contato íntimo, II - Compressão, III - Distorção com sulcagem do nervo. (AICA: Artéria Cerebelar Ântero-Inferior; PICA: Artéria Cerebelar Póstero-Inferior; Art. Vert.: Artéria Vertebral; Art. Bas.: Artéria Basilar).



TABELA II - Recidiva do espasmo hemifacial e sua correlação com o grau e a etiologia do conflito.



TABELA III - Complicações pós-operatórias e sua correlação com o grau e etiologia do conflito.



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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* Medicin Attaché Associé, Serviço de Neurocirurgia A, Hopital Pierre Wertheimer, Lyon, France.
Neurocirurgião da Associação de Assistência ã Criança Defeituosa, Dr. Ivan
Ferrareto, São Paulo, Brasil.




** Professor Adjunto da Universidade de Lyon, Serviço de Neurocirurgia A, Hopital Pierre Wertheimer, Lyon, França.

Trabalho realizado no Serviço de Neurocirurgia A, Prof. Marc Sindou, Hopital Pierre Wertheimer, Lyon, França.

Endereço para correspondência: Rua Dr. Jesuino Maciel 598, CEP 04615-001, - São Paulo, São Paulo. Telefone: (011) 535-5950,61-9715.

Artigo recebido em 4105193.' Artigo aceito em 8111/93.

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