Ano: 1935 Vol. 3 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (6º)
Seção: Associações Científicas
Páginas: 45 a 48
Associações Científicas
Autor(es): -
ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA
Secção de Oto-rino-laringologia
Sessão de 17 de Dezembro de 1934
Presidida pelo Dr. Homero. Cordeiro e secretariada pelos Drs. Francisco Hartung (1.° secretario ad hoc) e Rubens de Brito, realisou-se no dia 17 de Dezembro findo, a decima sessão ordinaria da Secção de Oto-rino-laringología da Associação Paulista de Medicina.
No expediente, é lida uma carta do Prof. Pedro Regules, endereçada ao Presidente da Secção, na qual ele renova aos especialistas paulistas o convite já divulgado pelo Prof. Marinho, para a reunião anual da Sociedade Rioplatense de Oto-rino-laringología, nos dias 11, 12 e 13 de Janeiro de 1935, em Montevidéo.
Em seguida pede a palavra o Dr. Francisco Hartung, que, depois de tecer comentarios sobre um artigo publicado num dos jornais leigos desta Capital, sobre amigdalas, assinado por festejado professor e beletrista, propõe a casa que seja aprovada a seguinte moção:
Considerando a importancia da cirurgia amigdalo-adenoidiana em varios aspétos de interesse geral;
considerando que a citada operação dia a dia apresenta base mais solida e cientifica;
considerando que máu grado todo seu progresso na indicação operatoria, ha sempre uma corrente empiricamente contraria;
considerando que se percebe claramente o mal estar produzido por estes conservadores imoderados;
considerando que, rebater os abstencionistas sistematicos pela imprensa medica, é obra completamente inexequivel;
considerando que a imprensa leiga, a unica que o povo lê, recebe em suas colunas, idéias que se chocam com as conquistas da ciencia;
Propõe:
I - Que a Secção de Oto-rino-laringologia indicasse uma comissão de 3 ou 4 membros para demonstrar qual a verdadeira situação do problema na atualidade.
II - Esta incumbencia seria desempenhada por meio de artigos entregues a publicidade da imprensa leiga.
III - Estes artigos deveriam ser redigidos em linguagem simples, acessivel a todos, não muito longos e tanto quanto possivel amparados em seu substracto, por documentação cientifica moderna.
IV - Deveriam ser sujeitos a apreciação da casa, assignados pelo autor, mas ficando clara a iniciativa da nossa Secção.
V - Nomeada a comisão, a mesma indicaria diversos têmas, de modo a entrelaçar sempre a patologiía amigdalo-adenoideana a qualquer outro capitulo já cientificamente documentado.
Esta moção foi bastante discutida pela casa, tendo o Presidente, preliminarmente, nomeado uma comissão composta dos Drs. Francisco Hartung, Silvestre Passy e Paulo Sáes, que se incumbirá de estudar a questão. A discussão final, por proposta do Dr. Roberto Oliva, foi adiada para mais tarde, em época previamente designada pelo Presidente.
Ainda no expediente, o Dr. A. Vicente de Azevedo apresenta uma doente por ele operada de sinusite maxilar esquerda e etmoidite bi-lateral, e que sofria antes de perturbações mentais e neurologicas, desaparecidas após o áto cirurgico. Promete, em ocasião oportuna, trazer o caso á plenario.
Findo o expediente, efectuou-se a eleição dos componentes da nova Mesa que presidirá as sessões no ano de 1935, que apurada, deu o seguinte resultado: Presidente: Dr. Roberto Oliva; 1.° Secretario: Dr. Mattos Barretto; 2.° Secretario: Dr. Silvio Ognibene.
O Presidente proclama os eleitos e convida todos os socios da Secção para comparecerem a pósse dos mesmos, em 17 de Janeiro proximo.
ORDEM DO DIA:
1) Dr. FRIEDRICH MÜLLER (Capital) - "Sobre a mutação vocal dissociada".
Resumo: O A. apresenta um caso interessante, o de um rapaz de 1 7 anos, que falava com voz pueril, mas que cantava com voz de adulto, o que lhe trazia não poucos aborrecimentos. Considera um caso raro, cuja importancia reside menos em uma condição anatomo-fisiologica, do que em uma psicologica. Considera, entretanto, a hipotese de que no canto, possa a respiração, mais energica, provocar a voz do adulto.
Durante toda a conversa que entreteve com seu paciente, notou a sua voz pueril. Experimentou como terapeutica, de inicio, os murmurios, porem sem resultado. Aconselhou então a leitura de jornal com voz cantada, bem como a conversa do mesmo modo, obtendo pleno êxito. O paciente venceu em pouco tempo a dificuldade, instalando-se definitivamente a voz de adulto.
Em seguida, procura o A. dar explicação para o caso. Crê que a condição psicologica e cantico-técnica especial, foi a causa do aparecimento da voz de adulto no canto; em primeiro lugar o texto do canto não era comun, quotiano, resultando assim a situação psicologica. Era necessario, entretanto, observar certos intervalos respiratorios, respiração profunda e resonancia vocal. Na conversa preponderavam os embaraços, baseados em uma fraqueza nervosa. A leitura e a fala cantada influenciaram psicologicamente para a voz de adulto, com o mecanismo do canto, cuja base, os intervalos regulares e a respiração regular e profunda, se propagou depressa á voz de conversação. A cura persistiu, pois um ano mais tarde o paciente voltou para novo exame, falando definitivamente com voz normal.
DISCUSSÃO
Dr. Guédes de Mélo F.º - Acha interessante a observação do A. e confessa que caso semelhante nunca viu. As observações de individuos que chegam a puberdade e conservam a voz infantil, com quanto não comuns, não são raros, mas essa diferança de timbre entre a voz falada e a cantada, é excepcional. Crê que a explicação desses fátos está no desenvolvimento rápido do orgão vocal, que não se adaptaría logo ás suas funcções.
2) DR. ROBERTO OLIVA (S. Paulo) - "Estenóse da glóte por gôma. (laringo-fissura) Cura cirurgica. (Este artigo está publicado na integra, neste numero).
Resumo: O A. apresenta a observação de um doente que, ha cêrca de quatro anos, devido estenóse laringéa, usava a canula traqueal. Ja sofrera uma tirotomía, porem sem sucesso; a ultima operação que se submeteu, foi a laringo-fissura, realisada com ótimo resultado. Atualmente o laringe acha-se suficientemente permeavel, permitindo respiração normal e voz bastante clara.
Declara o A. que entre as causas que mais frequentemente ocasionam esses casos, figura em primeiro lugar a lues, acrescentando que no doente em apreço, tratava-se de uma goma da glóte.
DISCUSSÃO:
Dr. Gabriel Porto: - Felicita o A. pelo brilhante resultado com a laringo-fissura, que em geral fracassa. Cita um caso de estenose absoluta do laringe, no qual a tentativa de dilatação falhou. Lançou mão então da laringo-fissura. Esse seu doente foi operado ha 2 meses, esperando ter resultado satisfatorio.
Dr. Guédes de Mélo F.° - Comenta a grande porcentagem de mortes nesses casos, pensando ser isso devido principalmente as molestias que originam a estenóse: cancer, por exemplo, e outras molestias mais ou menos graves quanto estas. Pergunta porque o Dr. Oliva não estudou a possibilidade de praticar, no seu caso, a laringostomía.
Dr. Homero Cordeiro - Lembra a observação que apresentou á casa, no qual a estenose, de origem tambem luetica, foi dilatada com sucesso, por meio das sondas metalicas de Killian-Brunings. Ultimamente teve ocasião de revêr esse caso e notou leve recidiva, tendo praticado mais algumas dilatações.
Dr. Roberto Oliva (encerrando a discussão) - Responde ao Dr. Guédes de Mélo F.°, haver pensado na hipotese de uma laringostomía; mas não se arrepende de ter praticado a laringo-fissura, deante do resultado final feliz.
Diz que o doente fez uma medicação intensa pelo neosalvarsan, bismuto, mercurio, etc., pois apresentava tambem uma ulceração na base da lingua, que cicatrisou completamente com esse tratamento e a reação de Wassermann tornou-se negativa.
3) DRS. MARIO OTTONI DE REZENDE E ADERBAL TOLOSA (S. Paulo) - "Sindrome dissociado alterno do VIII.° par craneano".
(Este artigo será publicado na integra no proximo numero desta revista).
DISCUSSÃO
Dr. Roberto Oliva - Comenta a raridade do caso e diz que já teve oportunidade de fazer estudos sobre a sifilis do ouvido interno, jamais encontrando a dissociação cruzada do VIII.º par. Acha que não se pode explicar o caso por uma lesão apenas do coclear, e que se deve admitir uma meningite de base. Apesar da reação de Wassermann ter sido negativa, não fica afastada a hipótese de meningite especifica, porque o doente obteve bom resultado com o tratamento anti-luético. Já teve occasião de apresentar um caso de dissociação não cruzada do VIII.º par, cuja causa era a lues.
Dr. Guédes de Mélo F.° - Elogia os AA. que tão bem souberam focalisar os pontos mais interessantes da observação clinica. Acha que essa forma dissociada, topografica e funcionalmente são mais comuns no periodo secundario do que no terciario. Põe em relevo a contribuição do neurologista, embora hoje em dia haja algum descredito nesse sentido. Diz que o caso dos AA. merece felicitações, porque embora as provas humorais falassem contra a sifilis, a anamnése, os exames clinico e radiografico falavam a seu favor.
Quanto a terapeutica arsenical, pensa não ser tão má quanto se costuma lêr e ouvir; observou casos de lues secundario, nos quais esse tratamento deu bom resultado. Uma prova a seu favor, é o proprio caso agora em discussão, no qual se obteve quasi que o "restitutio ad integram". E' de opinião que antigamente o arsenico produzia lesões nervosas, porque não era tão puro e inocuo como hoje em dia.
Dr. Aderbal Tolosa (respondendo) : Diz que o Dr. Oliva focalisou a questão da patogenía do caso, notando que para haver comprometimento cruzado, deveria existir meningite, o que não se verificou com exames apropriados, como o exame do liquor e outras provas humorais, que foram negativas. Do mesmo modo que se observou a existencia de uma lesão ossea luetica no vestibulo, é provavel que houvesse em outro lugar, outra lesão da mesma natureza, invisivel e não demonstravel pela radiografia.