Versão Inglês

Ano:  1962  Vol. 30   Ed. 4  - Julho - Dezembro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 01 a 14

 

OTITE MÉDIA DO LACTENTE (*)

Autor(es): Antonio Prudente Corrêa F.A.C.S. (**)

CONCEITO - Otite média do lactente é a inflamação da orelha média que ocorre em crianças menores de 12 meses, em especial dos 2 aos 6 meses de idade. A expressão orelha média compreende tôdas as cavidades (Fig. 1) que originadas da rinofaringe, ao nível da tuba auditiva, continuam-se pela caixa do tímpano (hipotímpano, átrio e ático), adito, antro e células mastoidéias, recobertas pela mucosa do mesmo tipo aéreo-digestivo da rinofaringe.

A otite média pode significar, no sentido geral, como uma salpingo-tímpanoantrite, porém no sentido clínico, teríamos duas entidades: (a) otite média "sensu strictu" ou timpanite, como inflamação da mucosa da caixa do tímpano, favorecida pelos fatôres germe, terreno e obstrução tubária; (b) a antrite, ou inflamação da mucosa do antro, favorecida principalmente por bloqueio do ádito ou dificuldade de drenagem da caixa do tímpano.

A otite média "sensu strictu", ou o oto-antrite ou otomastoidite do lactente, dada as características anatômicas, imunitárias e semiológicas do paciente, apresenta com freqüência dificuldades diagnósticas, sintomatologia, atípica, terapêutica precisa e urgente, tornando-se assunto de interêsse permanente. Apesar de inúmeros trabalhos e congressos, a otite média do lactente, ainda é problema para pediatras e otólogos, colaborarem de maneira estreita, a fim de resolverem as dúvidas surgidas freqüentemente, na interpretação dos fatos clínicos, e levarem a bom têrmo a conduta terapêutica.

HISTÓRICO - Pelo histórico do assunto podemos esclarecer as opiniões divergentes em relação ao aspecto doutrinário e a orientação terapêutica. Pode-se distinguir 3 períodos de conhecimento da moléstia:

1 - Período anátomopatológico, em que os achados de lesões na orelha média do lactente, mortos em atrepsia, levaram ao conceito de otite média "sensu strictu" e sua terapêutica pela paracentese, nas crianças com distúrbios digestivos.

Deve-se a Parrot (1869) (1), o 1.° trabalho, alertando os especialistas para as otites médias nas atrepsias do recémnascido, baseado em estudo de autópsia. BOURBILLON (1903) (2) diferencia clinicamente as gastro-enterites primitivas das secundárias, admitindo como uma das causas destas a otite média. Si existia otite média evidente, aparece em 1917, a expressão "otite média latente", usada por COMBY (2), para indicar os casos de inflamações da orelha média, muito freqüentes, insidiosas, com pouca sintomatologia e muito importante como causa de doenças infantis. A paracentese era a terapêutica precisa, para drenar o foco inflamatório. Apesar dêsses trabalhos, os tratados de pediatria até 1920 não descreviam a otite média purulenta do lactente.

2 - Segue-se o período da antrite ou mastoidite, conforme os A.A., com a indicação de antrotomia, pelas diferentes escolas.

Foi RENAUD (1921) (1) quem propôs substituir as expressões colera infantil, gastro-enterite aguda e atrepsia por otite, mastoidite e petrite desde que os achados anátomopatológicos em lactente afirmaram ser estas as doenças causais. O assunto apaixonou os especialistas a partir desde então; em 1925, há o Congresso da Societé Française d'Oto. R.L. com o tema oficial relatado por LE MÉE e BLOCH (1); em 1935, a Societé de Pediatrie de Paris, recebeu os relatos de DUMAS e col. (2). Conclue-se dêstes trabalhos que: (a) a otomastoidite é freqüente na autópsia de lactentes mortos em toxicose; (b) a antrotomia beneficia 50% das crianças operadas, mas falha no restante, daí a necessidade de melhores estudos sôbre o problema.

Desde que a cirurgia ou a autópsia comprove, aparece nesta época, o conceito da antrite ou mastoidite "latente" i.é, otite sem sinais clínicos evidentes da inflamação do antro e das células da mastoide. Descreve-se também a antrite "oculta", em que não há sinais clínicos ou cirúrgicos de otite, porém, a evolução pós-operatória orienta-se para a cura. Para resolver o diagnóstico e a terapêutica da antrite aparecem os conciliadores, que propõem a punção do antro (GRENET e col.) (1) e mais tarde a radiografia contrastada.

3 - Segue-se a 3.ª fase em que firmada a importância da otite média na patologia do lactente, é necessário esclarecer porque as terapêuticas locais falham em certo número de casos.

Trata-se do fator terreno e do distúrbio geral, como elementos importantes na toxicose, tanto que o uso de perfusões hídricas e eletrolíticas adequadas, e, antibióticos determinou a queda da mortalidade e a redução brutal das antrotomias.

CLERC em 1954 (2), executou 2.000 paracenteses em 4.000 lactentes e somente 6 antrotomias; concluem AUSEPY e BOUCHE (1955) (2) que a antrite toxígena tende a desaparecer, enquanto a otite média "sensu strictu" e a toxicose ainda continuam. Na época atual a nova orientação terapêutica dos pediatras frente a toxicose e distúrbios afins, mudou favoràvelmente o prognóstico, mas o trabalho do otologista continua em condições diversas, i.é, terá que cuidar de otites médias mascaradas pela terapêutica, e evoluindo de maneira silenciosa e aumentando o número de processos crônicos que afetam a capacidade auditiva das crianças, sinão forem reconhecidas e tratadas adequadamente.

Entre nós, PAULO SAES (3) em 1926, chama atenção para as otites médias do lactente como causa de distúrbios digestivos; assunto que é reafirmado por AMARANTE (4) (1933) na sua tese de doutoramento e por NUNAN na sua tese de livre-docente (1943) (3).

WHITACKER (1930) (5) e OTONI REZENDE (6) (1934) seguindo as idéias de ALEXANDER, preconizam a colaboração do otologista em todo serviço de pediatria a fim de combaterem os distúrbios gerais decorrentes da otite média latente; a otoscopia deve ser um exame de rotina e a miringotomia ou mesmo a antrotomia será um complemento do tratamento pediátrico, antes que se instale a fase irreversível da toxicose.

PRUDENTE DE AQUINO (7), Professor MARINHO (4) e E. CUNHA (3) são outros tantos otologistas nacionais que vem a campo ressaltar a importância do binômio otite - dispepsia. FRANCISCO HARTUNG (8) é o apaixonado batalhador da intervenção cirúrgica nas otites das crianças dispépticas e distróficas, falando e publicando sôbre os seus casos (1938 a 1950), a fim de alertar os médicos e mostrar a importância de não esperar por sinais manifestos de otoantrite, guiando-se pelos sintomas gerais e pela evolução da moléstia, na estreita colaboração pediátrica-otológica.

ETIOPATOGENIA - Fatôres diversos explicam a freqüencia e as características da otite média do lactente.

A anatomia da região salpingo-timpano-antral, (Fig. I) no lactente é diversa da do adulto.- Existe um antro e um adito grande comunicando francamente o ático com aquelas cavidades. A presença constante das células do grupo supra-antral e zigomático no Lano de vida, poderá explicar a possibilidade de mastoidites e complicações mais graves quando da retenção e virulência do processo inflamatório, fatos raros na clinica. Para LE MÉE (2), concorreria na retenção da inflamação do antro e possíveis antrites, a existência de uma comunicação estreita (istmo-ático-timpanal) entre o ático e a porção inferior da caixa, dada a existência da cadeia ossicular e dos mesos dividindo a caixa em 2 porções (Fig. II). A presença de tecido sub-epitelial espêsso, embrionário, cria recessos na orelha média, e ambiente propício a infecção insidiosa, e pouco manifesta, com tendência a cronicidade.



Fig. I - Esquema das cavidades da orelha média do lactente em corte perpendicular e longitudinal:
A = antro; ad = ádito; at - ático; T = tuba; F = rinofaringe; o - osículos; ar = átrio e hipotímpano; M = projeção da membrana timpânica.



Fig. II - Idem em corte horizontal passando pelo antro e tico, a fim de mostrar a comunicação com o mesotímpano (istmo) e a separação entre a região superior e inferior da caixa.
= istmo ático-timpanal; O = culos; A = antro.

Por um lado, a tuba curta, retilínea e calibrosa facilita a contaminação da orelha média, vinda- da rinofaringe, e, por outro lado permite uma drenagem e arejamento que concorre para cura mais rápida.

Poder-se-ia considerar a orelha média do lactente como um apêndice da rinofaringe, com tôda sua possibilidade de contaminação, que pode ou não levar a uma inflamação, cujas características patológicas e prejudiciais a normalidade da criança dependerão de fatôres outros.

A imunidade do recém-nascido;de origem materna, tende a ser adquirida com o decorrer dos meses, com a implantação dos fenômenos imunológicos; tôdas as condições gerais que diminuem a defesa orgânica, facilitarão pela contaminação fácil e natural dá rinofaringe a instalação de um processo inflamatório da orelha média.

O lactente no 1.° semestre, mais do que no 2.° semestre, apresenta condições imunitárias reduzidas e a clínica o comprova, quando se nota maior gravidade da otite média naquele período.

A contaminação da rinofaringe pelo ar respirado, pelos alimentos regurgitados, pelo contacto de portadores ou doentes infectados, facilitada ,pela posição em decúbito da criança, explica a otite média. A difusão dos germes pela via tubária, canalicular ou sub-mucosa linfática, acompanhada de congestão e infiltração, com redução de calibre, retenção e exaltação da virulência explicam a instalação da moléstia.

Diante dos fatos assinalados, não há dúvida que debilidade congênita (prematuros) ou adquirida (subalimentação, afecção intercurrente), e o ambiente coletivo contaminado, (berçários e hospitais) tendem a favorecer o aumento de otites médias.

A orelha média pode ser série de inflamações, decorrentes de agentes os mais variados que determinam processos patológicos diversos, rotulados com a denominação genérica de otite média. Pode-se tratar de inflamações por corpos estranhos (líquido amniótico, leite), bactérias, vírus ou por sensibilização da mucosa a um antígeno (inflamação alérgica).

Diante do uso e abuso dos antibióticos, tende a adquirir importância na clínica as otites médias viróticas e alérgicas.

Dentre as bactérias predominam germes variáveis com o ambiente, e com o tipo de otite média; si na forma simples ou manifesta predominam os estafilocócos, pneumocócos ou estreptocócos, na forma associada com gastro-enterite pode predominar o colibacilo (MacGibbon) (9) ou o estafilocóco (Del Bosque (10) e Dickinson) (9).

Frente a diferentes variedades de otite média, conforme a etiologia e terreno, na clínica todos os dados .devem ser pensados e analisados para se focalizar adequadamente com que entidade estamos lidando.

Si há otites médias primitivas por infecção tubária de germes virulentos, patogênicos, há outras secundárias a estados de distrofia ou queda de resistência, em que germes banais da rinofaringe e da tuba (microbismo latente), diante da queda do equilíbrio biológico, concorrem para a instalação de um processo inflamatório da orelha média.

Sejam otites médias primitivas ou secundárias, elas podem ser ativas ou inativas, i.é, acarretar ou não sintomas locais e gerais devido ao processo inflamatório tendente a difundir-se ou vencer as barreiras naturais.

Quando a otite média se acompanha de quadros gerais do tipo dispepsia, por exemplo, diz-se que é dotado de características toxígenas na dependência da virulência do germe, da condição imunitária da criança, da retenção do exsudato, etc.

A relação otite média e dispepsia constitui um dos problemas doutrinários mais discutíveis, não só entre otologistas e pediatras, como entre os membros de uma mesma especialidade. Os reflexos da atitude frente ao problema, cria embaraços na orientação terapêutica, razão porque, encaramos o problema como otorrinolaringologista. Sabendo da existência de diferentes formas de otite média, e da sua possibilidade toxígena, a nossa intervenção nos quadros de dispepsia está na dependência do diagnóstico e da terapêutica geral do pediatra, com quem colaboramos para esclarecer e favorecer a resolução do caso.

FORMAS CLÍNICAS - As salpingo-timpano-antrites ou otoantrites bacterianas do lactente, podem ser classificadas clinicamente em:

1) otite média (f. manifesta
"sensu strictu" (f. latente
ou timpanites (f. oculta

2) antrites ou (f. manifesta
otoantrites (f. oculta
(f. latente

ou de outro modo:

1) f. manifesta (timpanite ou otite
(média "sensu strictu";
(antrite ou otomastoidite

2) f. lactente (timpanite ou otite
(média "sensu strictu";
(antrite ou otomastoidite

3) f. oculta (otite média
("sensu strictu";
(antrite

As f. manifestas de otite média ou de antrite são aquelas que apresentam sintomatologia geral e local, que possibilita ao otologista firmar o diagnóstico de um processo inflamatório alojado principalmente na caixa do tímpano e/ou no antro. As formas latentes 3e otite média e antrite, são as que na ausência de sinais físicos evidentes, demonstram pela cirurgia e pela evolução a presença de inflamação ativa na caixa do tímpano ou na cavidade antral.

As formas ocultas de otite média e de antrite, defendidas por certos A.A., consistiriam em casos de crianças distróficas ou em toxicose, que submetidas a abertura das cavidades aurais respectivas, se apresentam com as mesmas sãs, sem sinais macroscópicos de exsudato inflamatório, e após a intervenção mostram uma transformação clínica para cura do paciente; êstes fatos existem na Clínica, mas a patogenia é discutível, e o valor causal de uma provável otite, não é reconhecido por todos. Nestes casos a membrana timpânica é normal, e a paracentese é branca, não há otorréia pós-operatória e o paciente melhora; ou então, o paciente não melhora, o estado tóxico continua, suspeita-se de uma provável antrite bloqueada, fazse a antrotomia exploradora e a cavidade é normal, mas o paciente melhora a seguir. É a chamadas "forma dos pediatras", cuja identificação como otite média é posta em dúvida por muitos especialistas. Melhor, seria procurar uma explicação mais concreta e científica para a melhora da toxicose.

As otites médias manifestas, chamadas também francas ou estênicas, são as formas clínicas de evolução rápida, precedida de rinofaringite com febre elevada (39°), em lactentes eutróficos, com bom estado geral ou distúrbios ligeiros, sejam, digestivos (anorexia diarréia, vômitos), ou nervosos (insônia, torpor e convulsões). A manifestação otálgica, negada por alguns e aceita por outros, terá a sua identificação através o chôro, a agitação, a rotação da cabeça ou as mãos na cabeça. O sinal do tragus, de VACHER ou RIETSCHEL, consitindo na reação dolorosa, em que a criança adormecida desperta pela pressão do meato externo cartilaginoso, é interpretado de maneira falha na prática, levando a conclusões errôneas quanto a existência de otite média aguda; as nossas verificações em recém-nascidos doentes e normais levou a conclusões duvidosas quanto ao seu valor semiológico, razão porque damos pouco valor a êste sinal. Com 2-3 dias de evolução aparece a otorréia, quando a coleção líquida da caixa, e a lesão da mucosa criaram condições de retenção e necrose da membrana timpânica; nas formas menos ativas, poder-se-ia dar a cura pela drenagem tubária e reabsorção do exsudato

O diagnóstico da otite média não perfurada, será sempre completada pelo exame O.R.L.. A presença de secreções nas fossas nasais, ou descendo pela rinofaringe é sinal de grande probabilidade, firmando a presença da moléstia que precede a instalação da otite.

A otoscopia, após limpesa adequada da orelha externa, e a utilização sistemática de lentes de aumento, mostra os sinais evidentes de inflamação da caixa. Devido às dimensões do meato acústico externo, e à disposição com tendência para horizontalidade da membrana timpânica (ângulo tímpano-meatal superior menor do que 30°) a imagem otoscópica do lactente para ser interpretada necessita de uma certa experiência do otologista. Se a membrana congesta, está infiltrada e abaulada, a paracentese é indicação absoluta, para drenar a coleção intra-timpânica.

Se a congestão é constituída por vasos difusos ou limitados a região póstero-superior, ou se acompanha de bolhas (miringite flictenular e gripal) a orientação é de expectativa e tratamento médico, pois que não há certeza de coleção intra-timpânica, e a miringotomia em nada auxiliará a cura da afecção.

Desde que haja perfuração espontânea (ótorréia) ou cirúrgica (paracentese) a temperatura e os sinais gerais cedem, evoluindo para a normalidade. A otoscopia será repetida cada 3-5 dias, e a criança acompanhada até a normalização do quadro geral e otoscópico.

Si após a paracentese, os sintomas gerais não cedem completamente, se a lesão é bilateral, a atorréia persiste apesar da terapêutica adequada por mais de 2-3 semanas, suspeita-se de osteite ossicular ou parietal, de reação hiperplástica e fungosidades que favorecem a retenção da inflamação no ático ou no antro. A antrite manifesta pode se apresentar sob 2 tipos clínicos. 1.°) A criança com anorexia, perda de pêso, febre e otorréia, pode mostrar na otoscopia vários aspectos: edema e infiltração da Shrapnell e ângulo póstero-superior (retro-timpânico); umbilicação do quadrante póstero-superior em "teta de vaca", pólipo mucoso, recidiva rápida dá otorréia após secar a perfuração posterior da membrana. 2.°) Presença de edema retro ou -suprauricular, na ausência de sinais da otite média prévia; fato raramente visto na clínica.

FORMAS LATENTES - As otites médias latentes é a variedade que mais de perto interessa a todos nós, otologistas e pediatras, e razão principal desta e de muitas outras reuniões médicas. São as crianças com sintomas gerais predominantes e mais ou menos graves, em que a semiologia otológica é difícil e freqüentemente duvidosa, com aspectos otoscópicos inéditos e atípicos que exige do especialista experiência no assunto. Dada a freqüência das otites médias nos primeiros meses do lactente, e sua associação com estados tóxicos, distróficos e infecciosos a colaboração das duas especialidades é uma necessidade na prática clínica, e a otoscopia será um exame de rotina.

Não entraremos no problema doutrinário da relação, otite-dispepsia, porém, lembraremos a importância fisiopatológica do sistema nervoso autônomo e da sua agressão nas síndromes gerais; de acôrdo com as idéias de REILLY, MARQUEZY e MLLE. LADET (2), - a inflamação da orelha média e a irritação de terminações nervosas múltiplas (trigêmeo, facial, glossofaríngeo, vago e simpático periarterial) pode desencadear quadros toxinfecciosos ou gerais ou a distância do aparelho auditivo.

De maneira geral as otites médias latentes, chamadas astênicas, são mais comuns em berçários, em pacientes débeis, afeta as duas orelhas, e se acompanha com mais freqüência de antrite e de toxicose reversível ou mortal.

O lactente doente é atendido primeiramente pelo pediatra com um quadro de toxicose (neurotóxica, digestiva, ou desidratante), de desnutrição ou infeccioso, e este especialista firmará o diagnóstico e avaliará as possibilidades etiológicas, dando a medicação adequada e urgente, visando evitar uma fase irreversível do quadro tóxico-infeccioso.

Diante do lactente com êstes quadros, a suspeita otogênica é levantada por sinais manifestos (otite média manifesta) ou sem elas (ot. m. latente). Os sinais gerais sòzinhos, não firmam diagnóstico de otite média; se a otoantrite é causa comum de toxicose em crianças predispostas, a etiologia é muito variada (alimentar, atmosférica, traumática, outras infecções bacteriana e viróticas) de maneira que deve ser orientada o diagnóstico pelo pediatra.

Os sinais de probabilidade de oto-antrite (rinofaringite e otorréia anterior; adenopatia retro-ângulo-mandibular e justa-mastoidéia) incluem a insônia, a irritabilidade, e os sinais duvidosos de dor aural expontânea (rotação alternada da cabeça, mãos nas orelhas) e provocada (VACHER, GRONFELDER, PINS) que não são constantes e nem sempre confirmativos.

Os sinais otoscópicos na otite latente são de caráter atípico ou deixa dúvidas quanto a presença de processo inflamatório bloqueado no interior da caixa, e, em atividade toxígena. Após a limpeza adequada do meato externo, e o uso de lentes de aumento, pode-se identificar uma membrana patológica ou normal. Se lembrar-mos que a membrana é, mais espessa, e disposta em angulação visual maior do que no adulto, consideramos patológica tôda membrana que não seja brilhante ou que tenha vascularização através a lupa; a presença de mancha luminosa só terá valor após o 3.° mês de vida; apófise externa, cabo do martelo e pregas tímpano-maleolares são bem evidentes nas condições normais. A coloração da membrana pode se apresentar cinzenta, amarelada, rósea, ou fôsca com ou sem sinais de infiltração e abaulamento; êste quando existe é difuso ou localizado nos quadrantes posteriores ou na membrana de Shrapnell.

Desde que a membrana seja patológica, e o quadro geral ou o pediatra informem da importância de uma otite média na doença do lactente, a miringotomia é uma imposição de momento. Nas otoscopias duvidosas a miringotomia vai esclarecer o diagnóstico além de ser terapêutica. Pensamos que após antisepsia da orelha externa, deve-se fazer a paracentese julgando o ato com a vista, com o tacto e com o ouvido. A sensação de infiltração da membrana, o ruído de "folha sêca", e a drenagem de exsudato ou sangue pela incisão vão ajudar a firmar o diagnóstico suspeitado pela otoscopia, pelo exame do temporal, do pescoço, das fossas nasais e da orofaringe.

A "paracentese branca" é aquela que não fornece nenhum dado em favor de otite média; nessas condições a nossa informação ao pediatra é a de que deve ser procurada outra etiologia para o quadro toxi-infeccioso do lactente, que não seja a porção interior da caixa do tímpano. Pode-se tratar de uma aticite ou de uma antrite latente bloqueada; nestas condições, poder-se-á notar nas 48 horas seguintes, uma otorréia por drenagem das cavidades supra e rerto-timpânicas, após redução do processo inflamatório da mucosa. A suspeita de antrite latente poderá ser levantada quando a evolução após a miringotomia não é favorável, continuando os sintomas infecciosos, de desidratação ou de irritação nervosa, e o exame clínico completo afasta qualquer outra etiologia.

Voltamos a citar as pesquisas de AUZEPY e BOUCHE (2) demonstrando que nos serviços de Pediatria e de Otorrinolaringologia de Paris, as antrotomias nos lactentes, por toxicose e quadros afins, reduziram-se tremendamente a partir de 1952. Na Clínica O.R.L. da F.M.U.S.P. e particularmente, neste últimos 10 anos, não tive conhecimento de nenhuma antrotomia nestas condições. Continuamos a atender casos de otite média em lactentes, e utilizando a miringotomia dentro do critério já exposto, i.é, nas formas latentes desde que haja membrana patológica, ou duvidosa, ou ainda quando o pediatra insiste numa provável otite média oculta (membrana normal). A suspeita diagnóstica é firmada com os dados fornecidos pela paracentese; quando "branca", comunicamos ao pediatra a opinião de que: a) "não há sinais de otite média "sensu strictu"; b) convém procurar outra etiopatogenia para a doença; c) aguardar 48 horas para nova otoscopia, e pensar numa provável "antrite latente bloqueada", dependendo da evolução e de outros exames".

Se houver sinais de antrite exteriorizada (endaural e retroaural) ou condições gerais que a preconizem, a cirurgia é relativamente simples, feita com anestesia local e resultados satisfatórios. A antrotomia curativa ou exploradora é considerada por LE MÉE (1) como fiel, fácil e rápida.

Diante de uma toxicose irreversível não será pretensão do otorrinolaringologista curá-la com paracentese ou antrotomia, mas simplesmente, colaborar com a terapêutica geral, cuidando de focos infecciosos que podem ser a causa, a conseqüência ou concomitancia do quadro pediátrico Pensamos que a rehidratação e o uso de antibióticos, nos moldes atuais, concorreram muito mais do que a miringotomia e antrotomia para a diminuição da mortalidade do lactente com toxicose.

No que se refere às formas de otite média oculta, em que a otoscopia e a miringotomia não confirmam a presença de processos inflamatório, mas a evolução pós-operatória é favorável, a afirmativa de otite média é posta em dúvida, e de fato não temos elementos para manter êste diagnóstico; a melhora deve ser procurada em outros fatos que acompanham o quadro da doença.

TERAPÊUTICA E PROGNÓSTICO - Na terepéutica da otite média deve-se salientar as duas grandes entidades.

Na forma manifesta, seja de otite ou antrite com sinais evidentes de infecção bacteriana, precedida por rinofaringite, e apresentando retenção e coleção intracavitária, a drenagem cirúrgica conserva ainda o seu papel primordial. A orientação do otologista é a que deve prevalecer pela intervenção cirúrgica associada a antibioticoterapia, e tratamento da rinofaringe.

A miringotomia não será um simples ato final da terapêutica, mas parte de um plano que visa acompanhar o paciente até a normalização do quadro otoscópico. Procuramos ressaltar com esta orientação, o uso de antibacteriano em dose adequada, e, a ventilação da orelha média, até a sua normalização. Se há casos de otite média congestiva que não necessitam drenagem, há os de coleção purulenta com retenção aue determinam não só quadro geral toxi-infeccioso, como tendência á cronicidade. Esta cronicidade é favorecida pelo uso insuficiente de antibióticos, e pela falta de paracentese, o que levará a permanência de reações hiperplásticas, coleções líquidas recidivantes (otite média secretória) sem otorréia, mas com prejuízo da função auditiva. Não há dúvida que se tem assinalado o aumento dos casos de hipoacusia de condução, em crianças, por otites médias crônicas não perfuradas e seqüelas respectivas, o que parece estar relacionado a uma atitude demasiadamente conservadora das otites médias de lactentes.

Nas otites médias latentes cabe ao pediatra o diagnóstico geral e na suspeita do foco otológico, pedir a colaboração do otologista. Diante da otoscopia atípica ou duvidosa, a intervenção cirúrgica prevalece como diagnóstico e terapêutica.

Si os dados otológicos foram negativos para a otite média ou antrite, cabe alertar o pediatra na orientação etiológica; de qualquer maneira a terapêutica geral (hidratação e antibióticos) cabe ao clínico da criança, e ao especialista a intervenção cirúrgica e a orientação pós-operatória, assim como os esclarecimentos especializados até a cura completa da otite.

Se há otites médias toxígenas ,existem também as não toxígenas, secundárias a queda do estado geral e exaltação dos germes rinofaringo-otológicos e que tendo boa drenagem pela tuba, cedem com a terapêutica geral.

No diagnóstico da otite média e avaliação da sua importância patogênica, não se deve esquecer que a tuba parte integrante da orelha média, colocada entre a caixa e a rinofaringe, rica em tecido linfóide, vasos e nervos, não fica indiferente ao quadro infeccioso. A adeno-salpingite auditiva vem explicar muitos aspectos duvidosos do diagnóstico e da terapêutica da otite média; tanto é verdade esta concepção, que muitas suspeitas de otite média, foram resolvidas brilhantemente apor aspiração das secreções rinotubárias (LE MÉE) (1) ou pela adenoidectomia (BARON) (1). A nossa orientação é adotar como rotina, a pincelagem da adenóide e rinofaringe com antisépticos em todo o caso suspeito ou certo de otite média. Utilizamos para esta manobra a via nasal, por meio de estiletes porta-algodões adequados.

Tôda vez que fôr feita a miringotomia, e houver queda da temperatura e aumento do pêso em 48 horas, não há dúvida de que o fóco estava relacionado com a doença do lactente. Se os sintomas gerais não melhoram nos primeiros 2 dias, suspeitar de lesão antral ou outro fóco infeccioso (pulmão, rins, etc.) Se após a melhora seguem-se novas recidivas do quadro tóxico, pode-se repetir a paracentese desde que haja novos sinais de coleção purulenta e retenção. Se existe no primeiro ano de vida, tecido embrionário submucoso na orelha média, as possibilidades de edema e retenção, são mais comuns do que a criança maior. A repetição da paracentese, é aceita, diante do quadro geral ou local recidivante, mas não será aprovada desde que não tenhamos elementos semiológicos e nem resultados clínicos para insistir no ato cirúrgico e desvirtuar a sua indicação assim como a pesquisa de outras causas da moléstia.

O curativo da orelha, feito pelo especialista periódicamente, permite acompanhar a evolução da otite média. O uso local de gotas, tem indicação limitada, seja como analgésico, seja como antiséptico e detergente de exsudato; é evidente que a incisão da membrana timpânica, permite penetração mínima de medicamentos no interior da caixa. O objetivo do medicamento local é auxiliar a drenagem, e evitar a contaminação dia orelha externa, até que a tuba auditiva possa funcionar normalmente, drenando e ventilando a orelha média. A antisepsia da rinofaringe auxiliada por vaso-constritores, é talvez mais eficiente que a medicação local usada pelo meato externo.

RESUMO

A otite média do lactente pode ter origem bacteriana, virótica, alérgica ou irritativa (corpos extranhos alimentares). A otite média bacteriana do 1.° ano de vida, é tanto mais grave quanto mais jovem o paciente, podendo se apresentar sob 3 formas clínicas:

1.°) f. manifesta com sinais otológicos evidentes da moléstia; 2°) f. latente em que os sinais otológicos são atípicos ou duvidosos, e a cirurgia confirma o diagnóstico; 3.°) f. oculta, é a chamada otite média, que não tem confirmação semiológica e nem cirúrgica, mas que demonstra a cura dos sintomas após a drenagem da caixa do tímpano ou abertura do antro mastóideo: esta última forma clínica é interpretada por grande número de especialistas como de etiologia a ser esclarecida e causa otológica duvidosa. A otite média latente, caracterizada por sintomas gerais tóxico-infecciosos, dispépticos e/ou desidratantes, é orientada inicialmente pelo pediatra, que instalará com a devida urgência a terapêutica antibacteriana e a hidratação adequada; na suspeita de uma otite média associada o otorrinolaringologista colaborará no diagnóstico; diante de uma membrana timpânica patológica ou duvidosa a paracentese será feita imediatamente, servindo para completar o diagnóstico e agir como terapêutica. Quando a paracentese é "branca" será levantada a suspeita de uma antrite bloqueada latente ou de outra causa etiológica a ser esclarecida nas primeiras 48 horas. Desde que se confirme uma otite média, o paciente será acompanhado pelo otologista até a cura integral com normalização da membrana timpânica.

SUMMARY

Middle-car otitis in infants may be of bacterial, allergic, irritative occurrence or caused by virus (strange alimentary corporal). In the first year of life, bacterial middle-ear otitis proves the more serious as the patient is younger and may occur under three clinical forms: 1. Manifest form, with obvious otological signs of the disease. 2. Latent form, in which the otological signs are atypical diagnostics. 3. Hidden form, the so-called middle-ear otitis, void of semiological or surgical confirmation, but one which is apt to bring recovery after the drainage of the ear-drum or typanum case, or after an opening of the antrum-mastoid, this latter clinical forma being explained by a number of specialists a being so far of unknown etiology and dobtful otological cause. Latent middle-ear otitis, characterized by general toxic-infectious symptoms, either dyspeptical or dehydrating is to be attended to in its outsed by a pediatrcian who will urgently provide for an antibacterial therapeutics as well as a suitable hydratation. Should an eventual suspicion of associated middle-ear otitis arise, then the co-operation of an otorhinolaryngologist is to be required for the purpose of diagnostics: upon occurring a pathological tympanic membrane or just a suspicious one, a paracentesis must be undertaken at once, as being effective in completing the diagnostics and in working upon as a therapeutical shift. In case of "xwhite" paracentesis, a suspicions of a latent blocked antritis will necessarily emerge, such suspicion may be, however, of some other etiological cause to be cleared up in the first 48 hours. A middle-ear otitis, once duly established, the patient
will be provided medical attendance by an otologist until final recovery, with
normalization of the tympanic membrane.

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(*) Palestra nos Dep. de Pediatria e de O.R.L. da A.P.M. - (12-6-62); Jorn. méd. Alta Paulista, da A.P.M. - (Tupã) - Set.° 1962; mesa redonda de O.R.L. e Pediatria. Publicado Ped. Prát. Vol. 33, Ag. 1962.
(**) Assist. Docente da Faculd. de Med. da Univ. de S. Paulo (Serv. Prof. R. da Nova); Chefe do Serviço O.R.L. do Hosp. do Serv. Pub. Estadual.

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