Versão Inglês

Ano:  2000  Vol. 66   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 475 a 478

 

EFEITO DA CIRURGIA ENDOSCÓPICA NASAL NO CONTROLE DA ASMA.

Effects of Endoscopic Sinus Surgery on Asthma Management.

Autor(es): Richard Voegels*,
Fabrizio R. Romano**,
Josiane F. Aguiar***,
Carlos E. N. Nigro** ;
Ossamu Butugan****.

Palavras-chave: asma, cirurgia nasal, cirurgia endoscópica, sinusite

Keywords: asthma, endoscopic sinus surgery, sinusitis

Resumo:
Introdução: A relação entre doença nasal e asma vem sendo aventada há séculos. Desde Galeno, no século 2, diversos autores apontam relações entre estas entidades. Objetivos: O objetivo de nosso estudo foi o de avaliar os resultados da cirurgia endoscópica nasal no tratamento de indivíduos portadores de rinossinusite crônica e os efeitos em seu quadro pulmonar. Material e métodos: Realizamos um estudo retrospectivo com 40 pacientes portadores de asma e submetidos à cirurgia endoscópica nasal por quadros de rinossinusite crônica. A proporção de mulheres-homens foi de 3:1, e a idade variou de 15 a 66 anos, com média de 41. Foi obtida melhora dos sintomas pulmonares após a cirurgia em 67,5% dos pacientes. Entre os pacientes portadores de polipose, a melhora foi de 74,2%, e entre os portadores de intolerância ao ácido acetilsalicílico, todos melhoraram. Em nenhum caso houve piora do quadro asmáticio. Resultados: Nossos resultados foram compatíveis com os dados encontrados na literatura, o que nos permitiu concluir que a cirurgia endoscópica nasal proporcionou uma melhora do quadro asmático na maioria de nossos pacientes, sugerindo portanto a existência de uma correlação significativa destas doenças. Baseados nestes resultados, sugerimos que seja considerada a intervenção cirúrgica no tratamento de rinossinusites refratárias ao tratamento clínico em pacientes portadores de asma.

Abstract:
Introduction: Since Galenus, in the 11 century, several authors have proposed the existence of a correlation between asthma and nasal diseases. Purpose: The purpose of our study was to evaluate the results of endoscopic sinus surgery in patients with chronic rhinossinusitis and its effects on pulmonary symptons of these patients. Material and methods: We carried a retrospective study of 40 patients that had asthma and underwent endoscopic sinus surgery. We had three women for each men, and the age ranged between 15 and 66 years (media of 41 years). 67.5% of the patients experienced improvment of their asthmatic conditions after surgery. The patients with polyposis had na improvment rate of 74.2%, and the ones with Widal's triad got all better. In none of our cases there had been worsening of the pulmonary symptons. Results: Our results are compatible with most of the data from others authors. Therefore, we could conclude that endoscopic sinus surgery was effective in improving the asthma symptons of most of our patients, showing that there must be some strong relation between these two diseases. We also recommend that patients with severe asthma must be carefully searched for nasal disease.

INTRODUÇÃO

A relação da doença nasal com a asma tem sido descrita há muitos séculos. Galeno, no século 2, acreditava que as secreções das fossas nasais e das vias aéreas inferiores eram provenientes do cérebro, o que só foi contestado no século 17, após estudos anatômicos que demonstraram não haver pertuito entre o cérebro e as fossas nasais4. A partir do final do século 19, diversos estudos começaram a demonstrar a associação entre doenças nasais e pulmonares. Kratchmer (1870) demonstrou aumento da resistência das vias aéreas inferiores em gatos, quando se estimulavam as narinas com fatores irritantes, tais como dióxido de enxofre e fumaça de cigarro. Voltolini (1871) relatou um caso de melhora da asma após o paciente ter sido submetido à polipectomia nasal13. Muitos estudos demonstram uma melhora dos sintomas asmáticos em pacientes submetidos ã cirurgias nasais, enquanto outros autores apresentam resultados negativos, mostrando muita controvérsia3, 9. Uma das explicações é que a melhora nos tratamentos para controle da asma e uma melhor compreensão da doença são responsáveis pelos resultados obtidos4.

Os mecanismos propostos para explicar esta relação entre as vias aéreas inferiores e as superiores são: reflexo nasobrônquico com origem no nariz e seios paranasais; secreção retronasal de material infectado ou inflamatório; liberação de mediadores inflamatórios pelos seios paranasais; respiração bucal; redução de beta-agonistas pela infecção sinusal; e secreções sinusais estimulando receptores extratorácicos6.

Dados da National Health Survey indicam que a sinusite ocorre em 14,7% e a asma em 5,14% da população norte-americana, resultando em abscenteísmo e em um impacto na economia de 6.2 bilhões de dólares11, 12. Sinusite crônica coexiste em 40% a 75% dos pacientes com asma6.

O objetivo deste estudo é avaliar de forma retrospectiva os resultados da cirurgia endoscópica nasal no tratamento de indivíduos asmáticos portadores de rinossinusite crônica e seus efeitos no quadro pulmonar destes pacientes.

MATERIAL E MÉTODO

Foi realizado um estudo retrospectivo a partir de prontuários médicos de pacientes submetidos a cirurgias nasais endoscópicas por rinossinusite crônica no período de 1996 a 1999, pela Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Foram selecionados pacientes que referiam asma como antecedente, totalizando assim 53 pacientes. Destes, 13 (24,5%), não tiveram um acompanhamento pós-cirúrgico adequado; e, portanto, foram excluídos do estudo. Os 40 pacientes restantes foram analisados em relação à idade, sexo, doença de base, antecedentes pessoais, tratamento realizado e comportamento da asma após a cirurgia.



Gráfico 1. Distribuição dos pacientes segundo evolução por idade.



Os pacientes responderam questionários com graduações de um (melhor) a 10 (pior) para os sintomas, sendo considerados com melhora os pacientes que apresentavam uma diminuição no score de pelo menos cinco pontos.

RESULTADOS

Entre os 40 pacientes estudados, 30 (75%), eram mulheres e 10 (25%), eram homens, numa proporção de 3:1. A idade variou de 15 a 66, com média de 41 anos (Gráfico 1). Destes pacientes, 31 (77,5%) apresentavam polipose nasal associada; 23 (74,2%) deles apresentaram melhora dos sintomas pulmonares após a cirurgia; seis pacientes (15%) apresentavam apenas sinusite crônica, e destes, dois (33%) tiveram melhora dos sintomas asmáticos; três pacientes (7,5%) foram operados por mucoceles e dois deles (66,6%) melhoraram dos sintomas pulmonares (Gráfico 2). Em relação aos antecedentes, 15 pacientes (37,5%) apresentavam quadro de rinite, e destes 10 (66,6%) obtiveram melhora da asma após a cirurgia; três pacientes (7,5%) apresentavam intolerância ao ácido acetilsalicílico e todos tiveram melhora após a cirurgia (Gráfico 3). Todos os nossos pacientes foram submetidos a cirurgia endoscópica nasal, sendo que em alguns casos houve abordagem externa do seio maxilar ou frontal associada. No total, 27 pacientes (67,5%) obtiveram melhora da asma com a cirurgia. Não houve melhora em 13 (32,5%); porém, nenhum paciente referiu piora dos sintomas após a cirurgia (Gráfico 4).



Gráfico 2. Distribuição dos pacientes segundo evolução por indicações cirúrgicas.



Gráfico 3. Distribuição dos pacientes segundo evolução por antecedente.



DISCUSSÃO

A associação da doença nasossinusal com asma tem sido discutida amplamente por vários autores3; no entanto, ainda não existe um modelo fisiopatológico inequívoco comprovando a associação destas duas doenças. Embora não exista relação direta causa-efeito estabelecida entre o tratamento da doença nasossinusal e melhora da asma, grande porcentagem dos pacientes são beneficiados com tratamento cirúrgico6, 10. Os nossos dados demonstram melhora no quadro asmático em 27 pacientes (67,5%), sendo que 18 pacientes (45,5%) apresentaram melhora importante com cirurgia endóscopica dos seios paranasais (maior que 7 pontos).

Segundo Senior e colaboradores, a incidência de rinites em pacientes asmáticos é de 80%, enquanto que 5% a 15% dos pacientes com rinite perene apresentam asma e 53% a 75% das crianças com asma apresentam alteração no exame radiológico dos seios paranasais12. Em nosso estudo, encontramos menor incidência comparado à literatura, apresentando 15 pacientes (37,5%) com quadro de rinite associado à asma. É importante lembrar que em nosso estudo foram incluídos apenas os pacientes asmáticos com indicações cirúrgicas nasais, e talvez seja essa a causa da diferença encontrada.

A relação da asma com a presença de pólipo nasal é analisada por Larsen e colaboradores, mostrando que 7% a 15% dos pacientes com asma apresentavam pólipo nasal, sendo maior a incidência em pacientes com idade superior a 50 anos7. Várias técnicas cirúrgicas são adotadas de acordo com a doença nasossinusal diagnosticada e a experiência do cirurgião.



Gráfico 4. Distribuição dos pacientes segundo evolução.



English (1986), estudando 205 pacientes asmáticos dependentes de esteróides, obteve melhora dos sintomas em 40% dos pacientes após polipectomia endonasal''. Stammberger relatou um estudo com 54 pacientes com asma e sinusite crônica que foram submetidos à cirurgia endoscópica funcional dos seios paranasais, com melhora subjetiva dos sintomas pulmonares em 83% dos casos, sendo confirmada através de teste de função pulmonar. Segundo Senior e colaboradores13, a melhora dos sintomas asmáticos continua a ocorrer até por anos após a cirurgia. Kennedy e colaboradores observaram que 36 (86%) pacientes apresentaram melhora, enquanto que três (7,1%) pacientes não tiveram alteração do quadro e três (7,1%) pacientes apresentaram piora dos sintomas. Quanto ao uso de corticóides, de 24 pacientes em uso dessa medicação, 19 conseguiram diminuir a dosagem, três mantiveram as mesmas doses e dois pacientes aumentaram as dosagens após a cirurgia endoscópica12. Dunlop e colaboradores encontraram 40% de melhora levando à diminuição do uso de corticóide e 6% de piora dos sintomas da asma após a cirurgia endoscópica12. Já o estudo de Nishioka e colaboradores mostra uma melhora da asma em 80% dos pacientes2. Nossos dados mostram melhora do quadro asmático em 74,2% dos pacientes com polipose submetidos à cirurgia endoscópica nasal e dos selos paranasais. Nenhum dos pacientes submetidos à cirurgia nasal apresentou piora do quadro asmático.

Diversos estudos mostram que ocorre diminuição dos sintomas da asma com a cirurgia nasal; porém, sem confirmação estatisticamente significante através das provas de função pulmonares1. Já nos estudos de Nakamura, Ikeda, assim como nos de Stammberger, foi encontrada melhora significativa com essas provas. Foi observada a inexistência de correlação do grau de severidade da sinusite crônica e os resultados das provas de função pulmonares, tanto nos exames realizados no pré quanto no pós-operatório1, 10. Os pacientes com maior melhora dos sintomas nasais não necessariamente apresentaram melhores resultados no controle da asma; porém, os que tiveram piora dos sintomas nasais também tiveram resultados pulmonares pobres6. Também não se observa diferença entre pacientes com ou sem polipose2. Os controles dos pacientes com pólipo nasal e doença sinusal mostram piores resultados em pacientes asmáticos, sendo mais evidente quando associados à intolerância ao ácido acetilsalicílico. Nestes pacientes, não houve diferença entre os submetidos à cirurgia endoscópica e os submetidos à abordagem externa7, 10, Nossa casuística mostra que todos os pacientes com intolerância ao ácido acetilsalicílico tiveram melhora do quadro asmático. Como vários analgésicos e antiinflamatórios podem induzir crises severas de asma, e muitos pacientes com a tríade de Wicial (asma, polipose nasal e intolerância ao ácido acetilsalicílico), apresentam inicialmente apenas sintomas nasais, os otorrinolaringologistas precisam ficar atentos ao prescreverem estas drogas aos pacientes10.

CONCLUSÃO

A cirurgia endoscópica dos seios paranasais em pacientes com rinossinusite crônica refratária ao tratamento clínico permitiu uma melhora do quadro asmático em um número significativo de pacientes. Isto sugere uma provável correlação destas duas doenças, devendo ser considerada a possibilidade de intervenção cirúrgica no tratamento das rinossinusites refratárias ao tratamento clínico em pacientes portadores de asma. É importante lembrar, porém, que nenhum estudo indica um procedimento cirúrgico nasal apenas para controle da asma, a não ser que haja uma rinossinusite crônica resistente ao tratamento clínico concomitante13.

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* Médico Assistente-Doutor da Clinica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo ( HC-FMUSP).
** Médico Residente de 3° Ano da Clínica Otorrinolaringológica do HC-FMUSP. *** Médico Estagiário de Complementação Especializada de 1° Ano.
**** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.

Trabalho realizado na divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP - Serviço do Prof. Aroldo Miniti.
Endereço para correspondência: Fabrizio Ricci Romano - Divisão de Clínica Otorrinolaringológica - Hospital das Clínicas FMUSP. Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 6° Andar - Sala 6021 - São Paulo/ SP - Fax: (0xx11) 280-0299 - E-mail: ted80@uol.com.br
Artigo recebido em 18 de maio de 2000. Artigo aceito em 10 de agosto de 2000.

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