Versão Inglês

Ano:  2000  Vol. 66   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 468 a 473

 

Diagnóstico da Doença do Refluxo Gastroesofágico - Endoscopia Versus pH-Metria de 24 Horas.

Diagnosis of Gastroesophageal Reflux Disease - Endoscopy Versus Ambulatory 24-h Esophageal pH Monitoring.

Autor(es): Flávio H. Ivano*,
Antonio C. N. Nassif Filho**,
Fernando Gortz***,
Rogerio T. Miyake****,
Regina H. Nakamoto*****.

Palavras-chave: doença do refluxo gastroesofágico, monitoração ambulatorial do pH, refluxo gastroesofágico proximal, doença do refluxo gastroesofágico atípica

Keywords: gastroesophageal reflux disease, ambulatory pH monitoring, proximal gastroesophageal reflux, atypical gastroesophageal reflux disease

Resumo:
Introdução: Na doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), há manifestações gastrintestinais e otorrinolaringológicas. Os principais exames complementares utilizados são a endoscopia digestiva alta (EDA) e a pHmetria de 24 horas. Objetivos: Os objetivos deste trabalho são determinar a freqüência das manifestações gastrintestinais e otorrinolaringológicas, na proporção em que ocorrem apenas manifestações otorrinolaringológicas e se a EDA pode ser utilizada como único método diagnóstico na DRGE. Material e método: 178 pacientes submetidos à pHmetria responderam a um questionário, abordando os principais sintomas da DRGE. Resultados de EDA e de laringoscopia também foram anotados. Resultados: 93 pacientes apresentaram refluxo patológico no esôfago distal. Freqüência dos sintomas gastrintestinais: pirose (80,6%), regurgitação (61,3%), epigastralgia (57,0%), náuseas (37,6%), disfagia baixa (17,2%) e vômitos (16,1%). Manifestações otorrinolaringológicas: limpeza freqüente da garganta (50,5%), tosse crônica (47,3%), globus faríngeo (34,4%), disfonia (29,0%), disfagia alta (21,5%) e odinofagia (15,1°,/o). Em 9,7% dos pacientes havia apenas sintomas otorrinolaringológicos. A acurácia da EDA no diagnóstico da DRGE foi de 53%, comparada ao exame padrão-ouro - a pHmetria. Entretanto, a combinação de esofagite moderada, severa ou complicada com dois dos três sintomas clássicos da DRGE -pirose, regurgitação e epigastralgia - teve especificidade de 94% no diagnóstico dessa enfermidade. Em relação à laringoscopia, o principal achado foi o de hiperemia aritenóidea. Conclusões: as principais manifestações da DRGE são as gastrintestinais; todavia, podem ocorrer apenas sinais e sintomas otorrinolaringológicos. A EDA não deve ser utilizada como único método diagnóstico na DRGE; contudo, a pHmetria pode não ser necessária, se houver esofagite moderada, severa ou complicada, associada aos sintomas clássicos da DRGE.

Abstract:
Introduction: there are gastroenterologic and otolaryngologic manifestations in gastroesophageal reflux disease (GERD). The diagnostic studies most used are esophagogastroduodenoscopy (EGD) and ambulatory 24-h esophageal pH monitoring. Aims: The aims of this study are to assess the frequency of gastroenterologic and otolaryngologic manifestations, the rate in which there are only otolaryngologic manifestations and whether EGD may be used as the unique diagnostic study in GERD. Material and methods: 178 patients submitted to esophageal pH monitoring answered to a questionary, about the main symptoms of GERD. Results of EGD and laryngoscopy were also registered. Results: 93 patients presented pathologic reflux into the distal esophagus. Frequency of gastroenterologic symptoms: heartburn (80,6%), regurgitation (61,3%), epigastric pain (57,0%), nausea (37,6%), lower dysphagia (17,2%) and vomiting (16,1%). Otolaryngologic manifestations: throat clearing (50,5%), chronic cough (47,3%), globus pharyngeus (34,4%), hoarseness (29,0%), upper dysphagia (21,5%) and odynophagia (15,1%). In 9,7% of the patients, there were only otolaryngologic symptoms. The accuracy of EGD in the diagnosis of GERD was of 53%, compared to the gold-standard diagnostic study-the esophageal pH monitoring. However, the combination of moderate, severe or complicated esophagitis and two of the - three classic symptoms of GERD - heartburn, regurgitation and epigastric pain-had a 94% specificity for diagnosing this sickness. Conceming to laryngoscopy, the main finding was hyperemia in the arytenoids. Conclusions: the main manifestations of GERD are gastroenterologic; nevertheless, there may occur only otolaryngologic sinas and symptoms. EGD should not be used as the unique diagnostic study in GERD; although, pH Monitoring may not be needed if there is moderate, severe or complicated esophagitis associated to the classic symptoms of GERD.

INTRODUÇÃO

A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) vem sendo muito estudada atualmente. A compreensão desta enfermidade mudou expressivamente nos últimos anos, e as questões que envolvem o seu diagnóstico merecem ser investigadas. Existem dois tipos principais de pacientes: aqueles com sintomas clássicos e outros que têm um quadro voltado para as vias aéreas superiores. Os sintomas clássicos são pirose, regurgitação e epigastralgia, além de outras manifestações gastrintestinais, como náuseas, vômitos e disfagia baixa. A dor ocorre no período pós-prandial (de 30 a 45 minutos após as refeições) e pode irradiar para orelhas, membros e tórax. As queixas otorrinolaringológicas mais freqüentes são: limpeza freqüente da garganta, tosse crônica, globus faríngeo, disfonia crônica persistente ou intermitente e odinofagia.

Deve ser feito exame rigoroso da cabeça e pescoço, mas muitas vezes não são encontradas alterações no exame físico, que é muito importante para descartar outras doenças. A laringoscopia constitui etapa fundamental, pois, no exame da laringe, o otorrinolaringologista muitas vezes é levado a suspeitar de que a laringe esteja sofrendo dano devido à exposição ácida e, conseqüentemente, a levantar a hipótese da DRGE4, 12, 14.

Os métodos diagnósticos complementares mais usados são a radiografia contrastada do esôfago, a manometria esofágica, a endoscopia digestiva alta (EDA) e a monitoração ambulatorial de 24 horas do pH esofágico (pHmetria). Os mais importantes são a EDA e a pHmetria5.

A radiografia contrastada do esôfago mostra alterações estruturais no aparelho digestivo alto. O objetivo é identificar lesões tumorais ou anormalidades específicas que possam provocar o refluxo e não quantificar o grau de refluxo. A presença de hérnia hiatal não é tão relevante quanto se pensava. Aproximadamente, um terço dos pacientes com hérnia de hiato não apresenta evidência de refluxo gastroesofágico, o que mostra que a presença de uma hérnia não é essencial para a gênese do refluxo.

Em relação à manometria, o seu valor principal não é fazer o diagnóstico de refluxo, mas possibilitar a melhor identificação de outras entidades que possam produzir sintomas similares aos do refluxo. Doenças como acalasia, divertículo esofágico e doenças mistas colagenovasculares podem ser confundidas com esofagite de refluxo simples.

A EDA, por sua vez, inspeciona a mucosa de todo o esôfago e pode demonstrar as conseqüências do refluxo. O principal achado é a esofagite, cuja graduação endoscópica é apresentada na Quadro 1. A localização precisa da junção escamocolunar, a presença ou ausência de hérnia de hiato e a presença ou ausência de erosões e ulcerações são observadas.

Por outro lado, a pHmetria avalia objetiva e prolongademente a presença e severidade do refluxo involuntário do conteúdo gástrico para o interior do esôfago.



QUADRO 1 - Graduação endoscópica das esofagites.

Grau 0 - Achados normais. O eritema isolado não é um indicador de inflamação.
Grau 1 - Esofagite leve - patéquias hemorrágicas edema da mucosa, junção escamocolunar não precisa.
Grau 2 - Esofagite moderada - ulcerações lineares da mucosa estendendo-se proximalmente ao esficter esofágico inferior fechado.
Grau 3 - Esofagite severa. As úlceras são confluentes e grande; exsudato fibrinopurulento está presente; a definição da junção escamocolunar é impossivel de ser identificada.
Grau 4 - Esofagite complicada - presença de complicações como estenose, úlcera crônica, úlcera de Barret.



É considerada exame padrão-ouro na avaliação do refluxo gastroesofágico3, 8, 15. A pHmetria é expressa por meio do índice de DeMeester, complexo cálculo matemático que avalia conjuntamente o número de refluxos ácidos, o número de refluxos ácidos prolongados, o mais longo refluxo ácido, o tempo total com pH abaixo de 4,0, a fração de tempo com pH abaixo de 4,0 e a correlação de todos esses dados com os sintomas que o paciente apresenta durante o exame.

Neste trabalho, procuramos respostas principalmente às seguintes questões:

1) Qual é a freqüência das manifestações gastrintestinais e otorrinolaringológicas na DRGE? Em que proporção existem apenas manifestações otorrinolaringológicas?

2) Qual é a acurácia da EDA, comparada à pHmetria, para o diagnóstico de DRGE? A EDA poderia ser utilizada como único método diagnóstico da DRGE em alguma situação, de forma que seria desnecessária a realização da pHmetria?

MATERIAL E MÉTODO

Este trabalho foi realizado na Clínica Sugisawa, em Curitiba, no período compreendido entre novembro de 1998 e março de 2000, no qual 178 pacientes foram submetidos à pHmetria de 24 horas. Eles responderam a um questionário, dirigido à presença ou não dos seguintes sintomas: 1) Sintomas gastrintestinais: epigastralgia, pirose, regurgitação, nauseas, vômitos e disfagia baixa; 2) Sintomas otorrinolaringológicos: disfonia, limpeza freqüente de garganta, tosse crônica, disfagia alta, globus faríngeo e odinofagia. Os pacientes referiram seus sintomas numa escala de zero a quatro: 0 = ausência do sintoma;1 = sintoma presente ocasionalmente, masque não incomoda o paciente; 2= sintoma presente ocasionalmente, que incomoda o paciente em suas atividades diárias; 3= sintoma freqüente, que incomoda o paciente em suas atividades diárias; 4= presença severa do sintoma, incapacitante. Para fins de análise, consideramos o sintoma ausente na escala de 0 a 1; e presente, de 2 a 4.



Gráfico 1. Freqüência das manifestações gastrintestinais em patológico comprovado à pH-metria.



Gráfico 2. Freqüência das manifestações otorrinolaringológicas em pacientes cone refluxo patológico comprovado à pH-metria.



Descrição da monitorização computadorizada do pH intraesofágíco: todos os pacientes realizaram o estudo de pH em regime ambulatorial, com o Synetics Digitrapper MK III. Um eletrodo de pH de antimônio foi posicionado 5 centímetros acima da borda superior do esfíncter esofágico inferior. Refluxo ácido foi definido como uma queda no pH abaixo de 4,0. A duração total dos exames foi, em média, de aproximadamente 24 horas. Durante os estudos, foram registrados o número de refluxos ácidos, o número de refluxos ácidos prolongados, o mais longo refluxo ácido, o tempo total com pH abaixo de 4,0, a fração de tempo com pH abaixo de 4,0 e a correlação de todos esses dados com os sintomas que o paciente apresentava durante o exame. Esses dados foram analisados por intermédio do índice de DeMeester (IDM), e o paciente era considerado como portador de refluxo gastroesofágico patológico se o IDM fosse superior a 14,72.

Além disso, os resultados da endoscopia digestiva alta (EDA) e da laringoscopia direta foram também anexados aos prontuários dos pacientes que realizaram esses exames num prazo de até um mês antes de se submeterem à pHmetria.

RESULTADOS

A idade dos pacientes variou entre 21 e 82 anos, com uma média de 43,4 anos; 102 pacientes (57%) eram do sexo feminino; e 76 (43%), do sexo masculino. O IDM foi superior a 14,72 em 93 (52%) dos 178 pacientes submetidos à pHmetria. Os sintomas apresentados por esses pacientes comprovadamente com doenças do refluxo gastroesofágico estão demonstrados nos gráficos 1 e 2.



Gráfico 3. Número de pacientes por sintomas apresentados.




Dos 93 pacientes, 64 (68,8%) apresentaram um ou mais sintomas gastrintestinais e um ou mais sintomas otorrinolaringológicos; 20 (21,5%) pacientes apresentaram apenas sintomas gastrintestinais; e 9 (9,7%) pacientes, exclusivamente sintomas otorrinolaringológicos (Gráfico 3).

Dos 178 pacientes que realizaram a pHmetria, 142 realizaram a EDA até um mês antes da realização daquele exame. Do grupo com refluxo patológico no esôfago distal (93 pacientes), 77 foram submetidos à EDA. Desses, 40 (51,9%) apresentaram esofagite de qualquer grau, com ou sem outras lesões. Pacientes em número de 30 (39%) apresentaram outras lesões, como gastrite, duodenite, hérnia hiatal etc., sem esofagite. A EDA foi normal em 7 (9,1%) dos 77 pacientes com refluxo patológico comprovado à pHmetria. Por outro lado, entre os 85 pacientes com IDM inferior a 14,72, 65 realizaram a EDA: em 34 (52,3%), o exame demonstrou esofagite de qualquer grau, com ou sem outras lesões; em 21 (32,3%), havia outras lesões, como gastrite, duodenite, hérnia hiatal etc., sem esofagite; e em 10 (15,4%), a EDA foi normal. Os dados obtidos estão apresentados na Tabela 1. A EDA, comparada com a pHmetria, exame padrão-ouro para a DRGE, teve sensibilidade de 52% (40/77), especificidade de 48% (31/65), valor preditivo positivo de 54% (40/74) e valor preditivo negativo de 46% (31/68). A acurácia geral da EDA foi de 53% (74/140) na realização do diagnóstico de DRGE.

Haveria situações, no entanto, em que a pHmetria seria desnecessária? Haveria situações em que a combinação de sintomas associada à EDA poderia confirmar a presença de DRGE? Para responder a essa questão, analisamos todos os pacientes com esofagite moderada, severa ou complicada (Graus II a IV, segundo a classificação endoscópica das esofagites, anteriormente citada), mais a presença dos três sintomas cardinais da DRGE, e que apareceram com maior freqüência neste trabalho: pirose, regurgitação e epigastralgia. Consideramos a hipótese positiva quando pelo menos dois desses sintomas estavam presentes. Pacientes em número de 40 enquadraram-se na hipótese considerada; 36 tinham refluxo patológico à pHmetria. A Tabela 2 mostra os resultados obtidos. A esofagite Graus II a IV, associada a pelo menos dois dos três sintomas clássicos da DRGE (pirose, regurgitação e epigastralgia) obteve uma sensibilidade de 47% (36/77), especificidade de 94% (61/6-5), valor preditivo positivo de 90% (36/40) e valor preditivo negativo de 60% (61/102) para a DRGE.


TABELAS 1



TABELAS 2



Nos nove pacientes que apresentaram exclusivamente sintomas otorrinolaringológicos, como limpeza freqüente de garganta, tosse crônica, globus faríngeo etc., sem nenhuma manifestação gastrintestinal, sete foram submetidos à EDA, que foi normal em dois pacientes (28,57%). Dois pacientes (28,57%) tinham hérnia de hiato, sem esofagite. Três pacientes apresentavam esofagite; em dois (28,57%), esofagite de Grau I (leve) e em um paciente (14,29%), esofagite de Grau II (moderada).

Entre os 93 pacientes com índice de DeMeester superior a 14,72,16 (17%) realizaram laringoscopia. Utilizou-se a seguinte classificação para os achados laringoscópicos: laringite leve hiperemia aritenóidea, moderada; eritema importante, estase de secreções e mucosa de aspecto granular; e severa, ulceração, tecido de granulação e hiperceratose (Hanson e colaboradores,1995). Desses pacientes, todos tinham pelo menos uma manifestação otorrinolaringológica, associada ou não a sintomas gastrintestinais. Os achados foram os seguintes:

- laringoscopia normal - dois pacientes (12,5%);
- laringite leve (hiperemia aritenóidea) - sete pacientes (43,75%);
- laringite posterior moderada - quatro pacientes (25%);
- laringite posterior severa - dois pacientes (12,5%); e
- fenda glótica posterior - um paciente (6,25%).

DISCUSSÃO

Os sintomas gastrintestinais são, obviamente, os mais evidentes na DRGE. As principais queixas são pirose, regurgitação, epigastralgia e disfagia, conforme pôde ser observado. Entretanto, em apenas 9,7% dos pacientes com refluxo patológico à pHmetria ocorreram somente sintomas otorrinolaringológicos. Os mais freqüentes, em ordem decrescente, foram: limpeza freqüente de garganta, tosse crônica, globus faríngeo e disfonia. Estima-se que 20 a 60% dos pacientes com DRGE tenham sintomas otorrinolaringológicos sem pirose e outros sintomas clássicos (Muja e colaboradores2,1999). Essa diferença entre o achado desse trabalho e os dados de literatura ocorreu provavelmente porque o número de pacientes com sintomas exclusivamente otorrinolaringológicos avaliados neste estudo foi pequeno.

O uso da avaliação ambulatorial da pHmetria de 24 horas não é universal, porque nem todos os pacientes têm acesso a esse exame. Conseqüentemente, o tratamento para a DRGE freqüentemente é oferecido sem que se tenha uma confirmação desse diagnóstico.

Esse estudo demonstrou que quase todos os pacientes com esofagite Graus II a IV, associada a pelo menos dois dos três sintomas clássicos (pirose, regurgitação e epigastralgia) da DRGE, possuem refluxo patológico à pHmetria. Essa apresentação clínica tem uma especificidade de 94% e um valor preditivo positivo de 90%. Com base nessa informação, seria possível, portanto, tratar o paciente como portador de DRGE, sem a necessidade da pHmetria, corroborando os achados de outros autores (Tefera e colaboradores16, 1997).

Um erro potencial poderia ocorrer no paciente que desenvolve pirose, regurgitação e/ou epigastralgia severa(s) e esofagite moderada a complicada na esofagite secundária ao uso de medicamentos. Isso pode ser evitado mediante um bom levantamento prévio da história do paciente.

A pHmetria continua sendo necessária em pacientes que apresentam somente sintomas atípicos, entre os quais as manifestações otorrinolaringológicos, ou nós quais haja esofagite leve à EDA; ou, ainda, na presença de esofagite Graus II a IV, mas sem a presença dos sintomas clássicos da DRGE.

Em 48,1% dos pacientes com refluxo patológico demonstrado à pHmetria não havia esofagite na EDA. Para esses pacientes, a pHmetria foi essencial para o diagnóstico de DRGE. Esse resultado confirma a recomendação de Kahrilas e Quigley9 (1996) de que a pHmetria está indicada em pacientes com achados endoscópicos normais, mas com sintomas persistentes de DRGE. O refluxo pode ou não estar acompanhado de inflamação ou irritação da mucosa esofágica, porque muitas variáveis importantes têm sido identificadas como co-fatores na patogênese da esofagite erosiva. Nelas incluem-se a composição do refluxo, o tempo de exposição na mucosa suscetível e a resistência própria do tecido-alvo.

Nos pacientes com sintomas exclusivamente otorrinolaringológicos, observou-se esofagite em apenas três dos sete pacientes que realizaram a EDA (42,86%), sendo classificada como de Grau 11 (moderada) em apenas um paciente. Nesses pacientes, a realização da pHmetria foi decisiva para o diagnóstico de DRGE.

Alguém poderia argumentar sobre a necessidade de se colocar mais de um eletrodo no esôfago, para detectar refluxo ácido no esôfago proximal, muito comum em pacientes com DRGE. Entretanto, foi demonstrado que a pHmetria ambulatorial de 24 horas do esôfago proximal aparentemente tem pouco valor, pois o refluxo proximal não é necessário para causar os sintomas proximais da DRGE, além da pHmetria proximal estar mais sujeita a algumas imprecisões inerentes (Wo e colaboradores18, 1997). A exposição ácida do esôfago proximal parece não ser o fator determinante desses sintomas. A teoria é a de que o refluxo proximal é necessário para o aparecimento somente de alguns dos sinais e sintomas. Laringite, por exemplo, requer exposição ácida direta a laringe. Refluxo na hipofaringe é mais comum nesses paciente; contudo, refluxo no esôfago proximal não o é. Isso sugere uma anormalidade no nível do esfíncter superior do esôfago permitindo refluxo hipofaríngeo, mas não no esôfago proximal. Além do mais, a quantidade de ácido necessária para causar dano à laringe é muito pequena. Essa pequena quantidade pode não ser registrada como anormal ao teste. A DRGE pode causar ou piorar a asma, por promover um broncoespasmo mediado através do nervo vago, não havendo, necessariamente, refluxo proximal. Microaspiração de ácido gástrico também pode precipitar sintomas asmáticos. Mais uma vez, isso pode não ser registrado como uma quantidade anormal ao eletrodo localizado no nível do esfíncter esofágico superior. A pHmetria é considerada como teste diagnostico padrão-ouro para a DRGE, mas tem limitações. Uma limitação é a imprecisão na medição do tempo de exposição ácida no esôfago proximal. A conclusão dos autores é a de que a decisão de oferecer uni tratamento anti-refluxo a pacientes com suspeita de DRGE não deve se basear na presença ou ausência de refluxo proximal.

Os resultados obtidos na laringoscopia confirmam os dados de literatura. O achado mais comum na DRGE é a hiperemia aritenóidea. A laringe posterior é a área mais comumente afetada, provavelmente devido à posição e aos efeitos da gravidade. Vários autores reforçam que um quadro de refluxo deve ser suspeitado quando há hiperemia aritenóidea, disfonia crônica ou tosse crônica inexplicadas. Existe, também, associação entre carcinoma de laringe e refluxo gastroesofágico e, ainda, entre estenose laríngea subglótica e DRGE6, 7, 10, 11, 13, 17.

CONCLUSÕES

As principais manifestações da DRGE são as gastrintestinais. De cada cinco pacientes com DRGE, quatro queixam-se de pirose, e três, de regurgitação ou epigastralgia. Esses são os sintomas cardinais da DRGE. As queixas otorrinolaringológicas mais importantes, em ordem decrescente de freqüência, são: limpeza freqüente de garganta, tosse crônica, globus faríngeo e disfonia. Manifestações otorrinolaringológicas sem a presença de sintomas gastrintestinais ocorreram numa proporção de 10% dos pacientes com DRGE, mas acreditamos que ela seja bem maior, pelas razões acima discutidas.

O achado isolado de esofagite na EDA tem acurácia de 53%, comparado ao exame padrão-ouro - a pHmetria -, para a realização do diagnóstico de DRGE. A EDA não deve, portanto, ser utilizada como único método diagnóstico dessa enfermidade. Entretanto, se houver esofagite moderada, severa ou complicada na EDA, mais pelo menos dois dos três sintomas cardinais da DRGE (pirose, regurgitação e epigastralgia), a pHmetria pode ser dispensada, pois essa associação tem uma especificidade de 94%.

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* Professor Assistente da Disciplina de Clínica Cirúrgica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
** Professor Adjunto da Disciplina de Otorrinolaringologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
*** Acadêmico do Sexto Ano de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
**** Médico Endoscopista da Clínica Sugisawa e da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba.
***** Médica R2 do Serviço de Cirurgia Geral da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba.
Instituição: Santa Casa de Misericórdia de Curitiba - Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Endereço para correspondência: Fernando Gortz - Rua Danilo Gomes, 759 Sb. 1 E - 81670-250 Curitiba/ PR
Telefone: (0xx41) 376-5484 - Fax: (0xx41) 223-7247 - E-mail: fernando_gortz@hotmail.com
Artigo recebido em 13 de abril de 2000. Artigo aceito em 9 de junho de 2000.

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