Versão Inglês

Ano:  2000  Vol. 66   Ed. 4  - Julho - Agosto - (11º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 387 a 394

 

SINUSITE FÚNGICA LENTAMENTE INVASIVA COM EVOLUÇÃO PARA ABSCESSO CEREBRAL. RELATO DE CASO.

Cerebral Abscess in an Indolent Invasive Fungal Sinusitis. A Case Report.

Autor(es): Lídio Granato*,
Oswaldo A. B. Rios**,
Flávio Podula***,
Maristela de Q. Ribeiro****,
Antônio D. Menon*****,
André Bordasch******.

Palavras-chave: sinusite fúngica, complicação, tratamento

Keywords: fungal sinusitis, complication, management

Resumo:
Os autores apresentam caso de sinusite fúngica em paciente com 44 anos de idade, submetida a rádio e quimioterapia como tratamento complementar pós-cirurgia de carcinoma de mama. Clinicamente, apresentava proptose exagerada com sinais de sinusite crônica purulenta. A tomografia computadorizada mostrava processo expansivo constituído de tecido sólido e homogêneo ocupando todos os seios unilateralmente. O diagnóstico de sinusite fúngica foi feito no intra-operatório, com o encontro de uma pasta tipo "queijo acinzentado" ocupando todos os seios e determinando erosão óssea em vários pontos junto à órbita e na base do crânio. Ocorreu a recidiva que ocupava seios paranasais posteriores e que em seguida pode ter favorecido o aparecimento de acidente vascular cerebral na área temporal por provável êmbolo fúngico. O comportamento clínico levou a classificar esta afecção como sinusite fúngica lentamente invasiva.

Abstract:
The authors present a case of cerebral abscess in an indolent invasive fungal sinusitis in a 44 years old mastectomized patient, that was submitted to chemio-radiotherapy. Clinically the patient presented proptosis of the right eye and chronic purulent sinusitis. Solid and homogeneous sinus opacity was visualized by the computed tomography. The diagnosis was made intraoperatory. The material removed from the sinas was gray and compared with peanut butter. It involved all sinuses with spot bone erosion near the orbit and the base of the skull. The disease was considered indolent invasive fungal sinusitis of paranasal sinus.

INTRODUÇÃO

O diagnóstico de sinusite fúngica tem aumentado em todo o mundo. Atribui-se este fato às novas formas de tratamento de doenças neoplásicas e crônicas. A imunodeficiência oferece, na maior parte das vezes, um terreno propício ao crescimento de diferentes tipos de fungos. Estes podem variar conforme a região geográfica, embora o mais freqüente seja o Aspergillus sp (Kameswaran, 1992).

É interessante mostrar a evolução deste caso de pansinusite direita com características invasivas, de crescimento lento, pois trata-se de doença rara. A sinusite fúngica pode se comportar como afecção leve, forma invasiva grave e até mesmo com morte fulminante. A história clínica atual e pregressa, o achado na tomografia computadorizada e o encontro no intra-operatório de massa friável ocupando todos os seios unilateralmente dão a convicção de tratar-se de sinusite fúngica, embora não tenha sido isolado o fungo. A comprovação laboratorial com identificação do mesmo nem sempre é possível.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A sinusite fúngica afeta geralmente pacientes debilitados sob o ponto de vista imunológico, tais como os portadores diabetes mellitus, usuários de corticoesteróides, álcool, toxicos (o uso nasal de cocaína favorece a entrada do fungo), portadores de AIDS e pacientes submetidos à quimioterapia. Ressalta-se que no transplante de medula, quer seja em adultos ou crianças, a quimioterapia leva a severa agranulocitose, tornando os pacientes mais susceptíveis à doença fúngica (Wiatrak, 1991).

A incidência atual da sinusite fúngica corresponde, segundo Aranzábal e colaboradores (1996), a 16% das sinusites crônicas. As estatísticas mostram um aumento na sua incidência, o que se atribui às novas terapêuticas nos pacientes graves e ao maior número de diagnósticos realizados. Sinusites crônicas, geralmente unilaterais, que não melhoram com tratamentos convencionais, precisam ser melhor investigadas com endoscopia nasal e radioimagem.

Na tomografia computadorizada e às vezes na radiografia simples pode se observar opacificação heterogênea com microcalcificações ou opacificação homogênea com lise óssea (Klossek e colaboradores, 1997). Outros dados na tomografia computadorizada sugerem sinusite fúngica: lesão unilateral de um ou mais seios, espessamento mucoperiostal, áreas focais de destruição óssea e concreções intrasinusais muito densas (Pinto Leite e colaboradores, 1992). Chang e colaboradores (1992) acompanharam 13 casos de aspergilose comprometendo os seios paranasais, e encontraram em nove a presença de calcificação. Na maioria dos casos, a estrutura óssea adjacente mostra áreas de erosão e esclerose.

A ressonância magnética ajuda no diagnóstico e se tornará cada vez mais eficiente à medida que se adquirir mais experiência com esta afecção.

A sinusite fúngica pode apresentar um quadro infeccioso, geralmente provocado pelo Aspergillus sp limitado ao seio paranasal afetado (forma não invasiva), e também destruir a parede do seio com ou sem invasão tecidual (forma semi-. invasiva) (Aranzábal e colaboradores, 1996).

Segundo Carpentier e colaboradores (1994), a forma não invasiva pode ser dividida em dois subgrupos: localizada e alérgica e a invasiva, que pode ser indolente (lentamente progressiva) ou fulminante. A sinusite fúngica pode afetar indivíduos imunocompetentes ou pacientes com imunodeficiência. As pessoas do primeiro grupo são mais afetadas pelas sinusites fúngicas não invasivas, enquanto que as do segundo grupo são vítimas de doença fúngica mais grave.

A sinusite fúngica não invasiva (extra mucosa e não alérgica) corresponde à bola fúngica, bola de aspergiloma ou micetoma, correspondendo a um emaranhado de hifas de fungo, com reação tissular mínima (Manning e colaboradores, 1992). O prognóstico é bem favorável e em nosso meio afeta principalmente os seguintes seios em ordem decrescente, segundo Pereira e colaboradores (1997): maxilar, esfenoidal, etmoidal e frontal. Chang e colaboradores (1992) encontraram seis pacientes com bola fúngica e sete com invasão tecidual, num total de 13 pacientes.

A sinusite fúngica extramucosa alérgica caracteriza-se pela presença de muco alérgico que compreende células inflamatórias necróticas, cristais de Charcot-Leyden e fungos esparsos, envolvidos por intensa reação mucosa sem invasão tissular: Em muitos casos, existe correlação entre sinusite alérgica e aspergilose pulmonar alérgica (Manning e colaboradores, 1997). Em geral, são pacientes sem antecedentes de diabetes ou câncer e que se apresentam com obstrução nasal crônica com mucosa polipóide ou polipose nasal. Com certa freqüência, pode se detectar erosão óssea com extensão intraorbital ou intracraniana, quando os pacientes apresentam cefaléia, proptose, e mais raramente, amaurose.

Daghistani e colaboradores (1992) publicaram cinco casos de sinusite alérgica por Aspergillus sp com proptose e sinais de rinite alérgica. Histologicamente, as lesões continham eosinófilos, cristais de Charcot-Leyden e fungos com hifas septadas. Houve crescimento de Aspergillus fumigcatus em todos os casos. Esses autores chamam a atenção à possibilidade de recidiva, desenvolvimento de proptose e simular tumor maligno.

Estes pacientes podem ser submetidos a cirurgia por via endoscópica ou a céu aberto. O material pode se apresentar de cor escura, grosso e pegajoso, circundado por mucosa intensa mente inflamada (Manning e colaboradores, 1997). O mecanismo patogênico mais aceito para a sinusite fúngica alérgica é a hipersensibilidade mediada por IgG e IgE dos fungos Aspergillus e Dematiaceous.

No pós-operatório não se usa medicação antifúngica: porém, corticóides (Manning e colaboradores, 1997). É muito importante o seguimento próximo e prolongado do paciente (De Carpentier e colaboradores, 1994) e que ele seja orienta do em relação à umidade e a manutenção do ambiente doméstico bem arejado.

O exame histológico poderá evidenciar fungos ramificados e segmentados dentro de lâminas de células inflamatórias degeneradas. Nas culturas, encontram-se fungos de várias famílias, embora possa existir alta percentagem de falsos positivos e negativos (Aranzábal e colaboradores, 1996).

O grupo das micoses invasivas, como o próprio nome define, é mais agressiva. Destrói as paredes do seio, expõe as estruturas vizinhas, tais como a órbita e meninge; porém, sem invadi-las. Por essa razão, também poderíamos classificá-la de semi-invasiva ou invasiva de crescimento indolente.

Em geral, a infecção invasiva fulminante que acomete pacientes debilitados é provocada pelo fungo do gênero Mucor (Cundari e colaboradores, 1987) e muitas vezes a apresentação inicial simula neoplasia nasal, pela sua característica de angio-invasão pelos fungos. No entanto, há casos de aspergilose com características semelhantes, provocando invasão rino-sino-orbital com perda de visão, podendo ser fatal (Mauriello e colaboradores, 1995).

Quanto ao diagnóstico, a análise da radioimagem pré-operatória pode mostrar sinais muito sugestivos da doença, embora não patognomônicos. Stamberger e colaboradores (1993) identificaram imagem de densidade metálica em 46% dos casos, num total de 48 pacientes com sinusite fúngica. Este achado é considerado por muitos autores como sendo provocado pelo Aspergillus sp, e esta imagem mais densa é atribuída à presença de sulfato ou fosfato de cálcio e sais de metais pesados, como o cádmio, depositados na área necrótica do micetoma.

Outro aspecto radiológico encontrado nas sinusites fúngicas é a erosão das paredes, que não é provocada pela invasão óssea do fungo, mas sim pela expansão do processo inflamatório crônico, que remodela as cavidades sinusais e provoca absorção óssea (Neves-Pinto e colaboradores, 1990).

O diagnóstico definitivo só pode ser estabelecido pelo aparecimento do fungo em meio especial, como Sabouraud e glicose ágar; porém, quando há contaminação bacteriana pode haver resultado negativo. Outra possibilidade é a colheita inadequada do material. Caso este procedimento não seja feito com critério, provavelmente o resultado será falho. Mesmo nos casos em que a colheita é adequada e a análise for realizada por laboratórios com experiência, o resultado pode ser negativo em casos comprovados de sinusite fúngica. Pereira e colaboradores (1997) encontraram culturas negativas em sete dos quinze pacientes portadores de sinusite fúngica, diagnosticados através de associação dos achados radiológicos e fungos no exame direto.

O exame microbiológico das secreções pode revelar a presença de hifas septadas, ramificadas sugestivas de hialohifomicose. Entre estas, o Aspergillus é mais freqüente. A imunofluorescência direta será no futuro, em nosso meio, um exame muito útil para diagnóstico de certeza. O exame anátomopatológico com colorações específicas, tais como o Grocot (método que permite a visualização mesmo quando há - raras hifas e utiliza a metanamina de prata), Gridley, Pas ou o hidróxido de potássio, revela inflamações crônicas com características supurativas e/ou alérgicas; e, às vezes, revela invasão fúngica.

O tratamento da sinusite fúngica é sempre cirúrgico, podendo sua abordagem ser feita por via endoscópica ou a céu aberto (técnica clássica ou também chamada convencional) ou por ambas num mesmo paciente. O importante é o cirurgião estar seguro de que conseguiu retirar todo processo inflamatório fúngico programado previamente para sua exérese.

O grau de dificuldade para exérese da sinusite micótica aumenta das não invasivas para as invasivas; e, paralelamente, há piora do prognóstico. A forma mais simples é o aspergiloma que dispensa tratamento clínico coadjuvante; e a mais grave é a fulminante, que é rapidamente progressiva.

Com relação à complementação terapêutica pós-cirúgica, ela varia conforme os autores. A utilização de corticóide sistêmico ou tópico e os antifúngicos, tais como a anfotericina ou o itraconazol, serão indicados, respectivamente, conforme o diagnóstico, se de base alérgica ou invasiva não alérgica.

Outra orientação importante no pós-operatório é quanto ao meio ambiente. Lugares mais úmidos são mais propícios a proliferação dos fungos. A maior parte das infecções penetra pela via respiratória e o Aspergillus sp é o principal agente. As espécies Aspergillus fumigatus, Aspergillus flavus e Aspergillus niger são prevalentes na atmosfera e são saprófitas, ocupando geralmente material em putrefação ou no solo. Aproveitam alterações na pele ou nas mucosas para adentrar e crescer lentamente durante meses ou anos (Pereira e colaboradores, 1997).

A infecção fúngica nasosinusal, em geral, não apresenta comportamento agressivo, mas pode acometer a base de crânio através dos forâmes e por destruição óssea, evoluindo para abscesso intra, extra e epidural. Chang e colaboradores (1997) mostraram um caso de abscesso no lobo temporal direito, que apresentava dor facial, perda da visão, perda auditiva direita e alterações dos pares cranianos III, IV e VI provenientes de pansinusite fúngica alérgica por Aspergillussp. Existem ainda, além do Aspergillus sp, outras espécies que foram consideradas patogênicas para o homem, provocando afecções nasosinusais. São elas; Candida sp, Mucorsp, Alternaria sp, Cladosporidium sp, Penicílliuim sp e Fusarium sp. O comprometimento cios seios paranasais é menos comum que o pulmonar (Cedina e colaboradores, 1996). No tratamento cirúrgico das sinusites fúngicas, a drenagem e o arejamento das cavidades paranasais são fundamentais para preservar a normalidade dos seios. O ambiente deve estar arejado e livre de material que possa favorecer o crescimento de fungos.



Figura 1. Corte coronal tomografia computadorizada (TC) mostra processo expansivo constituído por tecido sólido, homogêneo preenchendo todas as cavidades paranasais à direita e fossa nasal homolateral.



Figura 2. Corte axial de TC mostra seio maxilar preenchido por tecido sólido com suas paredes afiladas e empurrando o septo nasal para o lado oposto.




APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

MATM, do sexo feminino, com 44 anos de idade, natural de São Paulo, capital.

Referia obstrução nasal direita há dois anos acompanhada de rinorréia espessa e protusão do olho homolateral. Apresentava dor no olho direito, com diminuição do campo visual, cefaléia, mau cheiro nasal, anosmia, alteração do paladar e sensação de plenitude auricular direita.

Havia sido submetida a mastectomia com esvaziamento axilar há quatro anos e tratamento rádio e quimioterápico. Também fez uso de tratamento hormonal de reposição (menopausa).

Ao exame otorrinolaringológico, havia presença de pólipo no meato médio, bloqueando inteiramente a fossa nasal direita e secreção espessa, com mau cheiro, em grande quantidade no assoalho da fossa nasal direita. A proptose à direita era importante, com o globo ocular deslocado para fora e para baixo em grande tensão.

Na tomografia computadorizada, nota-se processo expansivo constituído por tecido sólido, homogêneo, que preenche totalmente o seio maxilar direito, assim como a cavidade nasal, etmóide, recesso fronto-etmoidal e seio frontal ipsilaterais (Figura 1). As paredes do seio maxilar são bastante afiladas com sinais de remodelação óssea nas paredes da fossa nasal e labirinto etmoidal (Figura 2).

Nota-se solução de continuidade cia fóvea etmoidal à direita da linha média junto à apófise crista galli, onde visualiza-se invasão do processo para o andar anterior do crânio, junto à lâmina cribiforme (Figura 3).

O mesmo tecido ocupa também os seios esfenoidais com sinais de remodelação óssea (Figura 4) e destrói o contorno orbitário súpero-interno, determinando proptose, mas contido pela periórbita.

Obstrução da via lacrimal direita e destruição das paredes do ducto lacrimonasal.

Com estes dados, a paciente foi encaminhada para a cirurgia, com o provável diagnóstico de tumor benigno ou sinusite fúngica invasiva.

A paciente foi submetida a cirurgia através de acesso transfacial, por unia incisão de rinotomia lateral médio-labial direita com prolongamento supra-orbital, associada a sublabial.

Logo após a exposição da região jugal direita, observou-se erosão da parede óssea anterior e medial do seio maxilar, que estava inteiramente ocupado por uma massa acinzentada bastante friável e com muito mau cheiro, que também preenchia as células etmoidais, destruindo a parede medial da órbita e assoalho do seio frontal correspondente. Havia exposição da meninge da fossa anterior, que se apresentava de bom aspecto, logo acima do teto do etmóide. Também pôde se observar mucosa delgada e com aspecto de pseudo-cisto na parede súpero-lateral do seio maxilar, logo após a retirada de toda a massa.



Figura 3. Corte coronal de TC mostra solução de continuidade na região da fóvea etmoidal direita.



Figura 4. Corte coronal de TC remodelação das paredes do seio esfenoidal e erosão óssea.



O seio esfenoidal estava totalmente preenchido por essa massa, com destruição de suas paredes anterior e inferior e do seu septo intersinusal.

Na cavidade nasal havia massa polipóide, que estava aderida no meato médio, no nível óstiomeatal.

O seio frontal, totalmente ocupado pela massa, sempre com o mesmo aspecto, caminhava bastante lateralmente, dificultando a sua retirada.

As paredes ósseas que circundavam as órbitas estavam praticamente destruídas, restando apenas a inferior; portanto, toda a massa estava comprimindo a órbita, levando a grande proptose.

Após a limpeza de todas as cavidades, foram feitas lavagem rigorosa com soro fisiológico e sutura da incisão por planos.

O material, de aspecto polipóide, foi enviado para exame anátomo-patológico, que revelou processo crônico inespecífico, enquanto que parte da massa enviada para bacterioscópico e cultura não evidenciaram a presença de bactéria ou fungo.

A paciente foi acompanhada ambulatorialmente, apresentando evolução satisfatória e recebendo terapia anti-micótica (itraconazol). O controle tomográfico e de ressonância magnética, realizado um ano após a cirurgia, revelou presença de lesão recidivante hiperdensa, com realce homogêneo e discreto ao contraste iodado, ocupando a fossa nasal póstero-superior, seio esfenoidal e células etmoidais à direita, com extensão em região selar (Figuras 5 e 6).

Após a cirurgia e, posteriormente tratamento clínico a paciente praticamente ficou assintomática e, por esta razão, por conta própria, protelou a reoperação. Após um ano do controle radiográfico, subitamente a paciente apresentou quadro neurológico com comprometimento na área da fala e déficit motor do lado direito. A ressonância magnética realizada na época revelou lesão nodular de 6,5 cm, heterogênea, e moderado efeito de massa na região parieto-temporal esquerda com característica de hemorragia intra-parenquimatosa.

Foi levantada a suspeita clínica de êmbolo fúngico (Figura 7) e submetida a punção aspirativa da lesão por craniotomia esteriotáxica. O material foi encaminhado para anatomopatológico e cultura para fungos, não se tendo evidenciado lesão tumoral ou presença de fungos.

A paciente foi submetida também a cirurgia por via endoscópica da região nasossinusal. O material foi enviado para exame e não houve crescimento de fungos.

A ressonância magnética de controle mostrou que a região operada no andar médio da face estava livre de doença (Figuras 8 e 9).

A paciente recebeu alta hospitalar com melhora importante; porém, com algumas dificuldade na área neurológica. Foi o uso de droga anti-micótica e controle rígido ambulatorial. Após o seguimento de oito meses a paciente encontro-se bem, co recuperação quase completa das alterações neurológicas.



 
Figura 5 e 6. TC e RM coronal mostram a recidiva da lesão em seio esfenoidal



Figura 7. RM com abscesso têmporo-parietal originário da metástase fúngica dos seios comprometidos



DISCUSSÃO

A paciente apresentava quadro sugestivo de sinusite com sintomas de cefaléia, obstrução nasal, rinorréia mucopurulenta, às vezes muco-sangüinolenta à direita, com uma tomografia computadorizada realizada há dois anos que mostrava a lesão com dimensões muito menores, restrita ao antro maxilar direito e a região ostiomeatal (Figura 10). À inspeção, notava-se grande proptose direita e mau cheiro que emanava de sua fossa nasal. Segundo vários autores, entre eles Chang e colaboradores (1992), estes são os principais sintomas referidos pelos pacientes portadores de sinusite fúngica. Na rinoscopia à direita, observava-se grande massa polipóide que, após retirada, nos revelava características não infiltrativas e parecia ter origem junto ao complexo óstiomeatal.

A pesquisa da sensibilidade cutânea no nível das hemifaces, mostrava-se preservada, o que de certa forma fala a favor de afecção benigna. A tomografia computadorizada revelava a presença de massa que ocupava todos os seios à direita e levava a erosões ósseas de várias estruturas; porém, com crescimento tumoral mais compressivo que infiltrativo.

O diagnóstico de sinusite fúngica só ficou evidente no campo operatório quando, na primeira cirurgia, se encontrou uma massa tipo "queijo acinzentado" ou "pasta de amendoim" e com forte odor. Até este momento persistia o diagnóstico diferencial de tumor, inclusive com degeneração maligna. Após um ano ocorreu a recidiva, fato muito freqüente nos casos de sinusite fúngica invasiva, e a resistência da paciente em não submeter-se a nova cirurgia proporcionou a formação do êmbolo fúngico. Este surgiu, pelo que tudo indica, da massa fúngica que restava na região esfenoidal e selar direita. O abscesso comprometia a área temporo-parietal em grande extensão. Esta complicação, secundária a sinusite fúngica, é muito rara, sendo apenas relatado um único caso na literatura (Chang e colaboradores, 1977). Há poucos casos descritos de abscesso fúngico na sinusite fúngica, associado a grande comprometimento do estado geral e abscesso em outros órgãos, geralmente em pacientes na unidade de terapia intensiva e pacientes trasplantados e com grande imunodepressão. Graças ao recurso da neurocirurgia estereotáxica, foi possível aspirar o abscesso e devolver a paciente à função motora no membro inferior direito e à fala.



 
Figura 8 e 9. Corte axial T.C. mostra que não há mais sinais de recidiva após último procedimento cirúrgico.



Figura 10 - Corte coronal mostra lesão observada dois anos antes.




No mesmo ato foi realizada a segunda intervenção por via endoscópica, deixando a paciente livre da afecção, pelo menos por enquanto, com comprovação pela tomografia de controle.

CONCLUSÃO

Em função dos dados clínicos, radiológicos, cirurgias e principalmente a evolução da doença, com tendência a recidiva, temos a convicção de tratar-se de quadro de sinusite fúngica classificada como invasiva lentamente progressiva.

Acreditamos que a sinusite micótica esteja aumentando em função de fatos mais recentes, como terapias de longa duração, com antibióticos de amplo espectro, corticóides e também aumento de indivíduos imunodeprimidos, como aqueles submetidos a transplantes e AIDS.

O estudo deste caso, assim como a revisão bibliográfica, incluindo trabalhos bem recentes, nos dá a impressão de que a sinusite fúngica é mais freqüente do que se pensa e nos alerta para estarmos melhor preparados na colheita do material para identificar com certeza, através de meios laboratoriais, o fungo responsável pela afecção. Também, uma vez feitos o diagnóstico e tratamento destes pacientes, procurar fazer um seguimento constante e prolongado, pois a recidiva é bastante freqüente, principalmente nos casos de sinusite fúngica invasiva.

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* Professor Doutor Chefe de Clínica do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
** Residente do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
*** Médico Radiologista do Hospital Santa Catarina - São Paulo.
**** Mestre em Otorrinolaringologia do Departamento de, Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
**** Médico do Hospital Sírio-Libanês.
***** Médico do Centro de Estudos de Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia do Hospital Edmundo Vasconcelos.

Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo e Hospital Sírio-Libanês.

Endereço para correspondência: Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo - Rua Cesário Mota júnior, 112 - 4° Andar - 01277-900 São Paulo/ SP - Telefax: (0xx11) 222-8405.
Artigo recebido em 12 de julho de 1998. Artigo aceito em 2 de setembro de 1999.

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