Versão Inglês

Ano:  1994  Vol. 60   Ed. 1  - Janeiro - Março - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 22 a 25

 

Surdez Súbita: Fatores de Prognóstico

Sudden Deafness: Prognostic Factors

Autor(es): Mónica Gondim (1),
Isabele Pereira Soares (2),
Sulene Pirana (2),
Roberto Zanovello Ognibene (1),
Lázaro Gilberto Formigoni (3)

Palavras-chave: audiometria, surdez súbita

Keywords: audiornetry, sudden deafness

Resumo:
Foram estudados 150 pacientes com diagnóstico de surdez súbita, atendidos no período de 1976 a 1992, com o objetivo de avaliar fatores preditivos de prognóstico. Os pacientes foram submetidos a terapêutica com dextram, por um período médio de 10, 7 dias e acompanhados com avaliações audiométricas diárias. A análise dos resultados mostrou que pacientes com menos de 40 anos de idade e a precocidade na instituição do tratamento (até10 dias) se relacionaram a uma evolução significativamente melhor, por outro lado, perdas auditivas mais severas na primeira avaliação(>45 dB) e presença de vertigem associada foram fatores de pior prognóstico. !Veste estudo, o tipo de curva audiométrica na primeira avaliação não mostrou relação com a evolução do quadro.

Abstract:
We studied 150 patients with sudden deafness examined during the period of 1976 to 1992 to evaluate factors that may affect the prognosis for hearing recovery. All the patients were treated with dextram for about 10, 7 days and were evaluated by audiograms every day. The recovery rate was found to be favorable in younger patients (<40 years old), in those patients that had no vertigo and were treated within 10 days of onset. Patients with severe hearing loss (>4.5 dB) at the initial examination showed poor recovery. In this study the type of first audiogram did not influence recovery from sudden deafness.

INTRODUÇÃO

A surdez súbita se caracteriza por uma perda auditiva sensorioneural de rápida instalação, usualmente severa e de etiologia desconhecida'.

O início súbito da perda auditiva é a principal característica desta patologia. A maioria dos autores considera o termo súbito como a perda auditiva que o paciente pode definir exatamente o momento em que ocorreu, que se instala em um período de algumas horas ou que o paciente nota ao acordar. A surdez que se instala em um período de alguns dias é geralmente classificada como surdez rapidamente progressiva, e apesar de ser usualmente tratada da mesma forma, apresenta-se freqüentemente de forma mais severa'.

Muitos fatores são apontados como possíveis causas da surdez súbita, tais como trombose, vasoespasmo, infecção viral, fístula perilinfática, doenças metabólicas, auto-imunes e outras. Entre elas a etiologia viral e a vascular parecem ser as mais importantes.s.

A etiologia viral tem sido demonstrada por vários autores através de achados histopatológicos e dosagem de imunoglobulinas. Koide e cols. descreveram relação do vírus do Herpes Simples (HSV) com a surdez súbita, e Nomura encontrou evidência de caxumba assintomática em 5% dos pacientes com esta afecção.

A etiologia vascular é mais difícil de ser comprovada, mas, ainda assim, o tratamento geralmente visa o aumento da circulação da cóclea pelo uso de vasodilatadores, expansores plasmáticos, terapêutica híperbárica, entre outros.

É justamente a incerteza quanto à etiologia que leva a contradições em relação ao tratamento. Não existe ainda uma terapêutica comprovadamente eficaz; a maioria dos serviços utilizam um tratamento polimedicamentoso e referem bons resultados.

Alguns fatores, como a idade do paciente, tempo de evolução do quadro, grau de perda auditiva, presença de vertigem e tipo de curva audiométrica têm sido citados como possíveis preditivos de prognóstico

O objetivo deste estudo foi verificar a influência destes fatores na evolução da surdez súbita.

CASUÍSTICA E METODOLOGIA

Foram estudados retrospectivamente 150 pacientes com quadra de surdez súbita atendidas na Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, no período de janeiro de 1976 a abril de 1992.

Os pacientes tinham entre 4 e 75 anos de idade (média=37,9), sendo 65 (43,3%) do sexo feminino e 85 (56,7%) do sexo masculino.

Todos os pacientes foram internados após avaliação clínica e audiométrica e submetidos a terapêutica com dextram 40.000 U, 1.000 ml por dia. Foram submetidos a avaliações audiométricas diárias até a estabilização da curva audiométrica.

Os seguintes fatores foram estudados como possíveis preditivos de prognóstico:








Cofose Platô Ascendente Descendente Amputação de agudos

A resposta ao tratamento foi classificada em:

- Recuperação total (RT): audição a nível de 20 dB ou igual ao ouvido contralateral.
- Melhora parcial (MP): melhora de pelo menos 20 dB em relação à audiometria inicial.
- Inalterado (I): melhora menor que 20 dB da audiometria inicial.

Os resultados foram submetidos a análise estatística pelo método do xI, com nível de significância de 0,05.

RESULTADOS

Em relação ao ouvido afetado 33 (22%) pacientes apresentaram acometimento bilateral e 117 (78%) pacientes apresentaram surdez unilateral, sendo 50,4% no ouvido direito e 49,6% no ouvido esquerdo.

O tempo médio de tratamento foi de 10,7 dias, com os seguintes resultados: 15 (8,2%) dos pacientes apresentaram recuperação total (RT), 73 (39,9%) melhora parcial (MP) e em 95 (51,9%) o quadro permaneceu inalterado (I).

A análise dos fatores revelou:

1. Idade do paciente
2. Tempo de evolução do quadro (do aparecimento do sintoma ao início do tratamento).
3. Grau de perda auditiva na primeira avaliação:
- Tipo I (até 45 dB)
- Tipo 11 (45a75d13)
- Tipo III ( >75 dB)
4. Presença de vertigem
5. Tipo de curva audiométrica na primeira avaliação:











1. Idade do paciente

Todos os casos de RT ocorreram nos pacientes de até 40 anos de idade, com uma diferença estatisticamente significante (x2= 8.38>x2 crit=5.99), ou seja, o fator idade influenciou a evolução nos casos de RT (Gráfico 1).

O mesmo não ocorreu quando comparados os grupos de MPeI.

2. Tempo de evolução

O tempo de evolução variou de 1 a 120 dias (média de 13,4 dias), dos quais 70 (38,89%) tinhamaté 5 dias de evoluçãoe 60,55% até 10 dias.

Todos os casos de RT tinham até 5 dias de evolução, com uma diferença estatisticamente significante (xz=24.09>xzcrit=5.99), indicando a influência do fator na evolução da RT (Gráfico 2).

Dos pacientes que chegaram com até 5 dias de evolução, 14 (20%) evoluíram para RT, 26 (37,14%) para MP e 30 (42,86%) permaneceram I.

Em relação aos grupos de MP e 1 não houve influência deste fator.

3. Grau de perda auditiva

A primeira avaliação revelou que 13 (7,1%) pacientes apresentavam perda auditiva tipo I, 56 (30,6%) perda tipo II e 114 (62,3%) perda tipo III.

Com relação à influência deste fator na evolução da surdez súbita, observamos um melhor prognóstico nos pacientes com perda tipo I, sendo este fator estatisticamente significante (xz=6,21> xz crit=3,841). Os grupos com perda tipo I1 e III não se comportaram de modo diferente entre si (Gráfico 3).

4. Presença de vertigem

78 pacientes (42,85%) apresentaram vertigem concomitante ao quadro. Pela análise estatística notamos que os pacientes com vertigem evoluíram significativamente pior que o outro grupo (Xz=9.85 > x2 crit= 5.991) (Gráfico 4).

Dos pacientes com RT, 21,42% referiam vertigem, 56,16% dos casos com MP e 37,78% dos que permaneceram inalterados.

Os tipos mais comuns de curva audiométrica na avaliação inicial foram a curva em platô (39,9%) e cofose (30,6%).

As curvas descendentes (14,2%), ascendentes (9,8%) e com amputação de agudos (5,5%) foram menos freqüentes.

A análise estatística não demonstrou diferença significativa deste fator nos diferentes grupos (Gráfico 5).

DISCUSSÃO

Em relação às características dos pacientes estudados, 22% apresentaram surdez bilateral, um número bem maior que o citado na literatura, de 0,4 a 1%". Não houve, no entanto, predomínio quanto ao lado afetado e sexo do paciente.

Quanto à evolução do quadro, obtivemos melhora audiométrica, parcial ou total em 48,1% dos pacientes. Este dado não pode ser comparado com outros estudos, dada a variabilidade da população estudada e tipo de tratamento instituído.

A idade do paciente influenciou significativamente a evolução do quadro, pois todos os pacientes que apresentaram recuperação total da audição tinham menos de 40 anos de idade. Este dado nos leva a inferir que, possivelmente, as alterações do ouvido interno decorrentes da idade dificultam a sua regeneração após o quadro agudo que levou à surdez.

A presença de vertigem é sinal de acometimento vestibular e, da mesma forma que as perdas auditivas mais intensas, denota uma lesão mais grave e mais abrangente do ouvido interno e por isso apresentaria também pior prognóstico.

Nosso estudo não mostrou diferença significativa na evolução do quadro em decorrência do tipo de curva audiométrica na primeira avaliação, apesar de alguns trabalhos citarem prognóstico melhor nos casos de perdas nas freqüências graves.

Em relação ao tempo de evolução do quadro, encontramos que todos os pacientes que obtiveram recuperação total da audição tinham até 5 dias de evolução e os pacientes com mais de 10 dias de evolução apresentaram um prognóstico significativamente pior. Este dado revela a urgência na instituição do tratamento da surdez súbita, seja clínico ou cirúrgico.

CONCLUSÃO

S. Tipo de curva audiométrica

A surdez súbita é ainda um tema bastante controverso, desde sua definição, etiologia e tratamento.

A possibilidade de melhora espontânea dificulta a avaliação dos métodos terapêuticos utilizados, levando a maioria dos serviços a utilizar tratamentos polimedicamentosos e algumas vezes empíricos.

Em nosso estudo a idade do paciente, o tempo de evolução do quadro, a gravidade da perda auditiva e a presença de vertigem se mostraram preditivos do prognóstico da surdez súbita.

A diversidade de apresentação e especialmente de resposta aos diversos tratamentos utilizados nos levam a considerara surdez súbita como um sintoma decorrente de etiologias distintas'-,,". O fator etiológico levaria a lesão das células cocleares, potencialmente reversível se tratada precocemente ou com evolução para um quadro degenerativo irreversível, dependendo da gravidade e tempo de instituição do tratamento',".

Desta forma não devemos buscar uma terapêutica ideal para a surdez súbita, mas o tratamento mais adequado para cada caso, que será possível apenas através do desenvolvimento de novos métodos diagnósticos que permitam o conhecimento mais profundo das condições patológicas do ouvido interno.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Dr. José Câmara, médico assistente da Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, pela colaboração neste trabalho.


REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA

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(1) Pós-graduandos na área de Otorrinolaringologia da FMUSP.
(2) Residentes da Divisão de Otorrinolaringologia da FMUSP.
(3) Diretor do Serviço de Otoneurologia da Divisão de Otorrinolaringologia de FMUSP.
(4) Trabalho desenvolvido na Divisão de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e LIM 32. Apresentado como Tema Livre no XXXI Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, em São Paulo, em agosto de 1992.
Endereço para correspondência:
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 6° andar - sala 5021 CEP: 05403 - São Paulo - SP - Tel.: (011) 280-0299
Artigo aceito em 30 de abril de 1993.

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