Versão Inglês

Ano:  1994  Vol. 60   Ed. 1  - Janeiro - Março - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 07 a 10

 

Aspiração de corpos estranhos: Experiência do Hospital de Pronto Socorro -1982-1991 (1)

Foreing Body Aspiration: Experience in Hospital de Pronto Socorro Between 1982-1991

Autor(es): Geraldo Druck Sant'Anna (2),
Antônio Affonso Rocha (3),
Adriana Bigarella Lemos (4),
Ana Paula Ditter Wallauer (4),
Ângela jardim Reis Souza (4),
Carlos Alberto Brinekmann (4)

Palavras-chave: Aspiração, Acidentes, Corpos Estranhos, Crianças

Keywords: Aspiration, accidents, foreign bodies, child

Resumo:
Foram revisados 88 casos de aspiração de corpo estranho (CE) atendidos no período de 1982 a 1991, no Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre - RS. A maior parte dos acidentes ocorreram em pacientes de até 4 anos de idade (61,4%). 0 sintoma mais observado foi a tosse (54,9%). Os corpos estranhos não foram visualizados pela radiografia convencional em mais de um terço dos pacientes e localizavam-se com mais freqüência no brônquio fonte direito (59,1%). Todos os pacientes foram submetidos a broncoscopia rígida sob anestesia geral para confirmação diagnóstico e terapêutica. O número de complicações foi pequeno, quando comparado à literatura, não se observando óbitos. Conclui-se que, em mãos experientes e cercada de cuidados anestesiológicos, a broncoscopia rígida para retirada de C E s é um procedimento seguro.

Abstract:
The authors reviewed retrospectively 88 charts of foreign body aspiration, between 1982 and 1991, at the Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre - RS. The accidents occurred mainly in children up to 4 years-old. The foreign bodies were not visualized by conventional X-rays in one third of the cases and were localized mainly in the right bronchius. All patients underwent to rigid bronchoscopy under general anesthesia for diagnosis and/or treatment. There were a low rate of complications. The authors conclude that broncoscoppy is a safe method for bronchial foreign body removal.

1. INTRODUÇÃO

A aspiração de corpos estranhos (CEs) é uma condição bastante comum, principalmente na infância, predominando na faixa etária entre 6 meses e 3 anos. Este fato está associado à chamada fase oral, período no qual as crianças têm o hábito de levar objetos à boca. A aspiração de CE também apresenta certa prevalência em pessoas idosas, indivíduos com problemas neurológicos, politraumatizados e em casos de abuso de drogas. A natureza dos CEs encontrados nas vias aéreas é variada, porém prevalecem as sementes, fragmentos de carne, ossos, peças de brinquedos, próteses dentárias e dentes quebrados. Notavelmente, a maioria dos objetos aspirados são radiotransparentes, não sendo visíveis à radiografia convencional.

Nos Estados Unidos, até o ano de 1984, ainda morriam aproximadamente 2000 pessoas ao ano por aspiração ou ingestão de CEs, sendo considerada a principal causa de morte entre os acidentes domésticos em crianças com menos de 6 anos de idade'. A taxa de mortalidade por aspiração de CE é, segundo relatos, de 0 a 1,8% s. Com base nestes dados, os autores fazem uma análise retrospectiva de 10 anos de pacientes com CEs nas vias aéreas, do Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre - RS.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Foram estudados retrospectivamente 88 casos de aspiração de CE, atendidos no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre - RS, entre os anos de 1982 e 1991. Coletaram-se dados referentes à identificação, quadro clínico, achados radiológicos, broncoscopia e evolução dos pacientes.

Dos 88 casos atendidos, 36 (40,9%) estavam incluídos na faixa etária de 0-2 anos, e 74 (84,1 %) tinham até 10 anos de idade (Tabela 1). Houve pequena predominância de pacientes do sexo masculino (Tabela 2). Quanto à origem dos pacientes, 27 (30,7%) eram procedentes de Porto Alegre e o restante da Grande Porto Alegre, interior do Rio Grande do Sul e outros estados (Tabela 3). Os pacientes encaminhados por outros serviços médicos somaram 41 (40,6%) dos atendimentos, enquanto que os pacientes que vieram espontaneamente totalizaram 29 (32,9%) (Tabela 4).

3. RESULTADOS


Tabela 1 - Distribuição por Idade



A sintomatologia mais apresentada foi tosse (54,9%) e dispnéia (49,3%). Outros achados clínicos foram engasgo, sibilância, cianose, estridor, diminuição do murmúrio vesicular, tiragem, febre, dor torácica, vômitos, roncos, disfonia e taquipnéia. As pneumonias de repetição foram relatadas como queixa em 1,4% dos casos. A ausência de sintomas foi observada em 4,2% dos pacientes (Tabela 5).

Procuraram o hospital no primeiro dia após o episódio de aspiração de CE 38,6% dos pacientes, enquanto 20,4% até o final da primeira semana. Entretanto, o tempo de evolução do acidente era desconhecido em 26,1 % dos casos (Tabela 6).

Os CEs foram localizados pela radiografia em 38,3% dos exames e, na sua maioria, foram visualizados na árvore bronquial direita (57,2%) (Tabela 7). Os resultados radiológicos estavam presentes em 42,4% dos casos, sendo que a atelectasia e consolidação foram os achados mais freqüentes (Tabela 8).

Na broncoscopia, 61,1% dos CEs estavam no brônquiofonte direito. Os demais foram encontrados no brônquio-fonte esquerdo, traquéia e laringe. Em um paciente foram achados dois CEs (duas sementes, obstruindo, cada uma, um brônquio-fonte). Em oito pacientes foram encontrados CEs nas broncoscopias realizadas, apesar da suspeita clínica (Tabela 9).

Os CEs mais encontrados foram as sementes de frutas (15%), os grãos de feijão (12,5%) e de amendoim (10%), os parafusos, pregos, percevejos e tachinhas (10%), como pode ser observado na Tabela 10.

A maioria das broncoscopias transcorreram sem intercorrências (86,4%). A parada cárdio-respiratória, impactação de CE, espasmo brônquico e laríngeo, erosão de mucosa, sangramento e edema de glote foram as intercorrências relatadas (Tabela 11). Não ocorreram óbitos nessa amostra. Os pacientes que apresentaram complicações permaneceram hospitalizados por mais de três dias, enquanto que os demais receberam alta hospitalar até este período (Tabela 12).

4. DISCUSSÃO

Há concordância entre nossa amostra e a literatura, no que diz respeito à faixa etária dos pacientes que aspiraram CEs. Predominaram crianças de 0 a 4 anos2 4,5,6,8,9.10,11,1Z.". 0 acometimento dessa faixa etária é explicado por várias razões, entre elas: a) o hábito de a criança pequena levar objetos à boca; b) a ausência de molares, propiciando a aspiração de pequenos objetos; c) o desempenho de atividades concomitantes à alimentação, como brincar, correr, chorar; d) as relações anatômicas, o controle inadequado da deglutição; e) a negligência dos pais; f) a associação com obstrução nasal provocada por adenóides, rinites e infecções de vias aéreas superiores (8,11)



Tabela 2 - Distribuição por Sexo



Tabela 3 - Procedência dos Pacientes



Tabela 4 - Tipo de Encaminhamento ao PS I



Tabela 5 - Sinais e Sintomas



Em relação ao sexo, também houve concordância com a literatura, sendo o sexo masculino o mais prevalente, embora este domínio não tenha sido expressivo em nossa casuística.

O sintoma mais apresentado por pacientes de nossa série, bem como na literatura, foi a tosse4.7.9.io.ra Os demais, dispnéia, engasgo, sibilância e cianose, foram observados em menor proporção. Deve-se chamar a atenção para a ausência de sintomatologia após o episódio aspirativo, que ocorreu em 4,2% de nossos pacientes, fato que também é referido pela literatura.
Os pacientes que procuraram nosso serviço o fizeram na sua maioria em até 7 dias (59%). Isso se deve ao fato de ser o Hospital de Pronto-Socorro dirigido ao atendimento de quadros agudos. Vários autores, entretanto, referem pacientes que apresentaram evolução de meses ou anos. 2.3.7.8.9.10

Diferentemente de outras séries, nossa casuística apresentou um número mais elevado de CEs radiopacos (38,3%), tornando a radiologia convencional importante para o diagnóstico de localização. Ainda assim, os CEs mais encontrados foram os radiotranaparentes (predominando sementes, amendoim, feijão, etc.). A radiografia, nesses casos, pode sugerir a presença de CEs em função de alterações secundárias. Em nossa amostra, segundo a tabela 10, os achados mais prevalentes foram as atelectasias e consolidações?.10.11,12

A localização mais freqüente dos CEs foi no brônquio-fonte direito, confirmando a literatura, que relata sua presença neste sítio em 42 a 70,7% dos casos. 3,7.8.13

Em relação a complicações nos períodos trans e pós-endoscópicos, estas foram baixas (13,6%), quando comparadas com dados de outros autores ZÁ',1z,". Deve-se ressaltar o fato de que o Hospital de Pronto-Socorro não dispunha de oxímetros digitais até 1989, que vieram para garantir ainda mais a segurança do procedimento. O tempo de hospitalização foi maior que 3 dias somente nos pacientes que apresentaram complicações. Não houve óbitos nessa amostra.

5. CONCLUSÕES

Analisando os resultados, os autores chegam às seguintes conclusões, relacionadas com a aspiração de CEs, em nosso meio:


Tabela 6 - Tempo de Evolução do Episódio



Tabela 7 - Localização do Corpo Estranho pela Radiografia



Tabela 8 - Achados Radiológicos



1. A maior parte dos casos ocorre até os 4 anos de idade.
2. Tosse, dispnéia e engasgo após o episódio aspirativo são os sintomas predominantes.
3. Mais de 113 dos CEs foram localizados pela radiografa convencional.
4. Os CEs localizam-se com maior freqüência no brônquiofonte direito.
5. A maioria dos CEs é radiotransparente.
6. A broncoscopia rígida, sob anestesia geral, é um procedimento seguro, especialmente se realizada por profissionais experientes e com condições anestesiológicas ideais.
7. É necessário um alto grau de suspeição para o diagnóstico de CEs nas vias aéreas, levando-se em conta que em alguns casos o paciente está assintomático e com Rx normal.
8. São necessárias campanhas de esclarecimento para prevenção destes acidentes.



Tabela 9 - Localização do Corpo Estranho na Broncoscopia



Tabela 10 - Natureza dos Corpos Estranhos



Tabela 11 - Intercorrências




Tabela 12 - Tempo de Hospitalização



REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA

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13. Weissberg D, Schwartz I. Foreign bodies in the tracheobronchial tree. Chest 1987; 91(5): 730-33.




(1) Trabalho realizado no Setor de Otorrinolaringologia do Hospital de ProntoSocorro de Porto Alegre - RS
(2) Médico Otorrinolaringologista do Setor de Otorrinolaringologia do Hospital de Pronto- Socorro de Porto Alegre - RS
Instrutor do Serviço de Otorrinolaringologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre - RS
(3) Médico Otorrinolaringologista do Setor de Otorrinolaringologia do Hospital de Pronto- Socorro de Parto Alegre - RS
(4) Doutorandos da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - RS

Endereço para Correspondência: Dr. Geraldo Druck Sant'Anna Trav. Cel. Antônio Carneiro Pinto, 631801 - Porto Alegre - RS - CEP 90460-020
Artigo aceito em 25 de novembro de 1993.

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