Versão Inglês

Ano:  2000  Vol. 66   Ed. 3  - Maio - Junho - (15º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 295 a 298

 

SURDEZ SÚBITA PÓS USO DE CONTRACEPTIVO INJETÁVEL. RELATO DE CASO.

Sudden Deafness Following Contraceptive Use. Case Report.

Autor(es): Roseli S. M. Bittar*,
Rodrigo A. C. de la Cortina**,
Tanit G. Sanchez*.

Palavras-chave: surdez súbita, tratamento, etiologia, contraceptivos orais

Keywords: sudden hearing loss, treatment, etiology, contrceptives

Resumo:
Muitas etiologias já foram atribuídas à surdez súbita, algumas não completamente elucidadas. Os autores relatam o caso de uma paciente jovem com surdez súbita unilateral com história pregressa de uso de anticoncepcional injetável de progestágeno. Embora não tivesse apresentado melhora de quadro durante o período de internação hospitalar, a mesma apresentou reversão total tardia da disacusia após suspender o uso do medicamento. Assim, os autores concluem que as alterações hormonais podem justificar o quadro de surdez súbita nesta paciente.

Abstract:
Many diferent etiologies had been attributed to Sudden Deafness, some of them not completely clear. The authors report a case of a young, female with history of sudden deafness affecting one side only who had used injecting progesterone contraceptive. Even without any change of symptoms during hospitalization, she lately cleared all the symptoms of hearing loss after stopping the use of contraceptive. The authors agree that hormone changes can explain the occurrence of sudden deafness in this patient.

INTRODUÇÃO

A perda de 30 dB de limiar auditivo em três freqüências consecutivas em um prazo máximo de três dias define o que denominamos de surdez súbita15. Sua fisopatologia tem produzido divergentes hipóteses para definir sua etiologia. O distúrbio circulatório labiríntico foi postulado como fator causal, pela semelhança de apresentação clínica com outros infartos do sistema nervoso central. Entretanto, a grande variação da idade dos pacientes acometidos e a discordância dos achados experimentais com os achados pós-mortem encontrados em pacientes com surdez súbita, não confirmam esta hipótese. Portanto, não é possível afirmar que a causa vascular seja responsável pela maioria dos casos de surdez súbita12. É importante lembrar que as hipóteses mais recentes a favor do processo vascular dizem respeito à isquemia secundária à vasoespasmo, e não tromboembolia como se acreditava anteriormente. A ruptura das membranas do ouvido interno é outra hipótese defendida, pois permite uma explicação para a surdez repentina e sua possível melhora tardia, quando há o fechamento da lesão inicial. Entretanto, na análise histopatólogica, não houve evidência de ruptura prévia da membrana, deixando incompleta a evidência clínica e histopatológica.

Algumas infecções virais sistêmicas podem levar à surdez súbita, observando-se em alguns casos infecções virais previamente ao quadro, o que nos conduz à suposição de labirintite viral coclear. A presença de vírus latentes do herpes foi identificada no gânglio espiral de indivíduos assintomáticos. Há outros achados da participação viral na etiologia da surdez súbita; porém, evidências diretas ainda são estudadas. Os fatores desencadeantes da surdez súbita devem ainda ser comprovados, não se podendo descartar qualquer das hipóteses levantadas ou que possam ainda surgir12, 143.

Muitos autores já descreveram a ocorrência de surdez como efeito colateral dos contraceptivos orais3, 11, 13 ou reposição estrogênica4. A surdez, de forma súbita ou insidiosa, é hoje reconhecida como efeito indesejável do uso dos hormônios ovarianos, tanto estrógeno quanto progesterona3. Esses efeitos indesejáveis dos hormônios ovarianos já são documentados clínica e experimentalmente11, 14, 4. Não obstante, a divulgação de novos casos vem ocorrendo, embora as dosagens de hormônios utilizadas atualmente sejam bem menores do que as que foram usadas no passado, e os sintomas e características vêm mudando em função dessas doses.

Este artigo tem como finalidade relatar um caso de mulher jovem que desenvolveu surdez súbita após o uso de contraceptivo injetável, alertando o colega para possíveis casos que tenham similaridade a este. Através da discussão do caso, pretendemos discorrer sobre a etiologia e tratamento de casos semelhantes.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

C. J. C. O., com 26 anos ele idade, proveniente de São Paulo, previamente hígida, apresentou-se no Pronto-Socorro da Divisão de Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP, com queixa de hipoacusia em ouvido esquerdo com evolução de cinco dias, associada a zumbido súbito, contínuo, de alta freqüência, além de instabilidade. Há um dia da consulta, houve piora significativa do zumbido e da perda de audição. Passou a apresentar vertigem de moderada a forte intensidade, com náuseas, vômitos e alteração de marcha. Fez uso de Dramin®, via oral, sem melhora do quadro. Negou uso de drogas ilícitas, alcoolismo e tabagismo, não apresentando história de trauma ou uso de medicamentos ototóxicos. Relatou quadro de irregularidade menstrual e tensão pré-menstrual (TPM), fazendo uso de Mesigyna® (progestágeno injetável de uso mensal) há seis meses, sendo a última aplicação três dias antes do início dos sintomas.

A paciente foi internada com diagnóstico de surdez súbita esquerda. Sua audiometria de entrada apresentava limiares de 65dB nas freqüências de 500 a 6.000 Hz, discriminação de 28% em 85 dB à esquerda. Sua audição do lado direito era normal (Gráfico l). Foi proposto tratamento clínico com Dextran fisiológico, Nicopaverina e vitamina A. Não apresentou melhora da perda auditiva e zumbido durante Os dez dias de internação, recebendo alta com os mesmos níveis audiométricos da entrada.

Os exames de investigação clínica, que incluíram teste de tolerância a glicose e curva insulinêmica (GTT com insulinemia), provas de função tireoideana, colesterol total e frações, VDRL e RSS resultaram negativos. A ressonância magnética (RM) não evidenciou qualquer alteração em orelha interna ou em região do anguloponto-cerebelar.

A paciente permaneceu em acompanhamento ambulatorial recebendo Nicopaverina e vitamina A por via oral, com a orientação de substituir método anticoncepcional. Foi submetida a avaliações audiométricos trimestrais, sendo que, após sete meses de acompanhamento, apresentou retorno dos limiares audiométricos do ouvido esquerdo aos padrões de normalidade (Gráfico 2).

Após um ano de acompanhamento, a paciente não apresentou recidiva do processo, fazendo uso atualmente de barreira mecânica como método contraceptivo.

DISCUSSÃO

O ciclo ovariano sempre foi reconhecido como desencadeante de sintomas auditivos e vestibulares na mulher, desde melhora da perfórmance auditiva até instabilidade pré-menstrual8. Assim, o uso terapêutica dessas drogas pode também resultar em problemas cócleo-vestibulares11.





Desde a década de 60, época em que foi iniciado o uso dos contraceptivos orais, a literatura tens relatado a ocorrência de problemas da orelha interna conseqüentes ao seu uso. De início, eram relatados casos de surdez súbita7, o que foi atribuído as altas doses de estrógeno contidas nesses medicamentos. Apesar disso, foram também documentadas disacusias de caráter insidioso, que aconteciam com o uso dos hormônios durante UM período mais prolongado.

Com o atual uso dos contraceptivos low dose (de baixas dosagens de estrógeno e progesterona), embora sejam menos intensos os efeitos colaterais observados, surdez e tonturas continuam existindo6. Isso parece ocorrer não tanto em relação à dose, mas a uma sensibilidade individual e também à proporção entre estrógeno e progesterona1.

Todos os casos de surdez súbita conseqüentes ao uso de hormônios ovarianos descritos na literatura tiveram boa evolução invariavelmente7. Acreditamos hoje que isso acontece porque os sintomas auditivos e vestibulares são secundários a espasmos vasculares regionais que, quando adequadamente tratados, não deixam lesões celulares definitivas e, portanto, seqüelas.

É interessante notar que, embora não tivesse ocorrido melhora durante a internação, houve recuperação completa da audição com o tratamento clínico prolongado. Muitas vezes em nosso Serviço de Otoneurologia temos notado a recuperação tardia de alguns portadores de surdez súbita. Embora haja autores que atribuam essa ocorrência a uma ausência de resposta das células chiadas sem lesão estruturais, à semelhança da neuropraxia do VII par, não sabemos ao certo porque isso acontece.

Em relação ao tratamento, nossa conduta tem sido, sempre que possível, o uso ele Dextran fisiológico 1/40.000 e Vitamina A na fase aguda, que compreende os dez primeiros dias de evolução do processo10. Nos casos de espasmo vascular, como acreditamos que seja este, o resultado tem sido muito bom, pois o Dextran comprovadamente melhora o fluxo terminal da cóclea9, promovendo melhor perfusão de um tecido que precisa de aporte suplementar de glicose e oxigênio. Mesmo assim, nosso seguimento pós-internação é de pelo menos seis meses, visando o acompanhamento e avaliação laboratorial do paciente, em busca de prováveis fatores causais, que poderiam levar a outros problemas cócleo-vestibulares.

Gostaríamos ainda de reiterar a importância de procuramos sempre a etiologia cios sintomas apresentados. Mesmo que laja reversão completa da surdez com o tratamento de fase aguda, a manutenção de um processo de base poderia gerar ovos sintomas otoneurológicos no futuro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Assistente Doutor da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, da Universidade de São Paulo - HCFMUSP.
** Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do HCFMUUSP.

Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP - Serviço do Professor Aroldo Mitini

Endereço para correspondência: Dra. Roseli Saraiva Moreira Bittar - Rua Enéas de Carvalho Aguiar, 225- 6° Andar - Cerqueira César - 05403-000 São Paulo/ SP.
Telefone: (0xx11) 3069-6288 - E-mail: rebitar@usp.br
Artigo recebido em 22 de julho de 1999. Artigo aceito em 23 de setembro de 1999.

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