Versão Inglês

Ano:  2000  Vol. 66   Ed. 3  - Maio - Junho - (12º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 279 a 282

 

SCHWANNOMA NASAL COM EXTENSÃO INTRACRANIANA. RELATO DE CASO.

Nasal Schwannoma with Intracranial Extension. Case Report.

Autor(es): Roberto E. S. Guimarães*,
Helena M. G. Becker**,
Cleiton D. L. E. Silva***,
Paulo F. T. B. Crossara***,
Cícero A. Ferreira Jr.***,
Paulo Guilherme O. Saltes****,
Carlos E. Bacchi*****.

Palavras-chave: schwannoma, cavidade nasal, extensão intracraniana, microcirurgia

Keywords: schwannoma, nasal cavity, cranial invasion, microsurgery

Resumo:
Os autores relatam caso raro de schwannoma nasal com invasão intracraniana no serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais. Discutem-se aspectos como freqüência, patogênese, apresentação clínica, achados histopatológicos e imuno-histoquímicos e fazem-se considerações sobre propostas de intervenção observadas na literatura, destacando a abordagem exclusivamente por microcirurgia endonasal.

Abstract:
We report a rare case of a nasal schwannoma with intracranial extension. The following aspects are discussed in this communication: frequency, pathogenesis, clinical presentation, histopathological and immunohistochemical findings, and therapeutic measures. Considerations about the operative approach - endonasal microsurgery only - are also pointed.

INTRODUÇÃO

Schwannomas originários da cavidade nasal são tumores raros- apenas casos esporádicos encontram-se descritos na literatura. Essas neoplasias, originárias das células de Schwann, são tumores habitualmente benignos, de crescimento lento, e podem surgir em qualquer parte do organismo onde se encontrem essas células. No presente relato é descrito um schwannoma nasal com extensão à fossa cerebral anterior (o que o torna ainda menos freqüente), que foi removido através de microcirurgia endonasal isolada.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

Trata-se de paciente do sexo feminino, com 16 anos de idade, leucoderma, com quadro de obstrução nasal progressiva à esquerda, associada a rinorréia mucóide e episódios esparsos de epistaxe de pequeno volume, com cerca de seis meses de evolução. Não havia relato de perda visual, diplopia, dor orofacial ou paralisias da face. Apresentava ainda hipotireoidismo e hipertensão arterial leve de diagnóstico recente, em avaliação propedêutica.

O exame físico revelou a presença de tumoração rósea, polipóide, facilmente sangrante ao toque em fossa nasal esquerda. Tomografia computadorizada (TC) de seios da face demonstrou lesão de 44 x 25 mm em seus maiores eixos no plano coronal acometendo a cavidade nasal e a região etimoidal à esquerda, deslocando o septo para a direita, destruindo as trabeculações etmoidais desse lado e obstruindo a drenagem dos seios frontal e maxilar esquerdos: Projetava-se superiormente em direção à lâmina crivosa do etmóide, alcançando a fossa craniana anterior em situação paramediana esquerda. A ressonância magnética nuclear (RMN) evidenciou lesão com sinal levemente heterogêneo, predominantemente em T1, com áreas de hipo e hipersinal em T2, impregnando-se intensamente pelo contraste, não havendo evidências de infiltração meníngea ou do tecido cerebral adjacente (Figuras 1 e 2). A primeira hipótese clínica foi de meningoencefalocele, não sendo portanto realizada a biópsia ambulatorialmente devido ao risco de formação de fístula liquórica.

Procedeu-se então à ressecção cirúrgica da massa tumoral via endonasal, com injeção prévia de fluoresceína intratecal, no intuito de se detectar possível defeito dural durante o ato cirúrgico. Houve lesão meníngea com extravasamento de líquor corado pela fluoresceína em topografia de deiscência óssea de lâmina crivosa, corrigida prontamente com enxerto de músculo e fáscia temporal, fragmento de mucopericôndrio de corneto e cola biológica. Ao ressecar-se a massa, não havia evidências de infiltração de tecidos adjacentes.

O exame anatomopatológico foi diagnóstico de schwannoma: à macroscopia a lesão era constituída por vários fragmentos irregulares de tecido pardo-amarelado e de consistência elástica, com áreas de aspecto mixóide, medindo em conjunto 5,0 x 3,5 x 1,5 cm. Microscopicamente, observaram-se fragmentos de neoplasia benigna de origem neural parcialmente revestidos por mucosa respiratória, constituídos pela proliferação de células fusiformes cone núcleos alongados, sem atipias, e dispostas em paliçada formando colunas em torno ele matriz fibrilar delicada; presença de áreas mais compactas (Antoni A) e áreas mais frouxas, de aspecto mixóide (Antoni B), e de vasos com paredes hialinizadas, alguns trombosados. Não foram identificadas figuras de mitose (Figura 3). O estudo imuno-histoquímico confirmou o diagnóstico morfológico de schwannoma, revelando nas células tumorais intensa expressão para proteína S-100 e colágeno tipo IV, e negatividade para GFAP (proteína ácida fibrilar glial) (Figura 4).



Figura 1. RMN (corte axial) evidenciando massa que ocupa a fossa nasal esquerda, deslocando o septo nasal e determinando retenção de secreção cai seio maxilar.



Figura 2. RMN (corte sagital): falha óssea do assoalho da fossa cerebral anterior e invasão da mesma, sem sinais de infiltração meníngea ou do parênquima cerebral.



Figura 3. Schwannoma; aspecto típico do arranjo em paliçada (HE, 400X).



Figura 4. Imuno-histoquímica: positividade intensa e difusa para proteína S-100 (400X).



A paciente apresentou boa evolução no pós-operatório e, em cerca de sete meses de acompanhamento ambulatorial, não apresentou evidências de lesão residual ou recorrência, com melhora total do quadro clínico. Não foram observadas evidências de outros schwannomas ou de neurofibromas.

DISCUSSÃO

Neoplasias originárias das células de Schwann ocorrem raramente na cavidade nasal, seios paranasais e nasofaringe, correspondendo apenas a 4% ele todos os schwannomas da região da cabeça e pescoço - tal fato causa certa surpresa, considerando-se que são encontrados com relativa freqüência em várias outras regiões do corpo e que de 16 a 45% dos casos ocorrem nesse segmento1, 2, 4, 8, 13. Os schwannomas têm sido relatados em regiões como espaço parafaringeano, faringe, língua, meato acústico interno e externo, palato mole, laringe e traquéia. O envolvimento combinado nasal-etmoidal é o mais comum, seguido, em ordem de freqüência pelo acometimento do seio maxilar, cavidade nasal e seio esfenóide1, 8, 9. Pacientes de todas as idades são afetados; porém, há um pico de incidência entre a terceira e a sexta década; usualmente, não há diferença de raça ou sexo, exceto para os tumores intracranianos, com uma relação mulher:homem de 2:111. Entre 430.000 exames anatomopatológicos diversos analisados num período de 70 anos, Perzin e colaboradores8 relataram apenas 11 casos; a literatura apresenta outros relatos, mas não encontramos grandes casuísticas3, 5.

Com exceção do nervo olfatório (que, assim como o nervo óptico, não exibe células de Schwann), qualquer dos nervos responsáveis pela inervação do nariz ou dos seios paranasais pode ser ponto de origem da neoplasia; a identificação precisa não é, entretanto, habitual. A origem do schwannoma em nosso relato é portanto Obscura: a inervação da cavidade nasal é determinada pelos ramos oftálmico e maxilar do trigêmeo, fibras parassimpáticas do gânglio esfeno-palatino e fibras simpáticas do plexo carotídeo, e o tumor pode ter se originado em qualquer desses pontos. O tumor tende a expandir as cavidades sinusais e reduzir a espessura das parceles ósseas, ao contrário de outras neoplasias (como o carcinoma espinocelular), que, nessa localização, determinam erosão óssea1, 7, 8, 9, 13.

A apresentação clínica é similar à de outras massas nasais de crescimento lento, sendo os sinais e sintomas dependentes do sítio anatômico, nervo de origem e/ou da compressão de nervos adjacentes. Observam-se obstrução nasal, epistaxe, hiposmia, dor e edema facial, proptose e rinorréia mucopurulenta. A epistaxe ocorre quando há envolvimento da cavidade do nariz e complexo etmoidal; a dor está associada à localização em seio maxilar e, geralmente, ocorre à palpação local. No seio esfenoidal, os tumores estão associados a sintonias de diplopia (secundários à disfunção/lesão dos pares cranianos III, IV e VI), dor retro-orbitaria profunda e,/ou cefaléia fronto-occipital e bitemporal. A TC é fundamental para avaliação da extensão e localização da lesão, além de possibilitar um planejamento terapêutico mais preciso. A RMN é útil para o estudo das partes Isoles adjacentes, avaliando-se assim a presença ou ausência de infiltração neoplásica nesses tecidos3, 7, 8, 9, 13.

O schwannoma (também conhecido como neurilemoma e neurinoma) foi descrito como uma entidade patológica por Verocay, em 1908; e, posteriormente, classificado por Antoni, em 19209. Considerado um tumor grau I pela OMS, macroscopicamente é geralmente encapsulado, bem delimitado, esférico ou ovóide e mede desde alguns milímetros até vários centímetros de diâmetro. Tem consistência firme e superfície externa multinodular. Ao corte, mostra aspecto fasciculado cru espiralado, cor esbranquiçada; pode conter cavidades císticas, áreas amareladas e focos de hemorragia. O aspecto histológico varia segundo o constituinte celular e seu arranjo, sendo descritos, classicamente, dois tipos. O tipo A de Antoni (fasciculado) é formado por células alongadas, dispostas em feixes que se entrecruzam em várias direções ou formam espirais. Os núcleos, em geral alongados, ocupam a parte central das células, e os do mesmo feixe se colocam no mesmo plano, formando paliçadas; estas, quando fletidas, adquirem o aspecto de vórtices. A estrutura fibrilar é bastante - densa, mas constituída por feixes de fibrilas muito delgadas que se coram com corantes à base de prata para fibras reticulares. Corpos de Verocay (constituídos por duas fileiras paralelas de núcleos com o espaço central ocupado por material homogêneo, denso e hipereosinofílico) são comuns. No tipo B ele Antoni (reticular) as células são polimorfas e delimitam pequenos vacúolos que conferem ao tumor aspecto "em favo de mel"18, 8. É freqüente a associação dos dois tipos histológicos na mesma lesão, embora o predomínio de um ou outro não tenha qualquer implicação prognostica7. O tumor é bem vascularizado; é freqüente a hialinose da parede vascular, com trombose oclusiva e, conseqüentemente, hemorragia recente e antiga, necrose de áreas da neoplasia e acúmulos de macrófagos xantomizados. Existem variantes raras do schwannoma: celular, plexiforme e melanocítica11, 8. A imuno-histoquímica, rotineiramente mostra expressão forte e difusa de proteína S-100, freqüente de Leu-7 e focal, em alguns casos, de GFAP10. A grande maioria é de tumores esporádicos, mas múltiplos schwannomas ocorrem em síndromes hereditárias, como a neurofibromatose tipo 2 e a schwannomatose6. A neoplasia apresenta crescimento lento e apenas raramente sofre transformação maligna12. O diagnóstico diferencial deve ser feito com neurofibroma (por vezes difícil, mas fundamental, pois este apresenta um potencial de malignização de cerca de 10 a 15% em casos de neurofibromatose1), leiomioma, melanoma, leiomiossarcoma, fibrossarcoma, tumores malignos da baínha de nervos periféricos, além de lesões ósseas e fibro-ósseas, de processos de fibrose inespecífica e de trombos em organização11, 8.

Os schwannomas são rádio-resistentes sendo a excisão cirúrgica completa o tratamento de escolha. O prognóstico é excelente se o tumor for completamente removido. Os acessos cirúrgicos habitualmente descritos são a rinotomia lateral para tumores do etmóide e fossa nasal, e o procedimento de Caldwell-Luc para as lesões do seio maxilar3, 9, 13. Quando, através da TC ou da RMN, houver suspeita de que a remoção da lesão poderá resultar em defeito dural, sugerimos injeção de fluoresceína intratecal durante a indução da anestesia, na tentativa de se detectar pequenos defeitos. No presente relato, as dimensões e a localização da lesão permitiram utilizar com sucesso a via endonasal de forma isolada.

Acreditamos que este é o quinto caso de schwannoma com extensão intracraniana descrito na literatura2, 3, 13, sendo que os demais, por suas características próprias (presença ou não de infiltração elo tecido cerebral adjacente, localização e tamanho das lesões), foram tratados com craniotomia isolada ou associada à via endonasal, ao contrário deste, no qual foi utilizada exclusivamente a via endonasal.

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Dr. Pérsio Godoy (Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal - FMUFMG), pela gentil revisão do texto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da UFMG (HC-FMUFMG).
** Professora Auxiliar do Departamento de Otorrinolaringologia - HC-FMUFMG.
*** Médico Residente em Otorrinolaringologia - HC-FMUFMG.
**** Médico Residente em Anatomia Patológica - HC-FMUFMG.
***** Professor Adjunto do Departamento de Patologia da UNESP-Botucatu.

Instituição: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da UFMG (HC-FMUFMG).
Endereço para correspondência: Paulo Guilherme O. Salles - Rua Pitangueiras 554 - Sto. Antônio - 30350-200 Belo Horizonte/ MG.
Telefone: (0xx31) 296 9851 - Fax: (0xx31) 273-5118 - E-mail: sallesp@ez-bh.com.br
Artigo recebido em 28 de junho de 1999. Artigo aceito em 17 de julho de 1999.

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