Versão Inglês

Ano:  1993  Vol. 59   Ed. 4  - Outubro - Dezembro - (16º)

Seção: Como eu trato

Páginas: 299 a 299

 

Surdez súbita

Autor(es): Nelson Caldas*

O comportamento evolutivo de surdez súbita (SS) tem-se mostrado, em nossa experiência e na maioria dos autores, extremamente inconsistente, ora surpreendendo com curas espontâneas parciais ou totais, ora deixando seqüelas auditivas severas e definitivas, apesar dos mais diversos tratamentos utilizados. Doenças de diagnóstico clínico em geral muito fácil, pois apenas de posse da história do pacientes, uma otoscopia pneumática e um diapasão ele poderá ser feito. Os exames audiológicos posteriores o confirmara e quantificará. Por outro lado, o diagnóstico etiológico tem sido para nós e para a maioria dos colegas dificílimo desde que queiramos ter uma responsabilidade evidente do agente causal e não simplesmente um diagnóstico de aproximação ou suposição.

É por esta razão que muitos especialistas tratam a SS com uma terapêutica tipo "espingarda de cartucho", que espalha chumbo em um círculo grande, tentando atingir o maior número de etiologias prováveis. Achamos que essa conduta, apesar de refletir nossa ignorância, não é condenável desde que não se faça mal ao paciente. Lamentavelmente a determinação de qual ou quais agentes terapêuticos teriam sido responsável(is) pelo sucesso ou fracasso do tratamento fica prejudicada. Por outro lado fica complicada a realização de estudos duplos-cegos para se determinar a eficácia de um determinado tratamento comparando-o com um placebo, pois a gravidade da situação não permite que se ponha em risco um sentido de tamanha importância que é a audição.

A maioria dos tratamentos da SS inclui, isoladas ou em combinações, as mais variadas drogas e métodos. Comentaremos a respeito dos mais comuns e finalizaremos com a nossa preferência pessoal.

Corticosteróides, vasodilatadores, anticoagulantes, antiagregantes de hemácias, sedativos, vitaminas, bloqueios de cadeia simpática cervical, oxigenoterapia hiperbárica, carbogenoterapia e hemodiluição figuram entre eles. Alguns destes tratamentos são feitos em regime de internação hospitalar com a administração de medicação endovenosa ou intramuscular e sob observação médica ou paramédica. Temos encontrado rejeição por parte dos pacientes em um significativo número de casos, especialmente, se não há tontura incapacitante envolvida. Em geral acham que o internamento hospitalar com a administração de soro na veia seria uma medida muito agressiva em relação às suas queixas.

Parece ser mais uma tendência das escolas francesas a utilização de hemodiluição normovolêmica para tratamento da SS. O método dirige-se como a maioria dos outros para uma suposição de etiologia vascular. Baseia-se em uma retirada de certa quantidade de sangue do paciente e reposição simultânea de igual volume de líquido orais semelhante possível ao plasma. Manter-se-ia assim a volemia, diminuindo-se no entanto a viscosidade sangüínea. Em geral, soluções macromoleculares como o Dextran são as empregadas, pois além de contribuírem com o seu volume para manutenção de volemia, têm propriedade anti-agregante eritrocítica e aumenta o fluxo ao nível da microcirculação coclear. A quantidade de sangue retirado é monitorizado pela hematócrito, que normalmente é mantido entre 30 e 35%, e pode atingir volumes entre 500 ml a 1 litro, dependendo da idade e condições do paciente. Este método tem para nós a desvantagem de o paciente ter que ser monitorizado em unidade de cuidados intensivos, o que é dispendioso e assustador para o paciente.

Outro tipo de tratamento também de escolha das escolas francesas é a oxigenoterapia hiperbárica, que se baseia no fato de que o oxigênio sob pressão é capaz de não só saturar as hemácias como também combinar-se com o plasma, tornando o sangue superoxigenado. Este tipo de tratamento pode ser usado de maneira isolada ou em combinação com outros.Tenha desvantagem de necessitar de uma câmara hiperbárica, tomando o tratamento caro e criando risco de problemas ligados à descompressão, semelhante ao dos mergulhadores. Para o tratamento hiperbárico, é indispensável que o diagnóstico de fístula perilinfática esteja completamente afastado.

Para alguns autores, o tratamento com corticóides é indispensável para a grande maioria dos casos, independente de sua etiologia e é utilizado pelo grupo que defende a classificação de idiopática para a maior parte das SSs. Eles propõem um esquema de tratamento com metilprednisolonapor 12 dias. Nos 3 primeiros dias o paciente toma 16 mg da droga 3 vezes ao dia; nos quarto e quinto dias, 12 mg no mesmo horário; nos sexto e sétimo a dose é diminuída para 8mg também 3 vezes ao dia. No oitavo dia, toma-se 8 mg a cada 12 horas, passando a 8 mg apenas pela manhã e no nono e décimo dias. Finalmente, nos dois últimos dias, toma-se 4 mg pela manhã.

Outros recomendam o aproveitamento das funções vasodilatadoras do carbogênio (mistura que contém 95% de 02 e 5% de C02) em inalações por 30 minutos, oito vezes ao dia, com intervalos de uma hora por período de 5 dias.

O tratamento cirúrgico da SS é reservado para os casos suspeitos da fístula perilinfática, em que a história seja característica e uma timpanotomia explorada mostre vazamento de perilinfa ao nível de uma das janelas, seguindo-se os critérios já discutidos anteriormente. O tratamento da fistula é feito através da escarificação da mucosa ao redor da área, seguindo-se de seu tamponamento com fragmentos de tecido (fáscia, gordura, etc) ou gelatina absorvível (Gelfoam). Para as fístulas de janela redonda, é preciso que se renova com broca de diamante o lábio posterior de seu nicho para expor sua membrana de maneira mais ampla, facilitando a sua visualização e dando melhor acoplamento ao enxerto. Freqüentemente esta manobra evidencia a presença de uma falsa membrana, representada por uma extensão da mucosa do ouvido médio, que deve ser retirada no processo de escarificação. Ela é superficial à membrana verdadeira e raramente é completa.

É, no entanto, muito importante lembrar que, para as fístulas perilinfáticas, muitas vezes apenas o repouso em decúbito elevado, a exemplo do que se faz para as fistulas liquóricas, é suficiente para resolver o problema.

Particularmente, resumimos nossa terapêutica clínica a dois métodos. O primeiro é semelhante ao utilizado por HAUG et all (Arch. Otolaryngol. 102: 5-8, 1976), que realiza bloqueios do gânglio estrelado de 12 em 12 horas, por 5 dias, com 3 a 5 ml de lidocaina. Nós preferimos utilizar 5 cc de marcaína a 0,5% de 12 em 12 horas em três aplicações, por não acreditar em melhora do quadro após isto. Os bloqueios são realizados por nosso anestesista em sistema ambulatorial. Trata-se de método prático e como vimos não necessita de internamento hospitalar. Os nossos resultados têm sido satisfatórios em cerca de 1/3 dos casos de SS idiopática.

A segunda alternativa é a utilizada por FORMIGONI et ali (Rev. Bras. O.R.L., 42: 2-9, 1976), que consiste na aplicação diária de Dextran 40000 a 10% em 1 litro de soro fisiológico, gota a gota na veia no espaço de 24 horas por 4 dias e 3 mg de dexametazona por via oral, durante a internação com esquema terapêutico decrescente após a alta hospitalar. Este método tem nos dado resultados semelhantes ao anterior no entanto, como já nos referimos, encontra resistência por parte de um certo número de pacientes face a necessidade de internação hospitalar e administração venosa por vários dias. Ainda não temos número válido de pacientes para um melhor julgamento e compará-lo com o ótimo resultado apresentado por seus autores.




* Professor Titular da Disciplina de ORL da Universidade Federal de Pernambuco.

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