Versão Inglês

Ano:  1993  Vol. 59   Ed. 4  - Outubro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 276 a 278

 

Perfurações traumáticas de membrana timpânica.

Traumatic perforations of the tympanic membrane.

Autor(es): Priscila Bogar*,
Luis Ubirajara Sennes*,
Gustavo H.C. Busch**,
Silvio Antônio M. Marone***,
Aroldo Miriti****,
Ricardo Ferreira Bento*****

Palavras-chave: membrana timpânica, trauma craniano, trauma

Keywords: tympanic membrane, cranial injuries, injuries

Resumo:
O presente trabalho apresenta os resultados de 80 pacientes que sofreram perfuração traumática de membrana timpânica, atendidos de dezembro de 1990 a março de 1992, no departamento de otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Os autores relacionam o tamanho, a localização, e a presença de perfuração com cicatrização espontânea. Os doentes foram examinados sob microscopia semanalmente pelo mesmo médico até o fechamento da perfuração ou 90 dias do trauma. As etiologias mais encontradas foram: trauma com cotonete 23, 8%, tapa 11,9%, fogos de artifício 9,52%. Nesse estudo, 19,70% das perfurações não fecharam espontaneamente em 90 dias. Estudando-se somente os pacientes que apresentaram infecção, esse número aumenta para 53%. Os autores concluem que o fechamento espontâneo depende da presença ou não de infecção.

Abstract:
The present paper presents the results of 80 patients who had traumatic perforation of the tympanic membrane, attended from December90 to march 92 in ENT Departament of Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. The authors relate the relationship between the size and localization of the perforation and infection with spontaneous cicatrization. Were examinated 80 patients with traumatic perforation of the tympanic membrane, they were evaluated under otomicroscopy weekendly by the same doctor unti l the perforation closure or until 90 days after the trauma. The etiologies more frequently found were: cotton stick trauma 23,8%, slap 11,9%, fireworks 9,52%. In this study 19,70% of the perforations didn't close spontaneously in 90 days, looking at patients that presented infection this number increases to 53,3%. The authors conclueded that the spontaneous closure of traumatic perforations of the tympanic membrane depends on the presence or not of infection.

INTRODUÇÃO

As perfurações traumáticas de membrana timpânica (PTMT) são muito comuns na prática ORL. Elas podem ser devidas à manipulação direta ou mudanças de pressão:

1. mudanças de pressão: tapa, trauma acústico, esportes aquáticos, fogos de artifício.

2. manipulação: cotonetes, grampos, galhos de árvore, agulhas de tricot ou crochet.

Como o maioria das PTMT fecham espontaneamente, a incidência de resultados favoráveis sem tratamento, tem nutrido uma atitude de simples acompanhamento clínico. É descrito que a reparação tardia de perfurações amplas, particularmente aquelas envolvendo o quadrante póstero superior, favorece complicações e pode deixar corpos estranhos no ouvido médio bem como ossículos deslocados ou fraturados, fístulas perilinfáticas ou colesteatoma1. Para evitar essas complicações, alguns autores sugerem reparo imediato da membrana e verificação da cadeia ossicular.

Lindeman e cols2 estudaram a influência da prótese de papel na cicatrização de perfurações traumáticas agudas, 30 pacientes com prótese de papel e 30 como grupo controle. Nenhuma diferença significativa entre o grupo estudado e o grupo controle foi observada. Eles também observaram que a secreção intermitente não influenciou o resultado final.

O uso de gotas tópicas é defendido por alguns autores, Fry e cols3 afamam que uma solução estéril, viscosa de pH baixo, reduz significativamente a incidência de infecção e não retarda a cicatrização da membrana.

O ácido hialurônico tem propriedades fisicoquímicas que parece ajudar as células do epitélio escamoso fazer uma ponte na perfuração4, 5. Nesse contexto, é interessante que aplicação tópica de ácido hialurônico em perfurações experimentais aumenta a velocidade de cicatrização. Esteróides têm a capacidade de reduzir a síntese de ácido hialurônico4, 5.

Spandow e COls6 estudaram o efeito de hidrocortisona (2%) aplicada topicamente em perfurações experimentais em ratos, eles concluíram que a droga retardava a cicatrização. Eles observaram que o tempo de cicatrização do lado contralateral (controle) foi também retardado. Concluíram que isto podia ser explicado pelo efeito sistêmico dos esteróides, sendoqueas gotas poderiam passar pela tuba auditiva, deglutidas e absorvidas no trato gastro-intestinal.

Armstrong também evita uso de esteróides tópicos1.

O presente trabalho relaciona a presença de infecção, o tamanho e a localização da perfuração com a cicatrização espontânea.

CASUÍSTICA E METODOLOGIA

Foram estudados 80 pacientes com perfuração traumática de membrana timpânica (PTMT), atendidos até 5 dias após o acidente, de dezembro de 90 à março de 92 no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.

Os pacientes eram interrogados quanto à etiologia e sintomas. Foram examinados sob microscopia semanalmente, pelo mesmo médico, até o fechamento da perfuração ou 90 dias após o trauma.

Todos os pacientes foram instruídos a não deixar entrar água nos ouvidos. Antibioticoterapia sistêmica foi ministrada quando secreção purulenta era observada através da perfuração.

Foram considerados resultados ruins quando, após 90 dias, o paciente apresentava o mesmo tamanho de perfuração e/ou perfuração com bordas espessadas, sem nenhuma evidência de tecido cicatricial, ou ainda surdez. Havendo maus resultados o paciente era submetido a tratamento cirúrgico (timpanoplastia com verificação de cadeia ossicular).

As perfurações foram classificadas de acordo com seu tamanha: - até 25 % da área do tímpano.

- de 25 a 50% da área do tímpano.
- de 50 a 75% da área do tímpano.
- mais que 75% da área do tímpano.

Elas também foram classificadas pela sua localização no tímpano: central, ântero-inferior, ântero-superior, póstero-inferior e póstero-superior.

RESULTADOS

Foram examinados 80 pacientes com PTMT, foram excluídos 14 pois não compareceram ao seguimento.

Os resultados foram avaliados de 66 pacientes (66 ouvidos), sendo 32 femininos e 34 masculinos, com idade média de24, 8 anos (variando entre 1 a 65 anos). O ouvido direito foi afetado em 55,3% dos pacientes, nenhum trauma bilateral foi encontrado.

Às etiologias encontradas são listadas no quadro I:


Trauma com conotnete - 23,8%
Tapa - 11,9%
Fogos de artifício - 9,5%
Bolada - 7,1%
Trauma craniano - 7,1%
Mergulho - 7,1%
Lavagem de ouvido - 7,1%
Palito de fósforo - 4,7%
Atropelamento - 2,3%
Inseto - 2,3%
Ski aquático - 2,3%
Galho - 2,3%
Grampo - 2,3%
Lápis - 2,3%
Pente - 2,3%
Unha - 2,3%
Valsalva - 2,3%


Ressaltamos que o trauma com cotonete foi muito mais freqüente em crianças (1 a 7 anos). Todas as perfurações penetrantes foram auto-induzidas.

Sedreção intermitente foi vista em 22,7% dos pacientes, independente da causa da perfuração.

Neste estudo, 19,7% das perfurações não fecharam espontaneamente em 90 dias, observando-se os pacientes que apresentaram infecção este número aumenta para 53,3%.

Analisando-se a localização da perfuração, encontramos que no quadrante ântero-inferior (18 ouvidos) 66,66% fecharam espontaneamente, perfurações centrais (19 ouvidos) 68,42% fecharam, no quadrante póstero-inferior (17 ouvidos) 94% fecharam, e no quadrante ântero-superior (1 ouvido) e quadrante póstero-superior (11 ouvidos) todas fecharam.

Analisando-se o tamanho da perfuração, as perfurações maiores que 75% da área da membrana timpânica tiveram pior resultado.

Traumas graves como luxação ossicular, fístula perilinfálica ou trauma de ouvido interno não foram observados durante o período de estudo.

DISCUSSÃO

É de consenso que a maioria das PTMT fecham espontaneamente.

De acordo com Kelen8, o processo de cicatrização começa lago após a perfuração. No primeiro dia, pode ser visto edema e hemorragia em qualquer uma das 3 camadas da membrana timpânica. Após 36 a 48 horas as células epiteliais começam a proliferar, seguidas pelas células de sustentação7. Apesar de que muitos tímpanos cicatrizam com as 3 camadas, algumas cicatrizes são constituídas de uma única camada transparente e delgada7.

Stefors em 19808 estudou a reparação de perfurações experimentais observando que elas são fechadas pela proliferação de um epitélio escamoso queratinizado hiperplásico que avança sobre um tecido conectivo em crescimento. O epitélio escamoso é guiado por uma espora de queratina. Após o fechamento da perfuração, a hiperplasia do epitélio escamoso cessa rapidamente, e volta a sua espessura normal. Em contraste o tecido conectivo permanece espessado por vários meses.

Govanti el cols9 enfatiza as seguintes causas de falha na cicatrização:

1. perfurações muito grandes

2. falha na proliferação celular da camada epitelial devidas a lesões traumáticas

3. infecção

4. corpos estranhos na perfuração.

Às etiologias encontradas neste estudo podem ser totalmente evitadas. Os pacientes devem ser desencorajados a usar cotonetes ou qualquer outro objeto pontiagudo nos ouvidos, e os traumas causados por esporte aquáticos deveriam ser eliminados se o participante usasse uma proteção.

Apesar de que, complicações como disjunção de cadeia ossicular e danos de ouvido interno parecem serraras, todos os pacientes com PTMT devem ser examinados pelo especialista na fase aguda.

Neste estudo, secreção intermitente vinda do ouvido médio, influenciou muito no resultado final, diminuindo a porcentagem de cicatrização de 80,3% a 46,7%. Esse dado não coincide com a literatura2.

Nós não podemos afirmar que existe relação com a porcentagem de cicatrização com a localização da perfuração, pelo número reduzido de casos em cada uma das 5 localizações propostas.

Os autores concluem que o fechamento espontâneo de perfurações traumáticas de membrana timpânica depende do tamanho da perfuração e a presença ou não, de infecção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ARMSTRONCT,B.W., CHARLOTTE,N.C.: Traumatic Perforation of the tympanic Membrane: Observe or Repair? Laryngoscope, 82:1822-1830,1972.
2. LINDEN P. et al.: Acute Traumatic Tympanic Membrane Perforations. Arch Otolaryngol Head Neck Surg, 113: 1285-1287, 1987.
3. FRY T.L. et al.: Evaluation of Otic Drops on Infection and Healings of Traumatic Tympanic Membrane Perforations. Laryngoscope, 89: 818, 821, 1979.
4. HELLSTRÕM S.; LAURENT, C.: Hyaluronan and Healing of Tympanic Membrane Perforation. An experimental study. Acta Otolaryngol (suppl) (Stockh) supp 1442: 54-61, 1987.
5. LAURENT, C. et al.: Hyaluronan improve the healing of experimental tympanic membrane perforations. A Comparison of preparations with different rheological properties. Arch Otolaryngol,114: 1435-1441,1988.
6. SPANDOW, O. et al.: Hydrocortizone Delay of Tissue Repair of Experimental Tympanic Membrane Perforations. Ann Otol Rhinol Laryngol, 99: 647-653,19901
7. KELEN, PA Jr.: Study of the relationship of Air Pressure to Miringopuncture. Laryngoscope, 68: 2015-2027, 1958.
8. STENFORS LE et al.: Repair of experimental tympanic perforations. Acta Otolaryngol (Stockh), 90: 332-341, 1980.
9. GOVAENTS P et al.: Histological Study of the Thin Replacement Membrane of Human Tympanic Membrane Perforation. Acta Otolaryngol (Stockh), 105: 297-302, 1988.




* Pós Graduandos de Clínica Otorrinolaringológica da FMUSP.
** Ex-Residente da Clinica Otorrinolaringologia da FMUSP,
*** Professor Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.
**** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.
***** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.

Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e LIM- 32.

Apresentado no XXI11 Pan American Congress of Otorhinolaryngology - Head and Neek Surgery, Orlando, 1992.

Endereço. Ar. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 6° andar, sala 602, CEP 05403 - São Paulo - SP.

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