Versão Inglês

Ano:  1993  Vol. 59   Ed. 4  - Outubro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 260 a 262

 

Programa de conservação auditiva.

Hearing conservation program.

Autor(es): Raul Nielsen Ibañez*

Palavras-chave: conservação auditiva, perda auditiva induzida pelo ruído

Keywords: hearing conservation, noise induced hearing loss

Resumo:
Programa de Conservação Auditiva é um conjunto de medidas coordenadas com o objetivo de prevenir perdas auditivas desencadeadas pelas condições de trabalho. Neste estudo o autor associa as informações de literatura sua experiência na implantação de programas que visam impedir que o ruído deteriore a audição de trabalhadores expostos.

Abstract:
Hearing Conservation Programs intend to avoid work conditions related hearing tosses. The author associates literature information with his experience on implementation of noise induced hearing loss avoidance programs.

INTRODUÇÃO

Um Programa de Conservação Auditiva (P.C.A.) é um conjunto de medidas coordenadas que têm por objetivo impedir que determinadas condições de trabalho provoquem deterioração dos limiares auditivos em um dado grupo de trabalhadores. As medidas devem ser coordenadas porque cada uma, isoladamente, apresenta lacunas, as quais devem ser preenchidas pelas outras.

O ruído é o agente ocupacional que mais freqüentemente provoca perdas auditivas. Entretanto, outras condições não podem ser desprezadas, tais como: agentes químicos, radiações ionizantes, acidentes com traumatismo crânio-encefálico, baro traumas, alérgicos. Neste estudo é enfocado o programa destinado a prevenir as perdas auditivas induzidas pelo ruído. Este tipo de programa tem a vantagem adicional de também prevenir os outros efeitos do ruído que não aqueles ocasionados nas vias auditivas.

O P.C.A. envolve a atuação de uma equipe multiprofissional, pois são necessárias medidas de engenharia, medicina, treinamento e administração. Não se pode conceber a efetiva prevenção aos efeitos do ruído sem a redução dos níveis de pressão sonora encontrados nos ambientes de trabalho. Conhecimentos atualizados de acústica devem estar disponíveis para que sejam adotadas medidas técnica e economicamente viáveis no tratamento das principais fontes de ruído que estejam causando lesões auditivas. O reconhecimento dessas fontes de ruído é realizado de duas maneiras: avaliação instrumental do ambiente de trabalho e análise dos exames audiométricos dos trabalhadores expostos. Audiometrias confiáveis são fundamentais para o estabelecimento da etiologia e do caráter evolutivo das perdas auditivas detectadas e a conseqüente tomada de decisões sobre as prioridades e a eficácia do programas3. Algumas decisões importantes são de caráter administrativo, geralmente envolvendo redução do tempo de exposição ao ruído. Entretanto, é sabido que a adesão de todas as pessoas envolvidas no programa, desde os mais altos escalões gerenciais até os trabalhadores expostos, só é alcançada por intermédio de treinamento técnico e motivacional repetido.

AMBIENTE RUIDOSO E EXPOSIÇÃO

Décadas de desenvolvimento com pouca valorização do ser humano envolvido nos processos produtivos resultaram na situação existente no Brasil atual, com ambientes de trabalho nocivos à saúde de múltiplas formas4. O ruído não se furta a esta regra. Mesmo com a crescente preocupação manifestada nos últimos anos pelos diferentes segmentos sociais envolvidos com o problema, constituem-se em exceção as medidas implantadas que efetivamente modificaram a qualidade dos postos de trabalho.

A multiplicidade de situações emissoras de ruído torna complexa e onerosa a tarefa de reverter essa situação. Freqüentemente se faz necessária a atuação de técnicos com apurados conhecimentos de Acústica na elaboração de projetos que solucionem os problemas encontrados. Não deve ser desprezado o fato de que o custo de tais medidas, aparentemente elevado, pode até ser menor do que o custo da manutenção a longo prazo de trabalhadores em ambientes ruidosos, com exames audiométricos, protetores individuais, consultas médicas e treinamento2.

Um aspecto importante a ser considerado é a real exposição do trabalhador ao ruído medido. Nem sempre o local de maior nível de pressão sonora é o ambiente que está produzindo maior número de lesões auditivas5. Faz-se necessária uma detalhada integração entre três informações: os níveis de pressão sonora medidos nos postos de trabalho, o resultado da audio-dosimetria do trabalhador exposto e os achados de seus exames audiométricos. As vezes um excelente trabalho de Engenharia, palpável em número de decibéis reduzidos, pode trazer pouca ou nenhuma repercussão na audio-dosimetria e nas audiometrias do trabalhador, se não era este o principal local produtor das lesões. Mesmo as audio-dosimetrias devem ser encaradas reservas, uma vez que desconsideram completamente o conceito de susceptibilidade individual ao ruído e o uso de equipamentos de proteção auricular.

Qualquer posto de trabalho com níveis de ruído igual ou superior a 80 decibéis medidos com o circuito de compensação "A" pode ser considerado potencialmente patogênico; independente do tempo de exposição do trabalhador6. A existência de locais com estas características deve desencadear a implantação de um P.C.A., a não ser que não haja nenhuma pessoa exposta.

CONTROLE MÉDICO

A atuação dos técnicos da área médica, Médicos do Trabalho, Otorrinolaringologistas e Fonoaudiólogos, se faz a três níveis: monitorização dos limiares auditivos, diagnóstico etiológico das perdas auditivas e educação individual dos trabalhadores expostos.

Um fonoaudiólogo tem papel fundamental neste processo, não só por realizar o exame audiométrico, que em última análise informa sobre a eficácia do programa, mas também por ser uma das poucas pessoas que tem contato individual e demorado com o trabalhador em um momento no qual o ruído é o assunto prioritário. O momento do exame é a hora ideal para, independente de seu resultado, efetuarem-se esclarecimentos sobre os efeitos do ruído e as formas de prevenção, principalmente quanto ao uso dos protetores individuais7. E também do Fonoaudiólogo a tarefa de garantir qualidade e confiabilidade ao exame audiométrico, indispensáveis no reconhecimento da real magnitude do problema e na valorização de pequenas evoluções dos limiares auditivos.

O diagnóstico etiológico das perdas auditivas detectadas e seu caráter evolutivo fornecem informações que nem sempre são adequadamente valorizadas. Uma análise detalhada, seja agrupando os resultados por setores, funções ou grupos homogêneos de exposição, fornece os instrumentos para diversas decisões dentro do programa: áreas prioritárias para a intervenção ambiental, trabalhadores que merecem atenção educacional mais pormenorizada, eficácia das medidas adotadas, etc. Para se obter estas informações é necessário classificar os resultados dos exames e adotar um critério de análise evolutiva, seja através de um ou mais métodos descritos na literatura, seja através de um método desenvolvido pelos próprios técnicos do programas8, 9, 10 ,11.

Uma consulta médica que tenha o objetivo de estabelecer o diagnóstico ou de informar o resultado do exame pode vir a ser o fator desencadeante da adesão ao programa de um trabalhador até então pouco motivado para tal. Devem ser evitadas as comunicações de resultados por pessoal despreparado, constituídas em um ato meramente burocrático.

TREINAMENTO, INFORMAÇÃO E EDUCAÇÃO

Constituem-se em medidas tão importantes quanto as demais do programa. O treinamento deve ser meticulosamente planejado, de forma a estender-se a todos os níveis da organização, abrangendo os conteúdos necessários a cada instância. Os trabalhadores devem ser informados, anualmente e de forma coletiva, sobre os seguintes aspectos: resultados atualizados das avaliações ambientais realizadas, efeitos do ruído no organismo humano, medidas adotadas pelo Programa de Conservação Auditiva e formas de proteção. Em termos ideais, as instruções quanto ao uso dos protetores individuais não deveriam acontecer em grupos demais de cinco trabalhadores, e deveriam ser renovadas anualmente e sempre que detectada alguma evolução dos limiares auditivos atribuível ao ruído. O desenvolvimento de vídeos, folhetos, manuais, cartazes e frases é útil quando perfeitamente integrado ao programa. Os funcionários, a organização que exerçam cargos de chefia, além de receberem o mesmo treinamento dos trabalhadores menos graduados, devem ser encorajados a participar e exigir o perfeito funcionamento de todas as atividades do programa. Já os funcionários e prestadores de serviço com funções específicas dentro do programa devem ser estimulados a manterem-se tecnicamente atualizados, dentro de suas áreas distintas.

MEDIDAS ADMINISTRATIVAS

Podem ser consideradas administrativas todas as atividades de planejamento e avaliação do programa. Entretanto, representam medidas administrativas concretas aquelas que redundam em diminuição do tempo de exposição dos trabalhadores, pela redução da jornada de trabalho, introdução de mais um grupo para o revezamento dos turnos de trabalho, deslocamento de atividades ruidosas para horário de menor presença de pessoal, acesso a áreas ruidosas dentro do estritamente necessário. A adoção de tais medidas só é possível quando o programa conta) com a apoio efetivo das instâncias decisórias superiores e dos) gerentes das áreas produtivas da organização.

CONCLUSÕES

Os Programas de Conservação Auditiva usualmente são coordenados ora por profissionais da área médica, ora por profissionais de engenharia. Infelizmente, nem sempre ocorrem entre esses profissionais o necessário intercâmbio de informações adequado ao sucesso do programa. A simples adoção das diferentes medidas não garante sua eficácia. O fluxo de informações deve ser multidirecional. A ausência de uma medida, por mais simples que seja, pode comprometer os resultados. Por exemplo: se não é adotado um instrumento ambiental o audiométrico de avaliação do funcionamento do programa, com planejar as ações futuras? Se não são implantadas atividades d treinamento e educação, como esperar que os protetores individuais forneçam atenuação pelo menos razoável? Se os exame audiométricos não são sensíveis, confiáveis e meticulosamente interpretados, como avaliar a eficácia das medidas? interdependência das atividades implantadas é concreta. Sul correta valorização define o sucesso ou o fracasso do programa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. MERLUZZI, F.: Occupational Deafness. In: International Labour Office. Encyclopaedia of Occupational Health and Safety, Geneve, ILO 1983, 1245-1247.
2. GERGES, S.N.Y.: Ruído: Fundamentos e Controle. Florianópolis, Imprensa Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina, 1992, 600p.
3. IBAÑEZ, R.N. et al.: Validação Diagnóstica de Audiometrias Industriais. Revista de Acústica e Vibrações, 10: 7-11, 1992.
4. COSTA, D.F. et al.: Programa de Saúde dos Trabalhadores. São Paulo, HUCITEC, 1989, 83-155.
5. IBAÌYEZ, R.N. et al.: Diferenças das Perdas Auditivas Induzidas pelo Ruído de Trabalhadores de Atividades Distintas em uma mesma Indústria Petroquímica. Revista de Acústica e Vibrações, I0: 2-6, 1992.
6. WORLD HEALTH ORGANIZATION: Environmental Health Criteria n°12 - Noise. Genebra, WHO, 1980, 103p.
7. NATIONAL INSTITUTE FOR OCCUPATIONAL SAFETY AND HEALTH: Apractical guide to efective hearing conservation programs in the wo rkplace. Cincinnati, U.S. Government Printing Office,1980, 56p.
8. PEREIRA, C.A.: Surdez profissional: caracterização e encaminhamento. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 17(65): 43-45, 1989.
9. COSTA, E.A.: Classificação e Quantificação das Perdas Auditivas em Audiometrias Industriais. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 16(61): 35-39,1988.
10. OCCUPATIONAL SAFETY AND HEALTH ADMINISTRATION: 29 CFR 1910,95- Occupational Noise Exposure. Washington, U.S. Departament of Labour, 1983.
11. MELNICK, W.: Evaluation of industrial hearing conservation programs: A review and analysis. American Industrial Hygiene Association Journal, 45(7): 459-67, 1984.




* Médico Otorrinolaringologista e do Trabalho.

Trabalho realizado no Ambulatório de Doenças do Trabalho e no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Endereço do Autor: Rua Irmãos José Otão, 1701906. CEP 90035-060 - Porto Alegre - RS - Brasil.

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