Versão Inglês

Ano:  1993  Vol. 59   Ed. 3  - Julho - Setembro - (16º)

Seção: Pergunta

Páginas: 220 a 221

 

Gostaria de saber à respeito do tratamento clínico da otosclerose, as drogas empregadas e sua validade.

Autor(es): Roberto Bonanomi - SP.

Nelson Caldas (Titular da Disciplina de ORL de Universidade Federal de Pernambuco).

Sem querer estender-me sobre a patologia desta doença, devo lembrar no entanto algumas de suas características mais pertinentes para a compreensão de seu tratamento.

A Otosclerose é considerada uma distrofia óssea que ocorre na cápsula ótica de indivíduos geneticamente predestinados a tal. Trata-se de uma patologia dinâmica e com isto queremos dizer que histologicamente ela se mostra com dois aspectos diferentes ou fases. Uma das fases, a de absorção, se caracteriza por uma absorção do tecido ósseo, deixando-o com um aspecto esponjoso, o que valeu a doença o nome de Otospongiose. Esta ação é creditada aos osteoblastos, que através de enzimas promovem a osteólise. A outra fase é a deposição, onde os osteoblastos depositam osso, obliterando os espaços absorvidos pelo osteoblastos. O aspecto histológico compacto e mineralizado dá o nome mais clássico da doença, ou seja, Otosclerose. Essas duas fases sofrem em suas mudanças alternadas a influência metabólica do cálcio, do fósforo e também das vitaminas A e D.

Estudos mostraram que o flúor, administrado sob a forma de fluoreto de sódio, era capaz de tratar doenças ósseas como a osteoporose e prevenir cáries dentárias, por uma ação ossificante. Supõe-se que sua ação seja primordialmente pela inibição das enzimas responsáveis pela absorção óssea, facilitando assim a deposição e estabilização do processo nesta fase, imobilizando-o. Autores, especialmente Shambaugh e Causse, entre vários outros, pensaram em utilizar o fluoreto de sódio nos casos de otosclerose não só com a perspectiva de deter seu caráter progressivo na invasão da janela oval e fixação do estribo, como também e especialmente impedir que os metabólitos resultantes das ações enzimáticas de absorção e deposição óssea contaminassem a perilinfa do ouvido interno, alterando sua composição e comprometendo as estruturas sensoriais endolinfáticas vizinhas, resultando no que se chama otosclerose coclear.

Assim, a proposta da utilização do fluoreto de sódio no tratamento da Otosclerose foi feita mais no sentido de estabilizar sua progressão do que propriamente reverter as alterações já existentes.

O tratamento mais clássico, preconizado por Shambaugh, é o de cápsulas entéricas (para evitar a absorção gástrica) com 20 mgs. de fluoreto de sódio, duas vezes ao dia, excepcionalmente três, após o café e o jantar ou após o café, o almoço e o jantar. Pode-se adicionar 500 mgs. de gluconato de sódio e 400 unidades de vitamina D, que ingeridos juntos precedem juntos a administração da cápsula de fluoreto de sódio. Eu particularmente não conheço termos no Brasil cápsulas de fluoreto de sódio à nossa disposição como especialidade farmacêutica. Assim, temos que recorrer a farmácias de manipulação após formularmos. Esses tratamentos são demorados e alguns o preconizam por todo período de vida. Outros os mantém pelo período de dois anos, como controle periódico radiológico computadorizado do foco de otosclerose, como também dos ossos longos, estes últimos no sentido de pesquisar fluorose que pode acontecer. O controle audiométrico é também aconselhado.

Nossa experiência com este tipo de tratamento é muito pobre e assim sendo não deverá ser levada em conta. Na maioria das vezes os pacientes abandonaram o tratamento por não se conformarem pela ausência de melhora auditiva elou por efeitos secundários, especialmente os digestivos. Acho no entanto, que ele deve ser empregado especialmente em casos considerados mais sérios como os da chamada otosclerose maligna, onde uma mancha de Schwartz é identificada através da otoscopia. Às vezes indivíduos jovens que necessitam operar-se de estapedectomia, exibem na timpanotomia um foco de otospongiose muito intenso o que aconselha ao cirurgião não prosseguir com a cirurgia, sob pena de ativar mais a doença com a agressão cirúrgica. Nestes casos, o tratamento cirúrgico deve ser adiado e entrementes o tratamento clinico utilizando. Lembramos por outro lado que o tratamento com o flúor nos jovens pode levar a paradas de crescimento ósseo e soldaduras indesejáveis, como é o caso da soldadura da sínfise pubiana nas jovens sujeitas à gravidez. Maiores esclarecimentos, veja-se Shambaugh Arch. Otolaring.100:419-426,1974 e Causse, Am. J. Otol. 1(4): 206-213, 1980.

Fernando Portinho (Titular da Universidade do Rio de Janeiro)

A otosclerose pode ocorrer de três formas: a) Fixando o estribo, a chamada otosclerose clinica, cujos sintomas podem ser melhorados através da cirurgia; b) Acometendo o ouvido interno, acarretando surdez neurossensorial, acompanhando a fixação do estribo, ou muitas vezes ocorrendo isoladamente, chamada então de otosclerose coclear; c) A mais freqüentes de todas, sem sintomas clínicos, conhecida como otosclerose histológica.

A evolução da doença otosclerótica pode ser dividida em duas fases, uma de destruição que é a fase otospongiótica e outra de reconstrução que é a fase otosclerótica. A fase otospongiótica é a ativa, celular e vascular. É claro que o foco fica ativo em determinados períodos e inativo em outros.

Vários estudos de BRETLAU E e cols. mostraram que os histióticos, mais do que os osteoclastos podem produzir a destruição óssea e da matriz cartilaginosa, na doença otosclerótica. Nestas células encontramos os lisossomos com uma grande quantidade de enzimas como a fosfatase ácida, alfa-quimotripsina, colagenase, ribonuclease, dexosiribonuclease, alfa-macroglobulina, catepsina e muitas outras. Por este motivo CAUSSE e cols. consideraram a otosclerose como uma doença celular e enzimática. Trabalhos de CHEVANCE e cols., mostraram que estas enzimas foram encontradas na perilinfa de pacientes submetidos à estapedectomia. As enzimas dos lisossomos, quando liberadas nos líquidos labirínticos do ouvido interno, poderiam produzir um efeito tóxico sobre o mecanismo das células ciliadas.

O tratamento clínico da otosclerose se faz nos casos de lesão coclear.

A idéia do uso do fluoreto de sódio no tratamento da otosclerose foi lançada por SHAMBAUGH em 1963, atribuindo a droga a capacidade de promover a recalcificação e inativação do foco otosclerótico. Segundo SHAMBAUGH o fluoreto de sódio apressaria a passagem do processo otosclerótico, da fase otospongiótica ativa à fase otosclerótica inativa.

Segundo. CAUSSE e cols, o fluoreto de sódio teria na realidade uma ação antienzimática, particularmente importante nos processos otospongióticos onde parece existir relação entre o acometimento neuro-sensorial e atividade das enzimas na perilinfa. Ainda CAUSSE realizou estudo comparativo da dosagem de tripsina antes e depois ao uso do fluoreto de sódio. Os resultados mostraram claramente que a quantidade de tripsina diminuiu sensivelmente.

Segundo SHAMBAUGH e cols. a dose de fluoreto de sódio é de aproximadamente 30 mg em comprimidos de desintegração entérica, duas vezes ao dia com 500 mg de glucomato de cálcio e 400 unidades de vitamina D.

Segundo CAUSSE e cols. a dose de fluoreto de sódio pode ser esquematizada da seguinte maneira: a) 60 mg diários para otospongiose avançada; b) 25 mg diários por dois anos, como tratamento pós-operatório nos casos cirúrgicos com queda coclear progressiva; c) 30 mg diários, por dois anos enquanto houver evolução da surdez neuro-sensorial; d) 15 mg diários por alguns anos, até estabilização da audição; e) 3 a 6 mg diários por anos para otospongiose coclear pura e tratamento pós-operatório para otospongiose estapédica com importante deterioração coclear.

Achamos que a utilização do fluoreto de sódio poderá ser indicada nos casos de otosclerose coclear e nos casos em que o paciente operado venha apresentando surdez neuro-sensorial progressiva. A dose utilizada poderá ser em comprimidos de desintegração entérica com 10 mg de fluoreto, duas vezes ao dia, juntamente com 500 mg de carbonato de cálcio e 400 unidades de vitamina D.

O tratamento pode ser feito durante seis meses, interrompendo-se dois ou três meses, iniciando-se logo após, durante vários anos. O tempo de tratamento vai depender da estabilização da queda neuro-sensorial, levando-se em conta a reversibilidade da presbiacusia, controlada por exames audiométricos de quatro em quatro meses.

Infelizmente o tratamento é empírico, uma vez que não podemos determinar a dose ideal para cada caso e cada paciente de modo a realmente deter o processo otosclerótico.

A utilização do fluoreto não melhora a audição, mas parece trazer maior conforto auditivo, melhorando o zumbido.

Ao usar o fluoreto devemos observar se o paciente não é portador de nefrite crônica, pois qualquer problema, poderá levar a droga a atingir concentrações tóxicas na corrente sangüínea. Doenças cardio-vasculares podem ser afetadas em presença do sódio. Perturbações gástricas podem ocorrer sem dissociação do fluoreto de sódio pelos ácidos gástricos, resultando na produção do ácido hidrofluorídico.

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