Versão Inglês

Ano:  1993  Vol. 59   Ed. 3  - Julho - Setembro - (14º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 215 a 218

 

Lipomatose infiltrativa congênita de face: relato de um caso.

Congenital infltrafng lipomatosis of the face: report of a case.

Autor(es): Mônica Gondim *
Luiz Ubirajara Sennes *
Tânia Helena Bignard **
Ossamu Butugan ***
Aroldo Miniti ****

Palavras-chave: lipomatose congênita, lipomas, tumores de cabeça e pescoço

Keywords: congenital lipomatosis, lipomas, head and neck tumors

Resumo:
A lipomatose infiltrativa congênita de face é caracterizada por uma proliferação de tecido adiposo maduro, não encapsulado, infiltrando os tecidos adjacentes e com tendência à recorrência após excisão cirúrgica. Trata-se de uma afecção rara, tendo sido descritos na literatura, apenas 6 casos. O tratamento indicado é cirúrgico, com finalidade principalmente estética, sendo recomendado um seguimento longo para detectar possíveis recidivas. Neste estudo apresentamos um caso da doença, abordando seus aspectos clínicos, histopatológicos e tratamento.

Abstract:
Congenital infiltrating lipomatosis of the face is characterized by collections of nonencapsulatec, mature lipocytes which infiltrate local tissues and tend to recur after surgery. It is a rare clinical entity with about 6 cases described in the literature. Surgical treatment is recommended and the main purpose is to improve the esthetic look of the patient rather than to eradicate the tumor. One case of the disease is presented and the clinical, histopathologic and treatment aspects are reviewed.

INTRODUÇÃO

A lipomatose infiltrativa congênita é uma entidade patológica rara, que consiste na proliferação de lipócitos maduros invadindo os tecidos adjacentes, com uma alta incidência de recorrência após excisão cirúrgicas1.

Esta patologia foi inicialmente reconhecida no tronco e extremidades 1 . Em 1983, Slavin e cols. descreveram três casos envolvendo a face, pescoço e glândula parótida, que denominaram Lipomatose Infiltrativa Congênita de Face .

É caracterizada pelos seguintes aspectos morfológicos: proliferação de tecido adiposo, não encapsulado; infiltração de músculo e tecido frouxo adjacente; presença de tecido fibroso, feixes nervosos e vasos sangüíneos com paredes espessadas; ausência de lipoblastos e sinais de malignidade; hipertrofia de osso subjacente; origem congênita e tendência a recorrência após excisão cirúrgica1, 2, 3.

A histogênese da lesão ainda é incerta. O estudo da embriogênese do tecido adiposo mostra que ele aparece no embrião com 9 cm de comprimento e que a formação de novos lóbulos cessam na vida fetal tardia ou pós-natal recente4. A lipomatose resultaria de uma continuação de proliferação destes lóbulos de tecido adiposo2, 5.

Neste trabalho, descrevemos um caso de lipomatose congênita acometendo a face, dada a raridade da ocorrência desta entidade clinica.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Apresentação do Caso

Paciente de sete anos, sexo masculino, branco. Referia ter nascido com uma pequena tumoração em região frontal, que apresentou crescimento lento, tendo sido submetido a exérese cirúrgica desta lesão com um ano e seis meses de vida. O diagnóstico anátomo-patológico, nesta ocasião, foi de proliferação fibroadiposa.

Houve recidiva da lesão e o paciente procurou nosso ambulatório após cinco anos, com uma tumoração de aproximadamente 10 cm de diâmetro em região frontal, de consistência óssea e fibro-elástica em sua maior parte. A mãe referia que o paciente tinha dificuldade no convívio com crianças da sua idade e resistência a freqüentar ambiente escolar.

A tomografia computadorizada mostrava deformidade da conformação da calota craniana, com protusão do osso frontal na sua porção mediana e aumento das partes moles do subcutâneo, com massa de densidade de tecido gorduroso (Figuras 1 e 2 ).

O paciente foi submetido a cirurgia para exérese da lesão por meio de incisão coronal, tendo sido encontrado um tumor de aspecto fibra-adiposo, não encapsulado, de grande extensão, que foi ressecado juntamente com a proeminência óssea da região frontal e vértex.



FIGURA 1 - Aspecto tomográfico pré-operatório, corte axial, mostrando a protusão óssea frontal e aumento de partes moles do subcutâneo.



FIGURA 2- Aspecto tomográfico pré-operatório, corte axial evidenciando o aumento de partes moles do subcutâneo da região frontal.



O exame anátomo patológico revelou tecido fibra-adiposo maduro, sem lipoblastos ou sinais de malignidade, em meio ao qual haviam filetes nervosos, feixes de músculo esquelético e áreas; de tecido fibrao-conjuntivo hialinizado. O tecido ósseo apresentava espessamento periostal (Figuras 3 e 4 ).

Houve um bom resultado estético pós-cirúrgico, embora o procedimento não tenha sido considerado curativo, pela ausência de plano de delimitação entre o tumor e os tecidos adjacentes. A tomografia realizada em um ano após a cirurgia, não mostrava sinais de recidiva do processo (Figuras 5 e 6).

O paciente apresentou uma mudança nítida de comportamento e interação social.

DISCUSSÃO

Os lipomas são os tumores de origem mesenquimal mais comuns1, 6, 7. Cerca de 13% se localizam na região de cabeça e pescoço, a maioria no subcutâneo da região cervical posterior.

Raramente se desenvolvem na região cervical anterior, fossa intra temporal ou em torno da cavidade oral, faringe, laringe e parótida.

São compostos por tecido adiposo maduro, envoltos por uma fina cápsula fibrosa, a maioria localizados em tecido subcutâneo superficial. Os lipomas profundos são raros, e não se manifestam clinicamente até que atinjam grande tamanho6.

Desenvolvem-se, usualmente, na 5ª e 6ª décadas de vida, quando a gordura começa a acumular em indivíduos inativos, sendo infreqüente o aparecimento nas duas primeiras décadas de vida6.

O diagnóstico de lipoma é geralmente clínico. A tomografia computadorizada auxilia o diagnóstico, mostrando uma massa homogênea, de baixa atenuação, sem cápsula identificada, porém facilmente delineada pelo tecido frouxo adjacente6.

A remoção cirúrgica é indicada principalmente por fator estético e menos por desconforto ou distúrbio funcional. É infreqüente o aparecimento de distúrbios neurológicos, sensoriais ou motores, que seriam decorrentes de compressão por lipomas grandes, ou mais raramente, por infiltração do nervo pela gordura6, 7.




FIGURA 3 - Aspecto microscópico (aumento de 100x), corado por H.E. Presença de tecido fibro-adiposo maduro, sem lipoblastos ou sinais de malignidade.




FIGURA 4 - Aspecto microscópico (aumento de 100x), corado por H. E. Presença de filetes nervosos e feixes de músculo esquelético em meio ao tecido adiposo.






FIGURA 5 e 6 - Aspecto tomográfico, cortes axiais, após seguimento de um ano. Não há evidências de recidiva do processo.



Os lipomas comuns apresentam recorrência menor que 5%. As lesões que recorrem são as de localização profunda, menos accessíveis ao cirurgião, ou são lipomas infiltrativos, que microscopicamente invadem estruturas adjacentes e não são ressecados totalmente no primeiro ato cirúrgico. Se consideramos apenas o lipoma infiltrativo, a taxa de recorrência pode ser tão alta como 62,5%1, 6, 8.

Os lipomas infiltrativos crescem entre os músculos, ou dentro dos músculos8, 9. Histologicamente, estas lesões são completamente livres de características malignas, porém, seu comportamento invasivo local pode ser acompanhado de sérias morbidades, como compressão espinal1.

As características de infiltração e recorrência, fazem necessário o diagnóstico diferencial com o lipossarcoma1, 7, 8. Os lipossarcomas são consideradas lesões que aparecem "de novo", apesar de existirem alguns casos descritos de transformação maligna1, 7, 8.

A lipomatose representa uma proliferação excessiva, mal circunsta de tecido adiposo maduro3. Foi classificada por Enzinger e Weiss em três entidades diferentes10:

1 - Lipomatose simétrica cervical de pescoço ou Doença de Madelung: afeta homens de meia idade; alcoolístas ou indivíduos com lesão hepática, intolerância a glicose, diabetes, hiperuricemia ou hiperlipidemia.

2 - Lipomatose pélvica: descrita por Engels em 1954, afeta homens negros na 3ª e 4ª décadas de vida, envolvendo as regiões peri-retal e peri-vesical e causando compreensão do trato urinário inferior e retosigmóide.

3 - Lipomatose difusa de tronco e membros: geralmente se inicia nos primeiros anos de vida e evolve membros e tronco. A lesão infiltra difusamente o subcutâneo e músculo, e algumas vezes se associa a hipertrofia do osso adjacente.

A lipomatose facial não foi incluída nesta classificação. Esta entidade foi descrita recentemente por Slavin e cols., que relataram 3 casos de lesões proliferativas e infiltrativos de tecido adiposo, congênitas, envolvendo apenas a face. Apresenta algumas semelhanças com a lipomatose difusa, diferindo quanto à localização, caráter congênito e associação constante com hipertrofia óssea3.

No caso descrito, o exame anatomo patológico mostrou todas as características morfológicas descritas por Slavin, inclusive hipertrofia do osso adjacente.

O diagnóstico da Lipomatose Congênita Infiltrativa da Face é realizado pelo quadro clínico, radiológico e confirmado pelo exame anátomo-patológico2, 3. Os achados da tomografia computadorizada diferem dos lipomas comuns apenas por não apresentar limites nítidos com os tecidos adjacentes.

O diagnóstico diferencial se faz com lipomaintramuscular, que pode apresentar quadro semelhante, porém está sempre confinado a um músculo e com o liposarcoma bem diferenciado, do qual se diferencia histologicamente pela ausência de atividade lipoblástica e pleomorfismo.

O tratamento da Lipomatose Infiltrativa Congênita é cirúrgico, idealmente por excisão radical, que muitas vezes não é possível pela ausência de um plano de delimitação. Procedimentos cirúrgicos não radicais, embora não curativos, podem resultar em um aspecto estético satisfatório e considerando que a doença tem um curso benigno, torna-se relevante evitar seqüelas2, 3.

Nosso paciente foi operado por via coronal, tendo sido possível realizar a remoção do tumor com bom resultado estético, e sem sinais de recidiva após acompanhamento de um ano.

Até a determinação do comportamento biológico da lipomatose infiltrativo, a terapia ideal permanece desconhecida. Deve-se, portanto, valorizar principalmente o aspecto estético, pois por atingir crianças, muitas vezes é obstáculo para o desenvolvimento adequado da personalidade e ajusto social.

Estes pacientes devem ter um seguimento clínico longo para detectar possíveis recidivas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. SCHERL, M.P.; SOM, P.M.; BILLER, H.F. and SHAH, K.: Recurrent infiltrating lipoma of the head and neck. Case report and literature review. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 112: 1210-1212, 1986.
2. SLAVIN, S.A.; BAKER, D.C.; McCARTHY, J.G. and MUFARRU, A.: Congenital infiltrating lipomatosis of the face. Clinicopathologic evaluation and treatment. Plastic and Reconstrutive Surgery 72 (2): 158-164, 1983.
3. ROSA, G.; COZZOLINO, A.; GUARINO, M. and GIARDINO, C.: Congenital infiltrating lipomatosis of the face. Report of cases and review of the literature. J. Oral Maxillofac. Surg. 45: 879-883, 1987.
4. VELLIOS, F.; BAEZ, J. and SHUMACKER, H.: Lipoblastomosis - A tumor of fetal fat different from hibernoma. Am. J. Patho4 34: 1149, 1958.
5. NIXON, H.H. and SCOBIE, W.G.: Congenital lipomatosis: a report of four cases. Journal of Pediatric Surgery 6 (6): 742-745, 1971,
6. SOM, P.M.; SCHERL, M.P.; RAO, V.M. and BILLER, H.F.: Rare presentations of ordinary lipomas of the head and neck: A review. Am J. of Neuroradiology 7 (4): 657-664, 1986.
7. BENNHOFF, D.F. and WOOD, J.W.: Infiltrating lipomata of the head and neck. lhe Laringoscope 88: 839-848, 1978.
8. DIONNE, G.P. and SEEMAYER, T.A.: Infiltrating lipomas and angiolipomas. Revisited. Cancer 33 (3): 732-738, 1974.
9. KINDBLOM, L.G.; ANGERVALL, L; STENER, B. and WICKBOM, L: Intermuscular and intramuscular (pomas and hibernms. A clinical, roentgenologic, histologic and prognostic study of 46 cases. Cancer 33 (3): 754-762, 1974
10. ENZINGER, FM, WEISS, S.W.: Benign lipomatous tumors in soft tissue tumors. St. Lowis, C Mosby: 199-236.1983.




* Pós-Graduandos da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.
** Residente da Disciplina de Anatomia Patológica do Hospital dar Clínicas da FMUSP.
*** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.
**** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.

Trabalho desenvolvido na Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e LIM 32.

Endereço para correspondência: Hospital das Clinicas da FMUSP - Divisão de Otorrinolaringologia -A/C Mônica Gondim - Rua Prof. Enéias de Carvalho Aguiar, 255 - CEP 05403 - São Paulo - SP.

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