Versão Inglês

Ano:  1993  Vol. 59   Ed. 3  - Julho - Setembro - (12º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 209 a 211

 

Hemangiopericitoma nasal: relato de um caso.

Hemangiopericytoma of the nasal cavity: a case report

Autor(es): Luiz Ubirajara Sennes *
Tanit Ganz Sanchez **
Ossamu Butugau ***
Aroldo Miniti ****

Palavras-chave: cavidade nasal, neoplasmas

Keywords: nasal cavity, neoplasms

Resumo:
Hemangiopericitoma é um tumor vascular raro, representando cerca de 1 % dos tumores vasculares. Desde 1942, cerca de 100 casos foram relatados na literatura, sendo cerca de 25% dos casos na região de cabeça e pescoço, particularmente no couro cabeludo, face e pescoço. A ocorrência nas cavidades nasais e paranasais é menos freqüente. Pode ocorrer em qualquer faixa etária, e a distribuição por sexo é igual. O quadro clínico depende da localização e do tamanho do tumor. Os hemangiopericitomas nasais causam obstrução nasal e epistaxes. O diagnóstico deste tumor somente é possível com o exame histológico, embora muitas vezes também seja muito difícil. O diagnóstico diferencial é amplo. A ressecção cirúrgica do tumor é o tratamento de escolha. A radioterapia e a quimioterapia adjuvante não parecem melhorar os resultados cirúrgicos. Os hemangiopericitomas sinonasais recidivam localmente em 25% dos casos, e menos de 5% metastizam. O presente trabalho apresenta um caso estudado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Abstract:
Hemangiopericytoma is a rare vascular tumor, representing 1 per cent of all vasoformative tumors. Since 1942, about 100 cases have been relates, and 25% of them occur in the head and neck particularly in soft tissue of the scalp, face and neck. The origin in nasal and paranasal cavities is less common. It can occur in all ages and the sexual incidence is the same. The clinical manifestations depend on the tumor size and site. Nasal obstruction and epistaxis are the most common symptoms of the nasal tumors. The diagnosis is possible only with histologic analysis, but sometimes is very difficult The differential diagnosis is large. The surgical resection is the best treatment. The adjuvant radiotherapy and chemotherapy do not get the surgical results better. The sinonasal hemangiopericytoma recurrence rate is 25%, and less than 5% has tendency for metastasis. The present paper reports a case studied at the Otolaryngology Departament of the University of São Paulo School of Medicine.

INTRODUÇÃO

Hemangiopericitoma é um tumor raro, de linhagem vascular, representam cerca de 1% dos tumores vasculares.

Foi descrito peia primeira vez em 1942, por Stout e Murray, que estudando cultura de tecido de 691 tumores glômicos, notaram que 9 deles apresentavam a componente epitelióide originária de uma célula especial, extra-capilar, denominada pericito de Zimmerman. São células ovais, com longas ramificações citoplasmáticas que circundam os capilares sangüíneos: Estes tumores representavam uma entidade patológica distinta dos tumores glômicos e foram denominados de hemangiopericitomas1.

Desde 1942, cerca de 100 casos foram relatados na literatura. Mais de 50% dos casos relatados envolviam o sistema músculoesquelético e pele. Cerca de 25% dos casos acometem a região de cabeça e pescoço, principalmente o tecido frouxo do couro cabeludo, face e pescoço. A origem nas cavidades orais, nasais e seios paranasais é menos comum . No trato sinonasal, o acometimento da cavidade nasal e regiões esfenoetmoidal e etmoidal são sítios de predileção.

O diagnóstico deste tumor somente é possível com o exame histológico, embora muitas vezes este também seja difícil. Esse trabalho relata um caso de hemangiopericitoma nasal, acompanhado na Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

RELATO DO CASO

R.C., 60 anos, masculino, negro, procedente de São Paulo, refere que em julho de 1990 iniciou um quadro de obstrução nasal constante à direita, sendo submetido a cirurgia em outro serviço, não sabendo referir o que foi realizado. Refere que não houve melhora do quadro, e que, progressivamente, após alguns meses passou a apresentar também obstrução de fossa nasal esquerda.

Em janeiro de 1991, o paciente passou a apresentar epistaxes de intensidade progressiva, necessitando de internação hospitalar em abril de 1991 para controle do sangramento. A partir dessa internação, surgiram também disfagia, dispnéia e disfonia progressivas, Nessa ocasião foi realizada biópsia de uma massa polipóide que era observada em fossa nasal direita. O exame anatomo patológico revelou pólipo inflamatório com metaplasia escamosa do epitélio de revestimento. Foi realizado exame tomográfico que mostrou tumoração em fossa nasal direita e rinofaringe, com efeito de compressão (Fig. 1 e 2). Foi indicada uma nova biópsia sob anestesia geral, mas o paciente não retornou ao Serviço.

Após 3 meses, o paciente procurou nosso pronto-socorro com quadro de dispnéia e impossibilidade de deglutição. Ao exame de admissão apresentava alargamento da pirâmide nasal, com abaulamento à direita. À rinoscopia observava-se uma massa acinzentada preenchendo totalmente a fossa nasal direita e desvio septal para esquerda, aparentemente por compressão da massa tumoral.



FIGURA 1



FIGURA 2



Ao exame da orofaringe, notava-se abaulamento importante do palato mole, assimétrico, principalmente à direita, com oclusão quase total da coluna aérea. A palpação do pescoço, nenhum nódulo foi constatado. Foi submetido então, a exérese do tumor sob anestesia geral, por via Caldwell-Luc ampliada.

O exame anátomo patológico da peça mostrou tratar-se de um hemangiopericitoma com baixa multiplicação celular.

Foi realizada tomografia de controle que não mostrou restos tumorais, sendo optado por não realizar nenhum tratamento complementar.

Até o momento, com um acompanhamento de 18 meses, o paciente não apresenta nenhum sinal de recidiva ou metástase.

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

O hemangiopericitoma é um tumor vascular raro, que pode ocorrer em qualquer faixa etária, existindo até relato em neonato (congênito). Entretanto, há uma predileção pela 5ª ou 6ª década de vida, com somente 10% dos casos na faixa pediátrica3. A distribuição por sexo é igual.

O quadro clínico depende da localização e do tamanho do tumor. Pode causar obstrução nasal parcial ou total, uni ou bilateral, lentamente progressiva. As epistaxes são freqüentes, porem leves e recorrentes, embora possam ser maciças em crianças. O paciente por nós estudado, apresentou um episódio de epistaxe importante somente após 6 meses do início do quadro, e procurou nosso auxílio para realizar cirurgia por dispnéia e dificuldade de deglutição após cerca de 1 ano das primeiras queixas.

Os hemangiopericitomas nasais apresentam-se como uma massa polipáide, de crescimento lento e progressivo, sendo localmente infiltrativo e ocasionalmente metastático. A textura frouxa e sua coloração cinza avermelhada não sugerem sua origem vascular, o que se justifica pelo fato de seus capilares não conterem sangue devido à compressão da massa de pericitos ao seu redor. Apresenta também uma cápsula envolvendo-o parcial ou totalmente, entretanto esta também apresenta formações tumorais4.

A análise histológica pode ser feita com o uso de coloração pela hematoxilina-eosina, porém a confirmação se dá com o uso da coloração por "silverreticulin" . McMasteret al em 19755, classificou os hemangiopericitomas em 3 graus, de acordo com o índice mitótico e o grau de anaplasia: benigno (baixo grau), "border-line" (grau intermediário) e maligno (grau elevado). Enziger e Smith em 19766, sugerem que essa classificação não é aplicável em todos os casos, e destacam fatores que estão mais associados com a recorrência e/ou metástase: alta atividade mitótica (4 ou mais por 10 HPF), necrose, hemorragia, alta celularidade e tamanho (maior que 6,5 cm).

Os hemangiopericitomas da cavidade nasal e paranasal manifestam-se com evolução muito mais benigna do que os que acometem outros sítios7, 8, sugerindo a possibilidade de que esses tumores não seriam hemangiopericitomas. Entretanto, Batsakis em 1983, publicou a confirmação por microscópio eletrônica de um hemangiopericitoma intranasal, e comparando com a descrição de outros relatos da literatura, sustenta a premissa de que a maioria dos hemangiopericitomas sinonasais são histológica e biologicamente tumores de baixo grau histológico (benignos; segundo Mc Master)9.

O diagnóstico diferencial é amplo, incluindo vários tumores: glômus, hemangioendotelioma, leiomioma vascular, carcinomas metastáticos ou indiferenciados, sarcoma de Kaposi, sarcoma de Ewing, leiomioblastoma, meningioma vascular, hemangioma esclerosante, melanoma maligno, neurilenoma, porções vasculares e fibrossarcomas, paragangliomas e alguns tumores endócrinos4.

O tratamento de escolha é a ressecção cirúrgica do tumor. A radioterapia é utilizada em alguns casos onde a localização e tamanho da lesão não permitiram a ressecção. Entretanto, nenhum tratamento adjuvante (radioterapia e/ou quimioterapia) parece melhorar os resultados cirúrgicos. O caso apresentado foi somente submetido à ressecção cirúrgica, havendo até o momento controle da patologia.

Em geral, manifestam uma taxa de recidiva de 25 a 50%, e de metástases, de 12 a 60%. Os tumores raso-sinusais, mesmo após procedimentos bastante conservadores apresentam uma taxa de recidiva de apenas 25%, e somente 5% de tendência a metastiza. A letalidade dos tumores sinonasais também é inferior à dos tumores somáticos: menos de 5% comparados a 25 a 60%7.

Esses achados se justificam pelo fato de nas cavidades nasais e paranasais não ser usual o aparecimento de tumores vasculares de grau histológico elevado.

Deste modo, apesar de raro, o hemangiopericitoma da cavidade nasal e paranasal deve ser sempre considerado pelo otorrinolaringologista quando se deparar com tumores vasculares desta região, lembrando-se também que apresentam comportamento benigno, com prognóstico favorável.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. STOUT, A.P. and MURRAY, M.R.: Hemangiopericytoma: Vascular tumor featuring Zimmermann's pericytes. Ann Surg, 116. 26-33, 1942.
2. BATSAKIS, J.G.: in Tumours of the head and Neck 2ª edição, Baltimore, 1979 - Williams & Wilkins pp. 307-312.
3. KAUFMAN, S.L.; STOUT, A.P.: Haemangiopericytoma in Children. Cancer, 13:695-710,1960.
4. GÜDRUM, R.: Haemangiopericytoma in Otolaryngology. Journal of Laryngology and Otology, 93: 477-494, 1979.
5. MC MASTER, M.J. et al.: Haemangiopericytoma: a clinicopathological study and long-term follow-up of 60 patients. Cancer, 36.. 2232-2244,1975.
6. ENZIGER, F.M.; SMITH, B.H.: Haemangiopericytoma: An analisys of 106 cases. Human Pathology, 7: 61-82, 1976
7. BATSAKIS, J,G. and RICE, D.H.: The pathology of Head And Neck tumoos: vasoformative tumors, part 9B. Head and Neck Surgery, 3: 326-339, 1981.
8. COMPAGNO, J. and HYAMS, V. J.: Hemangiopericytoma-like intranasal tumors: a clinicopathologic study of 23 cases. American Journal of Clinical Pathology, 66.- 672-683, 1976.
9. BATSAKIS, J.G. et al.: Hemangiopericytoma of the nasal cavity. Electron-optic study and clinical correlations. The Journal of Laryngology and Otology, 97: 361-368, 1983.




* Pós-Graduando da Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Residente de 3° ano da Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Professor Associado da Clínica Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**** Professor Titular da Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (Serviço do Professor Aroldo Miniti) e LIM-32.

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