Ano: 1993 Vol. 59 Ed. 2 - Abril - Junho - (9º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 129 a 131
FATORES DE RISCO PERINATAL NA GÊNESE DA SURDEZ. INCIDÊNCIA E PREVENÇÃO.
Factors of risk perinatal in hearing impairment. Incidence and prevention.
Autor(es):
Adriana Sassi Nunes de Souza*
Neiva Maria Lopes Remião **
Deise Costa ***
Arnaldo Linden ****
Palavras-chave: surdez, perinatologia
Keywords: deafness, perinatology
Resumo:
Realizou-se um estudo em 417 recém-nascidos no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, considerando a incidência de condições de alto risco relacionada à surdez, de acordo com a análise prospectiva de prontuários. Foram, encontrados 311 normais e 106 considerados de alto risco. Destes, 49,5% usavam amino glicosídeos, 54,2% eram prematuros, 12,19% tinham apagar < 6 no 5° minuto e 7,3% apresentavam baixo peso. A associação de diferentes fatores de risco mostrou-se significativa.
Os autores revisaram os riscos encontrados e enfatizam a importância de precaução, diagnóstico precoce e habilitação em tempo hábil.
Abstract:
Four hundred seventeen newborn were evaluated at Hospital de Clínicas de Porto Alegre and Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre concerning incidence of conditions of high risk related to deafness according to the analysis of the records. Three-hundred and eleven newborn were found normal and one-hundred and six were considered high risk. Of these, 49,5% were having aminoglycosides, 54,2% were premature,12,19% with 5th mins apgar of 6 or less and 7,3% were underweight. Association of different risk factors was significant. The authors reviewed the risks found and emphasized the importance of prevention, precocious diagnosis and early habilitation.
INTRODUÇÃO
A audição tem unta importante função social. A perda auditiva causa danos no comportamento individual, psíquico e social do indivíduo1.
A meta primordial dos profissionais que trabalham com deficientes auditivos é a prevenção. Existem basicamente, três tipos de prevenção: primária (consiste no reconhecimento das causas de surdez e o modo de evitá-las), secundária (detecção precoce da surdez) e terciária (habilitação ou reabilitação do deficiente auditivo). O objetivo do programa educacional para deficientes auditivos é de que a - habilitação deva começar o mais precocemente possível e, preferencialmente, antes do primeiro ano de vida. Para tanto, o diagnóstico da deficiência auditiva deve ser precoce2.
Lembrando que são médicos pediatras que acompanham a criança em seu primeiro ano de vida, Balieiro procurou investigar a preocupação de pediatras com a audição na infância e alertar os profissionais da área de otologia quanto à necessidade de atuar mais diretamente junto à classe pediátrica3.
A literatura cita os seguintes fatores de risco na gênese da surdez em recém-nascido: hipóxia, hiperbilirrubinemia, drogas ototóxicas, infecções congênitas e neonatais, prematuridade e baixo peso2, 4, 5, 6.
Frente a essas considerações, resolvemos fazer um levantamento dos recém-nascidos de risco para deficiência auditiva, bem como a notificação da incidência dos principais fatores envolvidos em nosso meio. Este estudo reveste-sede importância porque se propõe a alertara população médica e promover a prevenção de danos auditivos precocemente.TABELA 1 - Relação entre recém-nascidos normais e recém-nascidos de risco do HCPA e Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
MATERIAL E MÉTODOS
Durante o período de 2 meses foram analisados todos os recém-nascidos do HCPA e Santa Casa de Misericórdia (Berçário, UTI Neonatal e Alojamento Conjunto). Os RN eram classificados como "Normais" e de "Risco". Os recém-nascidos ditos normais estavam em Alojamento Conjunto (AC) e apresentavam Apagar maior ou igual a 7 no 52 minuto de vida. Foram considerados RN de risco para surdez todos aqueles que apresentavam pelo menos um dos seguintes fatores: hiperbilirrubinemia, prematuridade, baixo peso, uso de ototóxicos, Apgar < 6 no 5° minuto. O protocolo constava de itens selecionados para a avaliação e inclusão de todos os recém-nascidos considerados de risco para surdez e incluía: data da coleta, n° de prontuário, data de nascimento, sexo, cor, data da internação, data da alta hospitalar, tipo de parto (vaginal, cesárea, cócoras), idade gestacional (Capurro), complicações da gravidez, Apagar, bilirrubinas séricas, uso de drogas e seu tempo de uso, peso de nascimento.
Foram analisados um total de 417 recém-nascidos, desses 239 nascidos na Maternidade Mário Totta e 178 no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
RESULTADOS
Na Santa Casa, dos 239 casos coletados, 194 eram normais e 45 considerados de riscos para dano auditivo. No HCPA encontramos, entre os 178 totais, 117 normais e 61 que apresentavam pelo menos um fator de risco.
O índice de fator de risco presente nos recém-nascidos estudados foi 25,4% em hospitais e, analisados separadamente, 18,8% na Santa Casa e 34,2% no HCPA.
Dos normais, 156 recém-nascidos eram do sexo feminino e 155 do sexo masculino. Entre os que apresentavam algum risco para surdez encontramos 44 recém-nascidos do sexo feminino e 52 do masculino. Quanto ao tipo de parto dos bebês normais, 222 foram partos via vaginal, 87 cesareanas e 2 partos de cócoras durante o período pesquisado. Nos recém-nascidos com possíveis fatores de risco encontramos 48 partos normais, 53 cesáreas, 03 não especificados e 02 com fórceps. O sexo não apresentou diferença estatisticamente significativa. Quanto ao tipo de parto os recém-nascidos de risco apresentaram um número maior de cesáreas se comparados aos recém-nascidos considerados normais.
Entre os RN ditos de risco encontramos 54,2% prematuros, 49,5% usando drogas potencialmente ototóxicas, 12,19% com Apagar menor ou igual a 6 no 54 minuto e 7,3% de RN com baixo peso ao nascimento conforme demonstrado na tabela 2.TABELA 2 - Índice de fatores de risco em recém-nascidos da Santa Casa de Porto Alegre e do HCPA
TABELA 3 - Associações de fatores de risco.
P = prematuridade; O = uso de ototóxico; A = Apgar < no 5° minuto; BP = Baixo peso.
As associações de fatores de risco encontradas são apresentadas na tabela 3 e mostram que prematuridade mais uso de drogas foi a associação de fatores de risco mais freqüente.
Vinte e cinco crianças apresentavam três fatores de risco associados a saber: prematuridade, ototóxicos e baixo peso.
DISCUSSÃO
O exame rotineiro de RNs do berçário de hospitais tem sido insistentemente preconizado nos últimos 20 anos. Apesar de se ter verificado surdez em cerca de 0,1% das crianças, a maioria destas era tido como de risco tendo como base dados de história familiar, do parto ou história de doenças. Além disso muitos dos RNs que haviam passado na seleção inicial demonstraram mais tarde serem portadores de algum déficit auditivo4.
Prematuros são mais propensos à anoxia e infecções. Apresentam dificuldades de maturação enzimática e alterações dos mecanismos respiratório, renal, metabólico, hematológico e inmnológico4, 8. Associa-se a isso o fato dos RNs com imaturidade renal estarem mais propensos à ototoxidade. A perda auditiva pode iniciar até mesmo após a droga ter sido suspensa9.
Francis Catlin; em seu artigo, afirma que a perda permanente decorrente da ototoxicidade é muito freqüentemente observada e, em muitos casos, o risco de usar uma droga precisa ser assumido para o bem estar do paciente10. Moore constatou que níveis séricos, tipo de aminoglicosídeo, idade, função renal e hematócrito não foram fatores significativos em sua análise. Já a duração da terapia, bacterenúa e função hepática foram, entre outros, os fatores mais notáveis para predizer as reações ototóxicas11.
Além do risco da droga, associa-se o risco da própria infecção, sendo que a alteração neurossensorial varia depedendo da virulência do agente infeccioso e da destruição das células sensoriais pelo processo inflamatório. Dano auditivo é freqüentemente encontrado em crianças prematuras, não está claro se o dano é decorrência da prematuridade em si ou devido ao uso de medicações necessárias à sobrevivência do RN12.
Em relação à hipóxia, a cóclea é particularmente sensível à insuficiência de oxigenação. O núcleo dorsal do nervo acústico possui vascularização capilar mais rica que o núcleo ventral, daí ser mais vulnerável à insuficiência de oxigenação, do que pode resultar surdez seletiva para sons agudos. No caso da anóxia temporária, o núcleo ventral também é afetado sobrevindo surdez simultânea para os 13 sons graves13.
Tony e colaboradores relataram um grupo de onze crianças de alto risco que tinham audiometria de tronco cerebral normal na época de sua alta hospitalar da unidade neonatal de cuidados intensivos e que desenvolveram deficiência após uni seguimento de 13 a 48 meses mais tarde6.
Alterações nos testes com potencial evocado tem sido notadas em estudos de prematuros e o acompanhamento está indicado para distinguir a imaturidade de outras otoneuropatias. Neonatos podem apresentar um teste de ABR (Auditory Brainstem Responses) ausente ou diminuído e, após ganho de peso e desenvolvimento normal do ouvido, apresentar o mesmo teste com maturação. É importante lembrar que o estímulo usado no teste dá informação para freqüências de 2000 a 4000 Hz ou mais.
O neonato que demonstra um ABR compatível com significante dano auditivo deve ser avaliado num intervalo de três meses durante seu primeiro ano de vida. O exame deverá ser repetido para reavaliação da função auditiva e para o planejamento da habilitação14.
Outros estudos concluem que crianças que tinham sido muito doentes no período neonatal, embora fossem a termo, podem permanecer com risco de desenvolver significativa perda auditiva mesmo que tenham apresentado respostas normais na ABR de rastreamento realizada neste período6.
Durante o período de tempo de dois meses de observação não houve nenhum caso de Kernicterus ou de Hiperbilirrubinemia que exigisse exsangüineo transfusão. Esse fator de risco, entre outras coisas, causa surdez que pode se ruanifestar logo após o nascimento, podendo a criança permanecer com alguma deficiência auditiva para freqüências altas mesmo após ter sido submetida à exasangüíneo transfusão pós parto4. O fato de não ternos encontrado nenhum caso em nossa casuística, provavelmente se deve ao cuidado tomado com as crianças que apresentam icterícia neontal e ao manejo adequado dos casos de hiperbilirrubinemia .
Nesse estudo encontramos uni alto índice de RNs coto fatores de risco para surdez (25,4% nos hospitais analisados). Entretanto, ao apresentarmos tais números devemos considerar que se trata de dois serviços de assistência médica terciária, com grande demanda de atendimento e para os quais são encaminhadas gestantes de risco cujos RNs somente poderão receber assistência adequada em berçários também adequadamente equipados e preparados para recebê-los. Associa-se às características da nossa amostra o fato da assistência à gestante ser ainda precária, com deficiência de informações e de acompanhamento pré-natal em nosso meio. A incidência de fatores de risco em neonatos citada na literatura, de 2 a 10%7, apesar de ser menor que a levantada neste estudo, revela o expressivo número de neonatos expostos, mesmo em países desenvolvidos.
CONCLUSÃO
Um dos problemas na área da perda auditiva é a falta de informação, especialmente a nível de prevenção e do diagnóstico precoce10.Logo, a investigação deve ser focada aos grupos de risco sujeitos a desenvolverem danos .
Tendo em vista que em nosso meio os fatores de risco citados na literatura para gênese da surdez tiveram incidência elevada, medidas preventivas se fazem necessárias. Tais medidas incluem desde os cuidados pré-natais e neonatais até imunizações e melhor informação dos profissionais da saúde e da população em geral das medidas preventivas e das causas de perda auditiva1.
A aplicação sistemática das precauções em todos os níveis da assistência médica, o acompanhamento com testes de audição da população infantil exposta a riscos e uma maior integração dos profissionais de atendimento pediátrico e otológico diminuiria o número de casos de surdez. Além disso, tais medidas associadas promoveriam um encaminhamento precoce à reabilitação do deficiente dando a ele maior chance de integração social e qualidade de vida.
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* Doutorada da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
** Doutoranda da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista de Iniciação Científica da PROPESP-UFRGS.
*** Médica contratada do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
**** Professor de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina na Universidade Federal do Rio Grande do SuL MS em Citologia.
Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Rua Ramiro Barcelos, n° 2350 zona 19, Porto Alegre - RS.