Versão Inglês

Ano:  1993  Vol. 59   Ed. 1  - Janeiro - Março - (10º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 51 a 53

 

OSTEOMIELITE DO OSSO TEMPORAL. RELATO DE UM CASO E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA.

Osteomyelitis of the temporal bone. Case report and review of the literature.

Autor(es): Luiz Dantas Filho*,
Nelma Maria Pereira de Araújo**,
José Stétio Ribeiro Lima Júnior***.

Palavras-chave: osso temporal, osteomielite, ouvido

Keywords: temporal bone, osteomyelitis, ear

Resumo:
Os autores apresentam um caso de osteomielite do osso temporal de um paciente de 2 anos e 11 meses de idade como resultado de infecção crônica do ouvido médio, bem conto seu tratamento e evolução; também realizam uma ampla revisão bibliográfica da entidade.

Abstract:
A case of temporal osteomyelitis is presented taking into account its evolution and treatment. It happend to be a female child of 2 years and 11 months of age who had previously had chronic otitis. A review of the literature is also made.

INTRODUÇÃO

Osteomielite é urna infecção óssea causada por germes piogênicos de caráter grave, expansiva e invasiva que envolve osso e medula óssea1, 2. É mais comum em ossos longos como repercussão de septicemia ou trauma direto (ex.: fratura exposta) sendo os ossos mais acometidos a tíbia, o fêmur e o úmero1. O germe freqüentemente isolado é o Staphylococcus pyogenes aureus, mas é o Streptococcus o mais encontrado em criança de baixa idade. Dos ossos chatos do crânio o frontal é o que mais apresenta osteomielite como complicação de sinusites e/ou traumas cirúrgicos4.

Em nossa descrição iremos apresentar um caso raro de osteomielite: do osso temporal, diagnosticada pela anamnese, ex. físico e radiológico e confirmada pela cirurgia e histopatologia.

RELATO DO CASO

MRR, 2a11m, feminino, branca, natural do Ceará e procedente de Fortaleza, foi-nos trazida com queixa principal de supuração do ouvido direito.

Os pais relatavam que há 10 meses, três dias após banho de bica, a criança passou a apresentar otorréia a direita que inicialmente era clara e posteriormente tornou-se amarelada e esverdeada com um odor fétido intenso. Negou antecedentes de estado gripal, otalgia e/ou febre. Nesta ocasião procurou especialista que prescreveu antibioticoterapia sistêmica e local não obtendo, contudo, resolução clínica. Esta prática se repetiu inúmeras vezes com a prescrição dos mais diversos antibióticos (ex.: ampicilina, sulf/trim, cefaclor, amoxacilina/ ac. clavulânico) sem a obtenção da cura.

Um mês após o início do quadro infeccioso, apresentou dor na região mastóidea direita acompanhada de febre alta (39°C) e abaulamento desse local. Foi sugerido a realização do estudo radiológico elas mastóides que veio com o laudo de "mastoidite severa a direita, com várias áreas de destruição óssea sugestiva de osteomielite".

Como pré-operatório, o ex. bacteriológico da secreção do ouvido revelou presença de abudantes piócitos, eosinófilos, ausência de esporos de cogumelos e flora abundante de cocos GRAM +. A cultura foi positiva para Staphylococcus aureus coagulase positiva que se mostrou resistente a antibióticos corno cefalexina, oxacilina, critromicina, ampicilina e ceftriaxona, e sensível a cefalotina, penicilina, tetracielina e gentamicina. VHS 12 h: 4mm, 21 h: 13mm Ht: 40%, Hg: 12,3g/dl, Leuc.: 9400/min 3 Eos 2% Bas 2% seg 60% Linf 31% Mon 5%. Coagulograrna completo: normal. Sumário de Urina: normal.

Com esses dados procurou o serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará sendo submetida a mastoidectomia simples direita sob microscopia. Os achados cirúrgicos foram: perfuração total de membrana timpânica (MT); mucosa da cx timpânica hiperplasiada e hiperemiada; presença de seqüestro ósseo na cortical externa mastóidea, o qual foi retirado com o auxílio de descolador; destruição da parede posterior do canal auditivo externo (CAE) com presença de seqüestro ósseo.

O material foi enviado para hispatologia que revelou: "processo inflamatório subagudo: osteomielite".

Durante o ato cirúrgico nova colheita foi realizada e enviada para cultura que novamente revelou Stapltylococcus aureus sensível a oxaciclina.

Iniciou terapêutica antibiótica pós-operatória com oxacilina (200mg/kg/dia, EV, 6/6h) por 5 dias e a mistura de cloranfenicol colírio mais dexainctasoua ampola 4nig, 3 gts no ouv. d 3x/d, e permaneceu após alta hospitalar com cefalexina 125tng, VO, 6/61t por 14 (lias, não continuando em virtude de grande intolerabilidade gástrica.

Acompanhamos o caso até 10 meses passados da cirurgia. Não mais apresentou otorréia desde o final do tratamento.

DISCUSSÃO

Osteomielite do osso temporal é unia entidade rara e como tal sua literatura. De um apanhado de 40000 casos otológicos da Clínica Siebeninann foram diagnosticados apenas 7 casos os quais foram acrescentados mais 7 por Labhardt (1937) e 2 casos por Sclumidli (1951) no mesmo instituto. Num período de 20 anos, Broca, apud Kelemen (1977)2, viu 2 casos de osteomielite do osso occiptal, 1 de pariental e 1 de temporal. O sexo feminino tem discreta prevalência. É comum em crianças antes dos 3 anos de idade e na puberdade.

De acordo com Wilensky, apud Kelemen (1977)2, osteomielite de qualquer parte do osso temporal pode ser originada:

a. após ou como resultado de trauma.

b. infecção hematogênica.

c. extensão de doença inflamatória aguda ou crônica do ouvido médio ou outra parte do ouvido, sendo esta última a mais freqüente.

Acredita-se que a retenção de secreção no ouvido infectado desenvolva o processo.

A osteomielite do osso temporal pode ser classificada em primária e secundária. Primária quando as manifestações se restringem ao local e secundária quando foram observadas dentro de um quadro de doença generalizada.

Dentre as bactérias causadoras de osteomielite, o Streptococcus albus e luteus coagulase positiva e negativa se destacam, vindo logo após o Streptococcus alfa e beta hemolítico, Klebsilla pneunioniae, Hemophilus itfluenzae,

Mycobacteriunt tuberculosis, Treponema palliduin, Spirillunt de Vicent e ectinomyces. Pagano, apud Kelemen (1977)2, achou uma forma benigna de osteomielite quando o Pneuntococcus e o Staphylococcus estavam presentes, enquanto que o Streptococcus causava uma severa e difusa doença.

A osteomielite do osso temporal é, entretanto, muito menos grave do que a do frontal em virtude da camada diplóica da escama do temporal e de sua irrigação venosa serem bem escassas dificultando, assim, a disseminação do processo4.

A conexão com uma doença deve ser lembrada. Influenza, escarlatina e febre tifóide podem ser a origem da otite primária. A tuberculose também não pode ser esquecida, embora seja mais comum nos ossos frontal e parietal do que nos ossos occiptal e temporal5.

A otite externa maligna é considerada ser uma osteomielite do osso temporal6 que propaga-se através dos canais vasculares para outras partes da base do crânio. O caso descrito não apresentava diabetes mellitus ou outro estado de imunocomprometimento, idade avançada, otalgia por mais de urna semana ou disfunção de nervos cranianos capaz (te sugerir esse diagnóstico como também respondeu a tratamento com droga que não agia contra o Pseudonionas aeruginosa.

Os achados cirúrgicos da paciente concordam com as observações de Millinau, apud Kelemen (1977) 2, que relatou que a mucosa da caixa timpânica, aditus e antrum tinham sinais de inflamação aguda de média a grande intensidade assemelhando-se a uma simples otite média em que a maioria dos casos a membrana timpânica estava perfurada.

CONCLUSÃO

Em concordância com a classificação proposta por Wilensky, apud Kelemen (1977)2, para gênese da osteomielite do osso temporal, a paciente descrita se adequada que diz: "extensão de doença infecciosa crônica do ouvido" em "forma primária", isto é, restringindo-se apenas ao órgão afetado.

A demora para o correto diagnóstico talvez se deva a não caracterização da doença no instante das consultas como também a rareza dessa entidade nosológica, o que nos excita a visualizar outras patologias diante de um quadro de otorréia crônica unilateral, não colesteatomatosa e não responsiva a terapêutica clínica.

BIBLIOGRAFIA

1. ADAMS, J.C.: Origens gentis dos distúrbios ortopédicos: Osteomielite aguda. In: manual de Ortopedia. 8.ed. São Paulo, Artes Médicas, 1978. Cap.2, p. 73-78.
2. KELEMEN, G.: Osteomyelities of the temporal bone. In: ENGLISH, G.M. Otolaryngology, 11. ed. Maryland, HARPER & ROW, 1977. Cap.20, V.2, p. 1-26.
3. OSELKA, G..W.: Especialidades pediátricas. In: PEDIATRIA básica. 7 ed. São Paulo, Sarvier, 1985.21ª parte, p.1557-1558.
4. HUNGRIA, H.: Complicações das otites médias; Osteomielite do temporal. In: Otorrinolaringologia. 5. ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1984. Cap.38, p.336-337.
5. GUPTA, R.K.; JENA, A.; SHARMA, A.: Sellar abscess associated with tuberculous osteomyelitis of the skull: MR findings. Am J. of Neuroradiol., V. It), N.2, p.448. mar/apr. 1989.
6. KIMMELMAN, C.P.; LUCENTE, F.E.: Use of ceftazidime for malignant external otites. Ann. Otol. Rhinol. Laryngol, V.98, n.9, p.721725, sept. 1989.




* Residente do Segando ano de Otorrinolaringologia do Hosp. Unir. Walter Cantídio (HUWC) - UFC
** Residente do Terceiro ano de otorrinolaringologia do HUWC - UFC.
*** Médico Otorrinolaringologista do Ambulatório do HUWC - UFC.

Local do Trabalho: hospital Universitário Walter Cantídio - UFC. - R. Capitão Francisco Pedro, 1290, Rodolfo Teófilo. Fort-CE. Fone: 281-4811

Endereço para Correspondência: Luiz Dantas Filho - R. Pedro de Queiroz 1202. Parquelândia. Fort-CE. CEP 60450 Fone: 223-4952.

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