Versão Inglês

Ano:  2000  Vol. 66   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - (12º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 72 a 76

 

MENINGOENCEFALOCELE VOLUMOSA INTRANASAL.

Large Intranasal Meningoencephalocele.

Autor(es): Lídio Granato*,
Osmar Souza Neto**,
Daniel Destailleur**,
Flávio Padula****,
Ricardo M. Lessa*****.

Palavras-chave: meningoencefalocele, anomalias nasais, congênita, rinotomia lateral

Keywords: meningoencephalocele, nose anomalies, congenital, lateral rhinotomy

Resumo:
Meningoencefalocele intranasal é uma afecção rara, principalmente em adultos. O caso apresentado mostra uma grande massa que ocupava toda a fossa nasal direita e deslocava o septo inteiramente para o lado oposto. Submetido a tratamento cirúrgico por rinotomia lateral, o paciente evolui satisfatoriamente e assintomático há três anos.

Abstract:
Meningoencephalocele is rarely seen in adult. This case report shows the management of a larg mass in adult man. Underwent a surgical treatment by lateral rhinotomy resulted in a good evolution and the patient continue without symptoms after long follow-up.

INTRODUÇÃO

A meningoencefalocele, vista pelo otorrinolaringologista, é relativamente rara, sendo que a lombosacral e a occipital ocorrem cinco vezes mais. A meningoencefalocele cranial anterior é bem mais rara. Nos Estados Unidos a incidência ele massa intranasal congênita meningoencefalica é de 1:16.000, mas na população asiática é maior, ou seja, de 1 para 5.0002, 6.

As meningoencefaloceles são malformações que surgem por herniação da duramater e tecido cerebral, através de um defeito ósseo. A causa é o fechamento incompleto do neuroporo na terceira semana do desenvolvimento1.

A causa ela meningoencefalocele ainda não é bem conhecida, assim como do glioma nasal. Embora sejam entidades diferentes, nem sempre são bem claramente definidas. A importância desta diferenciação está relacionada com o manejamento cirúrgico, que é bem diferente em cada caso.

Os gliomas nasais são em geral totalmente isolados do sistema nervoso central (SNC), embora ocasionalmente eles possam estar conectados com o cérebro por uma fina haste ele tecido naural5.

As meningoencefaloceles são ligadas ao cérebro e circundadas por meninges comunicando cola o espaço subaracnóideo. Por esta razão, quando esta massa é impropriamente manejada, pode criar uma fístula liquórica, dando oportunidade para a infecção ascendente.

Na sua forma intranasal, a meningoencefalocele pode ser confundida com pólipos nasais; porém, alguns sinais clínicos, tais como a dependência com o septo nasal e aumento da massa quando se aumenta a pressão intracranial por compressão dos vasos cervicais (sinal de Furstenberg)10, ajudam na diferenciação.

O tratamento desta afecção é cirúrgico; e, no passado, era realizado sempre em associação cola os neurocirurgiões; mas, atualmente, boa parte cios casos desta malformação intranasal é operada extracranialmente, por método endoscópico ou por via externa.

Ferger, em 1985, tratou com sucesso um caso de encefalocele intranasal através de acesso cirúrgico endonasal, utilizando a ligadura cio pedículo e tamponanlento nasal cota gaze embebida em iodofórmio4.

Com o progresso da radioimagem e da técnica cirúrgica endoscópica, que oferece uma excelente visualização, houve uma maior aceitação desta técnica. Há ainda espaço para as técnicas ditas convencionais, dependendo de algumas situações clínicas.

O objetivo deste trabalho é relatar um caso de encefalocele volumosa em um paciente adulto que passou por vários serviços e submetido a vários exames, incluindo punções com intuito ele diagnóstico - e também discutir o diagnóstico e os diferentes tipos de tratamento referidos na literatura.



Figura 1. Tomografia computadorizada mostra solução de continuidade entre a fossa cranial anterior e a fossa nasal.



APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

Paciente M. R. S, do sexo masculino, com 23 anos de idade, lavrador, natural e procedente de São Paulo.

O paciente veio com queixa ele obstrução nasal constante completa à direita e parcial à esquerda desde o nascimento, com piora do quadro há um ano, quando passou apresentar sangramentos nasais esporádicos de pequena intensidade e alargamento da pirâmide nasal. Nega rinorréia ou sintomas alérgicos e traumas ou cirurgias prévias. Refere que foi puncionado várias vezes, na tentativa de diagnóstico; porém, sem solução e também sem complicações.

Nariz e rinoscopia anterior:

Pirâmide nasal alargada a partir de ossos próprios. Fossa nasal direita ocupada por uma massa, a partir da válvula, de superfície lisa, consistência amolecida, não dolorosa e coloração rósea clara.

Fossa nasal esquerda com desvio global do septo por compressão da massa contra-lateral.

Rinoscopia posterior:

Nasofaringe livre.

O estudo tomográfico realizado mostrou evidente solução ele continuidade entre a fossa cranial anterior e a fossa nasal (Figura 1); e a ressonância confirmou a herniação ele tecido cerebral junto a placa crivosa na sua porção bem anterior (Figura 2).

Foi indicada a cirurgia por via extracranial; e o acesso foi realizado externamente, através de incisão ele rinotomia lateral. Havia grande aderência da massa às estruturas vizinhas, e o envoltório da lesão na sua parte medial era a própria mucosa septal. Por essa razão, a porção osteocartilaginosa cio septo ficou desnuda após o descolamento da lesão. Havia também aderência junto à parcele lateral, principalmente na cabeça da concha média, que era bem desenvolvida.



Figura 2. Ressonância magnética mostra herniação ele tecido cerebral junto à placa crivosa na sua porção anterior.



Figura 3. Fossa nasal livre da massa meningoencefálica e o repto nasal bem centrado.



Para facilitar o acesso à base cio crânio, foram feitas osteotomias lateral e medial, e o osso próprio do lado direito foi rebatido e ficou aderido ao seu periósteo, para posterior reposicionamento. Durante a dissecção, observou-se que o processo frontal do maxilar à direita estava adelgaçado, por provável compressão da massa.

Uma vez descolada toda massa até a base do crânio, foi ligada bem junto à falha da placa crivosa e seccionada. Foi colocada uma fáscia para reforço bem no pertuito pré-existente. Em nenhum momento houve saída de liquor.

O septo nasal que estava bastante desviado foi corrigido (Figura 3).

A fossa nasal ficou tamponada por 48 horas.

O pós-operatório imediato transcorreu sem anormal idades; e, em três anos de seguimento, mostra o paciente assintomático e sem alteração estética (Figuras 4 e 5).

O material enviado para anátomo-patológico mostrou a presença ele epitélio respiratório revestindo a lesão; mais profundamente, tecidos desorganizados e representados por tecido conjuntivo denso e tecido frouxo, que lembra lepto-meninge e vasos de tamanhos variados, todos entremeados por áreas irregulares ele tecido encefálico malformado.

DISCUSSÃO

O paciente era portador ele volumosa massa, que ocupava toda fossa nasal direita e empurrava o seixo para o lado oposto, bloqueando também o lado esquerdo. Como a queixa do paciente vinha desde a infância, logo se pensou na possibilidade de malformação.

As malformações mais freqüentes nessa área são as chamadas afecções pré-nasais, que incluem a meningoencefalocele, o gliorna e o cisto dermóide.

O pólipo nasal, que serviria para o diagnóstico diferencial, ficaria afastado pela característica clínica da doença e por ter tido origem congênita.

O estudo com a tomografia computadorizada, e complementado pela ressonância, não deixava dúvida quanto à natureza da lesão, ou seja, a meningoencefalocele. A meningocele seria a herniação somente elas meninges, enquanto que a encefalocele serial herniação do tecido nervoso, assim como das meninges. Ambas as lesões podem conter líquido cerebrospinal8.

O que chamava a atenção neste caso é que o paciente referia ter sido puncionado anteriormente e não apresentado fístula liquórica ou mesmo a complicação mais freqüente neste caso, que seria a meningite.

Seguindo a classificação de Davis de 1959 e modificada por Suwanwela, as meningoencefalocele anteriores podem ser divididas, segundo a sua localização, em dois grupos: a Pronto-etmoidale a basal3, 11.

A fronto-etmoidal consiste em três tipos:

Naso-frontal - Situado na linha média da raiz nasal, passando entre o frontal e os ossos próprios.

Naso-orbital - Variedade que sai entre o frontal e o osso lacrimal, sendo encontrada na porção ântero-medial da órbita.

Naso-etmoidal - Situado entre o frontal e ossos etmoidais.



Figura 4. Pós-operatório de três anos mostra área de fibrose na parte alta da fossa nasal direita; porém, assintomático.



Figura 5. O aspecto estético facial não sofreu alteração no pós-operatório, apenas pequena cicatriz provocaria pela incisão.



Suwanwela fez revisão em 100 casos de meningoencefalocele anterior e encontrou em todos defeito que se origina entre o frontal e o seio etmoidal. Estes achados vêm explicar a propensão para esta localização, que (leve ter origem no desenvolvimento embriológico. O osso frontal é membranoso e encontra com o osso etmoidal, o qual é de formação endocondral. A junção do osso endocondral com o osso membranoso resulta em uma área frágil, através da qual elementos neurais podem herniar11.

O grupo basal consiste de quatro tipos:

Esfenofaringeal - que passa através do osso esfenoidal e se apresenta na nasofaringe.

Esfenorbital - que alcança a órbita via fissura supra orbital.

Esfenomaxilar - que passa através da fissura supraorbital para a infra-orbital e alcança a fossa ptérigo-maxilar. Este tipo pode se apresentar como massa ou cisto na bochecha ou medialmente a mandíbula.

Intranasal - que entra através cia placa cribiforme, apresentando-se entre a concha média e o septo nasa.

Este último grupo, ou seja, meningoencefalocele basal, nunca vem acompanhado de outras anomalias faciais tais como microcefalia, anoftalmia, microftalmia, ou hidrocéfalo, como acontece com o outro grupo. Talvez por esta razão é que o diagnóstico nos casos de anomalia basal, por exemplo intrarlasal, é mais tardio e, as vezes, mesuro na adolescência ou na vida adulta.

Se a detecção da lesão escapar na infância, provavelmente outros sintomas, além da obstrução nasal, poderão se manifestar - tais como anommia, rinorréia aquosa, sangramento ou mesmo meningite nos casos de malformações com fístula. Na população de adolescentes ou de adultos, quando se observa a massa na fossa nasal, surge a possibilidade de outros diagnósticos diferenciais, tais como mucocele de concha média ou outros tumores benignos e malignos menos freqüentes, e principalmente o pólipo nasal, pela sua freqüência.

A meningoencefalocele é geralmente pulsátil, de cor acinzentada, e tem relação muito próxima com a linha média. Como diagnóstico diferencial ele lesões congênitas de linha média, deve se considerar, além elo glioma, os teratomas, hamartomas, hemangiomas e cistos dermóides.

No paciente, dado o tamanho da massa, havia também aderência na parede lateral. Em geral, esta fixação na linha média existe nas lesões congênitas e facilita sua diferenciação daquelas que têm origem justamente na parede lateral.

Outra característica da meningoencefalocele é o aumento de volume quando se executa a manobra de Valsalva ou se comprime a veia jugular no nível cervical (sinal de Furstenberg positivo). O glioma nasal é a afecção mais importante como diagnóstico diferencial e representa um remanescente de tecido nervoso isolado do encéfalo. Apresenta o sinal de Furstenberg negativo, embora o anátomo-patológico do glioma seja semelhante àquele da meningoencefalocele.

No exame físico do paciente, seria muito difícil individualizar a sua origem, pelo tamanho da massa que bloqueava toda a fossa nasal. Não havia fistula, pois acreditamos que o espaço subaracnóideo na fossa cranial anterior é bem menor que aquele da fossa média. A explicação é que a dura e aracnóide da fossa média são muito aderentes, e a cisterna basal forma um grande espaço subaracnóideo. Na fossa anterior o espaço é menor e a duramater é muito mais aderente ao osso. Conseqüentemente, quando há lesão da dura da fossa cranial anterior, há 1rlaior tendência de condução de ar para o espaço subdural em relação à rinorréia cerebrospinal7, 9.

A tomografia computadorizada é essencial para estudar anatomia regional e defeitos ósseos na base do crânio. O paciente apresentava evidente solução de continuidade na placa crivosa bem anteriormente. A ressonância magnética completa o estudo, evidenciando a herniação do tecido cerebral para a fossa nasal. A ressonância tem a propriedade de oferecer uma melhor resolução dos tecidos moles em relação a tomografia computadorizada.

O tratamento de escolha da meningoencefalocele é cirúrgico. Várias são as possibilidades de acesso, incluindo a participação do neurocirurgião, que separa a porção cranial da nasal, através da ligadura e reforço da falha óssea com diferentes materiais: fascia lata, músculo, fragmento ósseo etc. A porção nasal é em seguida ressecada pelo otorrinolaringologista com facilidade.

A abordagem intranasal pode ser feita exclusivamente quando o pertuito na base do crânio não é muito grande. A tendência mais moderna é operar através deste acesso, com a utilização de endoscópios. O paciente foi operado pela via extracranial, através de apropriada incisão de rinotomia lateral. Para melhor exposição da falha óssea, foi feita osteotomia mediana e lateral, deixando o osso próprio nasal da direita, fixado ao periósteo, para posterior reposicionamento.

A exposição da lesão por esse acesso externo facilitou demais a sua retirada. A via endoscópica foi cogitada, pois seria uma possibilidade alternativa para a resolução do caso. O tamanho da massa ocupando quase toda a fossa nasal levou à opção pela via externa.

Durante a dissecção da lesão, houve sangramento razoável; porém, não houve saída de liquor. Posteriormente, observando o resultado anátomo-patológico, pôde se entender o ocorrido, já que grande parte do envoltório da lesão era constituído de tecido fibroso denso, razão também pela qual o paciente tinha sido submetido no passado a várias punções sem maiores conseqüências.

Portanto, a ligadura da lesão, bem junto do pertuito de comunicação com a fossa anterior, já seria suficiente para solucionar o problema.

No pós-operatório, houve o desenvolvimento ainda maior de fibrose da região, vedando totalmente a falha óssea.

Também não houve alteração da estética facial, embora o osso próprio direito tivesse sido deslocado durante o ato cirúrgico - e reposicionado.

CONCLUSÃO

À presença da massa polipóide nasal, unilateral principalmente em crianças pequenas, deve se pensar, em primeiro lugar, em meningoencefalocele; e estão contra-indicadas manobras tais como punção, biópsia OU mesmo ressecção parcial da lesão, pois provavelmente surgira meningite por infecção ascendente.

Quando o diagnóstico não for feito na infância, e o paciente procura o otorrinolaringologista para tratamento lia vida adulta, observar que a meningoencefalocele, ao contrário da polipose nasal, tem aderência no septo, ou está presente junto a linha média.

O tipo de tratamento cirúrgico vai depender do tamanho do defeito, que será investigado através dos métodos de radioimagem e da experiência do cirurgião.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

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* Professor Chefe de Clínica do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
** Pós-Graduando da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Pauto. *** Pós-Graduando da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. **** Médico Radiologista do Hospital Santa Catarina.
***** Médico Estagiário do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.

Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo e apresentado como tema livre no 34° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, realizado em Porto Alegre/ RS, de 18 a 22 de novembro de 1998. Endereço para correspondência: Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - Departamento de Otorrinolaringologia - Edifício Conde de Lara, 4° Anelar - Rua Dr. Cesário Mota júnior, 112-Vila Boarque - 01221-020 São Paulo/ SP - Telefone: (Oxx11) 226-7235-Fax: (Oxx11) 822-7630 - E-mail: lgranato@uol.com.br

Artigo recebido em 25 de maio de 1999. Artigo aceito em 1 de julho de 1999.

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