Versão Inglês

Ano:  2000  Vol. 66   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 31 a 36

 

TRATAMENTO ENDOVASCULAR DE EPISTAXE POR MICROCATÉTER SUPER-SELETIVO.

Endovascular Selective Treatment of Epistaxis

Autor(es): Roberta R. Almeida*,
Eduardo N. Kihara**,
Clemente I. R. Almeida***,
Valéria Souza**,
André C. Duprat****,
José Carlos Burlamaque****.

Palavras-chave: epistaxe, tratamento endovascular, embolização

Keywords: epistaxis, endovascular treatment, embolization

Resumo:
Material e métodos: Os autores relatam 15 casos de pacientes com epistaxe severa tratados por via endovascular, através de embolização super-seletiva, no período de janeiro ele 1990 a junho de 1998, no Departamento de Radiologia e NeuroRadiologia Intervencionista do Hospital Israelita Albert Einstein, de são Paulo. Resultados: Em todos os casos, a hemorragia foi controlada, sem complicações ou intercorrências. As indicações, limitações e complicações do método são discutidas; e os resultados, comparados à literatura mundial.

Abstract:
Material and methods: Fifteen cases of severe epistaxis treated by selective embolization are presented in this study, wich is based on an eight gear retrospective analysis. Results: The bleeding was controled in all cases, without complications. Indications, limitations and complications of this method are reviewed. We disscuss the results based on international publications.

INTRODUÇÃO

Epistaxe de difícil controle é advento pouco comum, havendo necessidade de tratamento médico em apenas 6% dos casos de sangramento nasal2. A compressão local, uso de vasoconstritores, sedação e controle da hipertensão ou coagulopatia devem ser os procedimentos iniciais, seguidos por tamponamento nasal anteriore/ou posterior, e eletrocoagulação sob visualização direta ou endoscópica, o que pode ser de difícil realização na vigência ele sangramento intenso e intermitente.

Quando os métodos acima não se mostram eficientes, o tratamento da hemorragia se torna um desafio. Nesses casos, a ligadura cirúrgica extranasal dos ramos etmoidais ou dos ramos da artéria maxilar interna vem sendo realizada há décadas, com sucesso no controle do sangramento e complicações já bem descritas na literatura4, 7. A embolização arterial por catéter super-seletivo deve ser considerada quando os procedimentos iniciais básicos não apresentam resultados, sendo alternativa ou complementar ao tratamento cirúrgico.

A irrigação da fossa nasal ocorre por ramos das artérias maxilar interna, facial e etmoidal anterior e posterior. Durante o procedimento inicial da arteriografia, estes territórios devem ser estudados bilateralmente para que sejam pesquisadas afecções que envolvam os mesmos, bem como para que se evitem complicações isquêmicas extensas. Este procedimento vem sendo realizado em vários centros desde 19746, com freqüência crescente, de forma que já encontramos na literatura diversos relatos da sua alta efetividade, que varia de 79%1 a 97%5, e das potenciais complicações, que ocorrem em cerca de 8% dos casos1, 3, 8. Entre as desvantagens do método, encontramos a necessidade de equipamentos sofisticados e presença de equipe de nerovo-radiologia intervencionista, disponíveis apenas em grandes centros. As principais complicações da embolização super-seletiva descritas na literatura são1: cegueira, parestesia na face, hemiparesia, hemiplegia, paralisia facial, dor ou hiper-sensibilidade local, necrose de palato ou região jugal e lesão da íntima da artéria carótida interna. As complicações neurológicas são de origem isquêmica por vasoespasmo e/ou embolização acidental de territórios intracranianos ou de ramos para o nervo facial, que podem ser transitórias ou definitivas. Todas as complicações podem ser classificadas em maiores ou menores, de acordo com sua severidade e persistência.

O objetivo deste trabalho é relatar a experiência do grupo de nervo-radiologia intervencionista do Hospital Israelita Albert Einstein de São Paulo no tratamento endovascular de epistaxe severa, ressaltando a alta efetividade e baixa incidência de complicações do método.

MATERIAL E MÉTODO

No período de janeiro de 1990 a junho de 1998, foram tratados por via endovascular 15 pacientes que apresentavam epistaxe severa e que não responderam a tamponamento ântero-posterior e/ou tratamento cirúrgico.

Em todos os casos utilizou-se a punção da artéria femoral como via de acesso, sob anestesia local e sedação em 14 pacientes, e sob anestesia geral em um paciente, nas duas situações com acompanhamento de anestesista. A partir de 1994, iniciou-se a utilização do micro-catéter super-seletivo. Angiografia seletiva de artéria carótida externa e interna é realizada bilateralmente antes da embolização, para estudo anatômico da circulação, detecção do risco de comprometimento da circulação intracraniana através de colaterais entre ramos das artérias carótidas externa e interna, e para pesquisa da etiologia da hemorragia. Para oclusão dos vasos sangrantes na fossa nasal foram utilizados, como material de embolização, partículas de lvalon® (espuma de polivinil álcool) e partículas de Gelfoam® embebidas em álcool absoluto. Também foram utilizadas molas de aço fibrado e acrilato (NBCA-Histoacryol®) para oclusão definitiva de vasos ele maior calibre. O tamponamento foi retirado durante o procedimento, logo após a embolização, para observação do sangramento.

RESULTADOS

A idade média dos pacientes foi de 46 anos (variando de 9 a 82 anos), sendo nove do sexo masculino e seis do sexo feminino. O sangramento estava relacionado a hipertensão arterial sistêmica em três pacientes, pós trauma facial em dois pacientes, alteração cia coagulação por alcoolismo em dois pacientes e sem causa determinada em oito pacientes. Seis pacientes haviam sido submetidos a ligadura cirúrgica prévia de ramos da artéria carótida externa. Em todos os pacientes foram utilizadas partículas de Ivalon® e de Gelfoam®. Em quatro pacientes foram utilizadas molas de aço para oclusão definitiva do vaso. Em um paciente, com hemorragia pós-pseudo-aneurisma traumático, foi utilizado acrilato. Dois pacientes, que foram embolizados apenas com partículas de Ivalon®, apresentaram sangramento 48 horas após a retirada cio tampão, tendo sido necessário o reestudo para controle completo da hemorragia. Em um paciente foi mantido tamponamento em região etmoidal após o procedimento, por 48 horas.

Nos 15 pacientes conseguiu-se o controle do sangramento, com alta hospitalar, entre 48 e 72 horas após o procedimento. Não houve recorrência da hemorragia durante 12 meses de seguimento. Foi observada dor isquêmica local após a embolização em todos os pacientes, parestesia de hemiface em sete pacientes com regressão total, de forma gradual em até 48 horas.

Em nenhum paciente foi observada seqüela neurológica.



Figura 1. Artéria carótida interna direita (a) contrastada, sem evidência de sangramento proveniente de artérias etmoidais (b), ramos da artéria oftálmica (c).



Figura 2. Angiografia seletiva de artéria carótida externa direita mostra oclusão na origem da artéria maxilar interna direita (ligadura cirúrgica), com reopacificaçâo de colaterais por ramos distais de artéria facial e facial transversa (seta). Hemorragia nasal a partir destes ramos.



CASOS ILUSTRAMOS

Caso 1

M. 1. S. A., mulher com 64 anos de idade, hipertensa e fumante. Há nove anos foi submetida a ligadura da artéria maxilar interna direita por epistaxe severa incontrolável. Há uma semana apresentava quadro de IVAS com muita tosse. Há um dia apresentando sangramento intenso de fossa nasal direita não controlado por tamponamento ântero-posterior direito. À arteriografia seletiva de artéria carótida interna direita, observamos não que havia sangramento proveniente de território de artérias etmoidais (Figura 1). O exame seletivo de carótida externa mostrava áreas de hiperemia em território de artéria facial direita e ramos colaterais da artéria maxilar interna direita (Figura 2). Após a exclusão da circulação proveniente da artéria facial com partículas de Ivalon®, Gelfoam® e mola, notava-se ainda a hiperemia referente ao território de irrigação dos ramos colaterais da artéria maxilar interna (Figura 3). Estes ramos foram ocluídos por embolização com Gelfoam® e Ivalon®, sendo preservadas as artérias temporal superficial e meníngea média (Figura 4).

Caso 2

W. A. S., homem, com 35 anos de idade, apresentando epistaxe abundante após ferimento, por arma de fogo, na face. À arteriografia, observamos pseudo-aneurisma pós-traumático em ramo da artéria maxilar interna esquerda (Figura 5), que foi excluído pela oclusão seletiva da mesma artéria com três molas e acrilato, preservando-se as artérias temporal superficial e meníngea média (Figura 6).



Figura 3. Embolização superseletiva dos ramos distais da artéria facial e facial transversa, preservando artéria temporal superficial e meníngea média, ainda com sangramento proveniente de colaterais de artéria maxilar interna (seta).



Figura 4. Após embolização de colaterais que supriam o território da artéria maxilar interna, previamente ligada (seta).



Figura 5. Angiografia seletiva de artéria carótida externa, incidência PA, mostrando pseudo-aneurisma pós-traumático em artéria maxilar interna esquerda.



Figura 6. Angiografia seletiva de artéria carótida externa, incidência lateral, após oclusão da artéria maxilar interna esquerda cota três molas fibradas.



Figura 7. Hemorragia para fossa nasal anterior por ramos distais de artéria maxilar interna (setas).



Caso 3

L. A., menino de nove anos de idade, apresentava sangramento por fossa nasal direita incontrolável após trauma de face. Apresentava extensa área de hiperemia referente a território de ramos da artéria maxilar interna direita (Figura 7). Após a embolização seletiva desta artéria com Gelfoam®, observamos o fim do sangramento e a preservação da artéria temporal superficial (Figura 8).

Caso 4

A. S. N., homem, com 52 anos de idade, hipertenso leve que vinha fazendo uso maciço de AAS (2g/d) há quatro dias, por quadro de IVAS.



Figura 8. Ausência de sangramento após a embolização (seta), com preservação das artérias temporal superficial e meningea média.



Figura 9. Angiografia seletiva de artéria carótida externa esquerda após ligadura cirúrgica de artéria maxilar interna esquerda (seta), não evidenciando sangramento.



Apresentou epistaxe severa em fossa nasal esquerda não controlado por cauterização cirúrgica e tamponamento ântero-posterior durante dois dias, tendo sitio levado para ligadura cirúrgica da artéria maxilar interna esquerda. No pós-operatório imediato, voltou a apresentar sangramento incontrolável por fossa nasal esquerda, associado a distúrbio transitório ela coagulação, sendo realizado novo tampão ântero-posterior forte, no próprio centro cirúrgico. Como persistisse com sangramento, apesar do tamponamento, foi indicada a arteriografia, onde não observamos contribuição da artéria maxilar interna ipsilateral ligada cirurgicamente (Figura 9), mas sim da artéria maxilar interna contralateral ao sangramento (Figura 10), que foi embolizada com Gelfoam®. Após a retirada do tampão, apresentou ainda discreto sangramento, agora de origem etmoidal, que foi controlado com pequeno tampão etmoidal bem localizado, por mais 48 horas.

DISCUSSÃO

Medidas conservadoras como a compressão local, cauterização, tamponamento ântero-posterior,-sedação, controle de hipertensão arterial sistêmica e coagulopatia são o tratamento inicial dos quadros de epistaxe severa. Caso essas medidas não tragam o efeito esperado, o tratamento endovascular deve ser considerado como medida complementar ou alternativa à ligadura arterial, lembrando que ambos os procedimentos a longo prazo podem levar à formação de ramos colaterais.



Figura 10. Angiografia seletiva de artéria carótida externa direita mostrando pequeno extravasamento de contraste (setas), origem cia hemorragia persistente, que foi tratada por embolização.



O critério de escolha entre o tratamento cirúrgico ou endovascular depende da melhor equipe disponível e das particularidades de cada caso, como condições clínicas, cirurgia prévia e/ou sítio do sangramento, e visa proporcionar segurança terapêutica com baixa morbidade para o paciente.

As vantagens da terapêutica endovascular de epistaxe são: localização da região sangrante previamente ao tratamento e diagnóstico de patologias associadas, como malformações vasculares, tumores e pseudo-aneurisma pós-traumático. A embolização superseletiva permite a oclusão do leito vascular com hemostasia efetiva, podendo ser realizada reembolização, se necessário. O procedimento é realizado sob anestesia local e sedação, na maioria dos casos, sempre sob acompanhamento do anestesiologista, sendo nestas condições um procedimento bastante seguro.

Como desvantagens do método, podemos citar: a necessidade de equipamento sofisticado e equipe especializada, limitação à aplicação do método para sangramento com origem nas artérias etmoidais, e as complicações descritas na literatura. As complicações isquêmicas pós-embolização em territórios de carótida interna, colaterais ou isquemia na bainha de raízes nervosas, que podem ocorrer, não foram observadas em nossa casuística, provavelmente devido à sua baixa incidência e a alta seletividade da embolização, sendo a dor isquemca e parestesia de hemiface, reversíveis em até 48 horas, as únicas queixas observadas em nossa casuística.

CONCLUSÃO

Os 15 casos de epistaxe severa, de difícil controle por outros métodos, foram tratados por arteriografia e embolização super-seltiva.

A morbidade e as intercorrências do tratamento endovascular por catéter superseletivo são mínimas quando o procedimento é realizado com critério, por equipe multidisciplinar capacitada e com materiais adequados. Em nossa casuística não foram observadas as complicações citadas na literatura.

O método apresenta resultados compensadores e estimulantes, devendo ser no futuro cada vez mais utilizado.

A integração entre as equipes otorrinolaringológica e de radiologia intervencionista é fundamental para que ocorra a indicação adequada do procedimento, manuseio do tamponamento e avaliação do sangramento após a embolização, além de seguimento do caso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Pós-Graduanda na Disciplina de Otorrinolaringologia cio Hospital das clínicas da Faculdade ele Medicina da USP.
** Do Departamento de Radiologia Intervencionista e Neuro-Radiologia Intervencionista do Hospital Israelita Albert Einstein.
*** Professor Titular do Departamento de Otorrinolaringologia da FMJ e Professor de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas ela Santa Casa de São Paulo- FCMSCSP.
**** Pós-Graduando do Departamento de Otorrinolaringologia da FCMSCSP.

Apresentado como Tema Livre no 34° congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, realizado no período de 18 a 22 de novembro, de 1998, em Porto Alegre/ RS.

Endereço para correspondência: Departamento de Radiologia Intervencionista e Neuro-Radiologia Intervencionista do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo - Roberta Ribeiro de Almeida - Rua Professor Artur Ramos, 96 - Cjto. 72 - São Paulo /SP - Telefax: (Oxx11) 212-8244 / 81(2839 - Email: almeidaduprat@uol.

Artigo recebido em 16 de abril de 1999. Artigo aceito em 23 ele setembro de 1999.

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