Versão Inglês

Ano:  2000  Vol. 66   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 18 a 21

 

Papilomas Invertidos: Aspectos Clínicos e Cirúrgicos.

Inverted Papiloma: Clinical and Surgical Considerations.

Autor(es): Richard L. Voegles*,
Fernando V. Angélico Jr.**,
Fernanda V, de Moraes**,
Márcia A. Kii**,
Fabrício W. de Medeiros***,
Luiz Ubirajara Sennes****,
Ossamu Butugan****.

Palavras-chave: papiloma invertido, papiloma sellneideriano, cirurgia, evoluçao, endoscópio

Keywords: inverted papiloma, surgery, outcome, endoscope

Resumo:
Introdução: Os papilomas invertidos (PI), também denominados papiloma schncideriano, são tumores benignos, nas insidiosos, que podem levar a danos irreversíveis se não forem diagnosticados e tratados precocemente, principalmente devido à sua alta taxa de recidiva e associação com carcinoma espinocelular. Objetivos: O objetivo deste trabalho foi estudar, retrospectivamente, 14 pacientes portadores de PI submetidos a tratamento cirúrgico na Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no período de 1988 a 1998. Resultados: Do total de 14 pacientes estudados, 10 (71,4%) eram do sexo masculino; e 4 (28,6%), do sexo feminino. A idade variou de 27 a 65 anos (média = 47,6 anos; dp = 13,5 anos). A maioria (n = 8; 57,1%) encontrava-se entre a 5ª e a 6ª décadas de vida. O principal sintoma foi obstrução nasal unilateral, apresentado por todos (n =14), seguido por rinorréia purulenta (n =10; 71,4%) e epistaxe unilateral e hiposmia (n = 9; 64,3%). Todos os PI (n = 14; 100%) possuíam origem na parede lateral da fossa nasal. Todos foram submetidos a cirurgia, sendo 7 (50%) por via Caldwell-Luc, 5 (35,7%) por via endoscópica endonasal, um (7,2%) por Degloving, e outro (7,2%), por via combinada Degloving e pára-lateronasal. Em apenas um paciente operado em nosso Serviço ocorreu recidiva, sendo que em nenhum caso foi observada transformação maligna. Conclusão: O diagnóstico precoce associado com intervenção cirúrgica imediata são essenciais no prognóstico dos portadores do PI. O uso do endoscópio durante o ato cirúrgico e, principalmente, no acompanhamento pós-operatório tem-se mostrado extremamente útil.

Abstract:
Introduction: Inverted papilomas (IP) are benign tumors that may lead to irreversible lesions if not diagnosed and treated promptly, specially due to recurrence and association with carcinoma. Aim: The objective of this study is to present 14 patients submitted to surgical treatment at the Department of Otolaryngology of the Hospital of Clinics of the University of São Paulo between the period of 1988 and 1998. Results: Of the 14 studied patients' total, 10 (71,4%) were male and 4 (28,6%) female. The age varied from 27 to 65 years (average = 47,6years; dp=13,5years). Most patients (n = 8; 57,1%) were in the 5th or 6th decade of life. The main symptom was unilateral nasal obstruction, presented by all (n =14), followed for purulent discharge (n =10; 71,4%) and unilateral epistaxis and hiposmia (n = 9; 64,3%). All IP (n = 14; 100%) originated from the lateral wall of the nasal cavity. All patients were submitted to surgery, 7 (50%) underwent Caldwell-Luc procedure, 5 (35,7%) endonasal endoscopic procedure, ore (7,2%) Degloving and the other (7,2%) combined Degloving and paralateronasal approaches. In just ore patient operated in our service recurrence was observed and none of our patients evaluated with malignant transformation. Conclusion: Early diagnosis associated with surgical intervention is essential in the prognosis of the of IP. The use of the endoscopes during the surgical act and, specially, in the follow-up provides an excellent help in the control of this disease.

INTRODUÇÃO

Entre todos os tumores de seios paranasais e fossas nasais, o papiloma invertido (PI) é de especial interessse. Também conhecido como papiloma schneideriano, papiloma de células transicionais ou papiloma de Ewing12, o PI é um tumor benigno cujas principais características são a alta taxa de recorrência12, 6, 3, 1 e a sua associação com carcinoma espinocelular (CEC)12, 6, 7, 16.

A etiologia exata dos PI é desconhecida, mas vários fatores podem estar relacionados à sua gênese: papilomavírus (HPV)3, 16, vírus Epstein-Barr (EBV)9, exposição ocupacional16, 10, 04, inflamação16, alergia16 e exposição ao tabaco16.

Obstrução nasal, rinorréia, epistaxe, além de sintomas orbitários e orais podem fazer parte do quadro clínico dos PI, dependendo de sua extensão e agressividade.

De maneira geral, costuma apresentar-se em estágios avançados devido aos seguintes aspectos6: 1. as fossas nasais e seios paranasais são cavidades repletas de ar, o que permite o crescimento do tumor sem sinais ou sintomas evidentes; 2. os sinais e sintomas mais freqüentes, quando presentes, são semelhantes aos de uma rinossinusite (obstrução nasal, rinorréia e dor facial, entre outros); e 3. demora no diagnóstico pelos médicos.

Histologicamente, constituem-se de células epidermóides e, ocasionalmente, de epitélio colunar, cuja superfície se inverte sobre o estroma, dando sua aparência característica. A membrana basal permanece intacta6.

O objetivo deste estudo é avaliar, retrospectivamente, os aspectos epidemiológicos, clínicos e cirúrgicos dos PI, acompanhados em nosso Serviço, desde janeiro de 1988 e até julho de 1998.

MATERIAL E MÉTODO

Foram avaliados, retrospectivamente, todos os prontuários de 14 pacientes com diagnóstico de papiloma invertido submetidos a tratamento cirúrgico na Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no período de 1988 a 1998.

Foram levantados os seguintes dados: idade, sexo, quadro clínico, tempo de história clínica, localização do tumor (por tomografia computadorizada), número de cirurgias prévias, tipo de acesso cirúrgico, complicações pós-operatórias, número de recidivas e tempo decorrente para seu diagnóstico e associação com carcinoma espinocelular.

RESULTADOS

A nossa casuística compreende 14 pacientes, sendo 10 (71,4%) do sexo masculino, e 4 (28,6%), do feminino. A relação entre homens e mulheres foi de 2,5 para 1, respectivamente.

A idade dos pacientes variou de 27 a 65 anos, com média de 47,6 anos (dp = 13, 5 anos). Na maioria dos pacientes (n = 8; 57, 1%) encontravam-se entre a 5ª e a 6ª décadas de vida (Gráfico 1).



Gráfico 1. Distribuição etária geral.



O sintoma mais comum foi a obstrução nasal unilateral, apresentado por todos (n = 14) os pacientes. A seguir, encontramos rinorréia purulenta (n =10; 71,4%), seguida por epistaxe unilateral e hiposmia (n = 9; 64,3%).

Cinco pacientes (35,7%) tinham queixa de cefaléia, sendo ainda observados os seguintes sintomas e sinais: massa se exteriorizando pela narina em dois pacientes (14,3%), rinorréia aquosa em dois pacientes (14,3%), turvação visual e proptose (papiloma invadindo a órbita) em um paciente (7,2%) e cacosmia em um paciente (7,2%) (Tabela 1).

Nenhum dos pacientes apresentou sintomas alérgicos nasais, como prurido nasal e espirros.

O tempo de história da sintomatologia variou de um a nove anos com uma média de 42,8 meses (dp = 34,5 meses). A maioria dos casos (n = 9-164,3%) apresentou-se para tratamento com menos de três anos de história clínica. Apenas três pacientes (21,4%) tinha cinco ou mais anos de história de sintomas associados à tumoração.

Todos os papilomas invertidos estudados (n =14;100%) tinham sua origem na parede lateral da fossa nasal, sendo 50% (n = 7) na fossa nasal direita e 50% (n = 7) na fossa nasal esquerda. Não foram observados casos bilaterais.

O seio maxilar ipsilateral à origem do tumor foi acometido em 57,1% (n = 8) dos pacientes, sendo seguido pelo seio etmoidal anterior, que mostrou evidência de tumor em seis (42,9%) pacientes.

Ocorreu extensão para o seio etmoidal posterior em dois (14,3%) pacientes. Outros locais para os quais o tumor se expandiu foram rinofaringe (n = 2; 14,3%), órbita (n = 2; 14,3%) e seio esfenoidal (n =1; 7,2%), como descrito na Tabela 2. Nove pacientes (64,3%) nunca tinham sido operados até o momento em que se apresentaram para o tratamento em nosso Serviço.


TABELA 1 - Sintomas e sinais dos PI.
SINTOMAS / %
Obstrução nassal unilateral - 100
Secreção purulenta - 71,4
Epistaxe unilateral - 64,3
Hiposmia - 64,3
Cefaléia - 35,7
Rinorréia aquosa - 14,3
Massa exteriorizando por fossa nassal - 14,3
Cacosmia - 7,2
Turvação visual - 7,2



TABELA 2 - Localização e extensão tumoral.
LOCALIZAÇÃO - EXTENSÃO / %
Parede lateral fossa nasal - 100
Seio maxilar 57,1
Seio etmoidal anterior - 42,9
seio etmoidal posterior - 14,3
Órbita - 14,3
Rinofaringe - 14,3
Seio esfenóide - 7,2



Dois pacientes (14,3%) já tinham se submetido a uma cirurgia; um paciente (7,2%), a duas cirurgias; e um paciente (7,2%), a três cirurgias anteriormente. Apenas um paciente (7,2(1o) tinha sido operado cinco vezes previamente. Todos os pacientes com história de cirurgias anteriores (n = 5; 35,70 foram operados em outros Serviços.

O principal acesso cirúrgico para exérese elo papiloma invertido nesses 14 casos foi a via Caldwell-Luc ampliado, utilizada em 50,0% (n = 7) dos pacientes. A seguir; a via endoscópica endonasal foi a mais usada, contabilizando cinco (35,7%) casos.

Em um paciente (7,2%) foi feito um acesso tipo Degloving e em outro paciente (7,2%), uma via combinada incluindo Degloving e paralateronasal.

Apenas quatro pacientes (28,6%) tiveram complicações decorrentes do ato cirúrgico. A complicação mais prevalente ?oi perfuração septa1, encontrada em 14,3% (n = 2) elos pacientes. A seguir, encontramos rinite atrófica (n = 1; 7,2%) e celulite periorbitária (n =1; 7,2%), em um paciente no qual o papiloma invertido invadia a órbita.

O índice de recidiva observado em todos os pacientes acompanhados em nosso Serviço ?oi de 42,9% (n = 6 ), sendo que o tempo decorrido para a identificação ela mesma variou de quatro meses a nove anos, com média de 32,2 meses (dp = 38,1 meses). Cinco dos pacientes com recidiva já tinham sido operados em outros Serviços, anteriormente. Apenas um (7,2%) paciente apresentou-se em nosso ambulatório sem tratamento anterior. Todos os pacientes que tiveram recidiva foram operados via Caldwell-Luc ampliado. Entre os pacientes operados via endoscópica endonasal (n = 5; 35,7%), não houve recidivas até julho de 1998.

Em nenhum dos pacientes estudados houve identificação de carcinoma espinocelular (CEC).

DISCUSSÃO

A incidência de papilornas invertidos é muito baixa na população. Em estudo realizado em Copenhagen - Suíça3, em 1995, encontrou-se uma taxa de 0,74/100.000 habitantes por ano.

Os PI são mais comuns em homens3, 1, sendo a proporção entre homens e mulheres variável de 4,5 a 8:1. Isto se confirmou em nosso estudo, tendo a relação homens/mulheres alcançado 2,5:1, um pouco menor que em outros trabalhos.

A faixa etária em nossos pacientes variou ele 27 a 65 anos, cola a média 47,6 anos. A maioria elos pacientes (57,8%) encontrava-se nas 5=e 6A décadas de vicia, o que esta ele acordo coma literatura6, 1, 16.

Caracteristicamente, a maioria elos PI cresce a partir da parede lateral das fossas nasais, sendo o meato médio o principal sítio ele sua origem12, 6, 3, 1. Todos os pacientes (n =14) em nosso estudo tinham PI com essa localização, mas é importante lembrar que podem existir outros locais ele origem da tumoração, como septo nasal3 e seio maxilar12. Embora papilomas invertidos nessas localizações secam raros, elevemos sempre tê-los como diagnóstico diferencial na investigação clínica e radiológica de tumores nesses locais.

Obstrução nasal unilateral foi o sintoma mais prevalente na nossa casuística (n =14;100%), o que também é verificado por outros autores3, 1, 16, 14. Epistaxe e rinorréia amarelada unilateral, além de hiposmia, também são sintomas importantes que podem sugerir a presença de um PI. Dependendo ele sua extensão, podemos ainda ter sintomas orbitários como foi visto em um paciente (7,2%) ele nosso estudo, e descrito na literatura5.

O tempo médio de história clínica encontrado no momento em que o paciente se apresentou em nosso Serviço para tratamento foi de três anos e seis meses, o que confirma o crescimento lento da tumoração e a falta de sintomas evidentes que pudessem levar a um diagnóstico mais precoce6.

Quanto ao tratamento, a excisão completa do tumor deve ser o objetivo principal. A literatura está repleta de opções cirúrgicas para o tratamento dos PI, entre elas a abordagem intranasal, associada ou não a uma abordagem via Caldwell-Luc, cirurgia endoscópica endonasal, rinotomia lateral e Degloving3, 1. O acesso cirúrgico mais utilizado em nosso serviço foi a abordagem via Caldwell-Luc (50,0%), seguida pela endoscópica endonasal (35,7%). Como foi descrito por outros autores, tumores maiores tendem a ser melhor abordados por cirurgias mais extensas, ao contrário de tumores menores, que podem ser removidos totalmente e com segurança pela abordagem endoscópica, sem aumento da taxa de recidiva6, 1, 16, 2. Independentemente de que acesso seja escolhido, é necessário certificar-se duque todo o tumor seja removido, o que, associado a um seguimento pós-operatório rigoroso, pode diminuir ás altas taxas ele recorrência tumoral.

Em geral, a radioterapia não é indicada para o tratamento dos papilomas invertidos, não só porque é relativamente inefetiva, mas também pelo risco de induzir transformação maligna em uma lesão potencialmente benigna. Por outro lado, existem autores que recomendam seu uso em combinação com ressecção cirúrgica para tumorações mais agressivas ou quando o paciente não possui condições clínicas para suportar um procedimento cirúrgico6, 16, 11.

A taxa de recidiva encontrada em nossa casuística foi ele 42,9% (n = 6), o que confirma dados da literatura, onde são descritas taxas de 2 a 66% de recorrência no tratamento dos PI3, 16, 14, 13, 8. Apenas um paciente (7,2%) foi operado inicialmente em nosso serviço e a via ele acesso utilizada foi Caldwell-Luc. Os outros cinco pacientes (35,7%) já tinham sido operados em outros Serviços e apresentavam recidiva ao chegarem para atendimento em nosso ambulatório. Todos os pacientes com recidiva tumoral foram operados novamente e encontravam-se assintomáticos até julho de 1998. Dos cinco pacientes operados inicialmente em nosso serviço via endoscópica endonasal, nenhum apresentou recidiva até julho de 1998.

Por fim, vários fatores podem estar relacionados à malignização elos PI. Dentre eles, podemos destacar: associação com HPV subtipos 6 e 117, papilomas bilaterais e predominância de epitélio escamoso maduro diferenciado12. A transformação maligna pode ocorrer em 2 a 50% dos casos, como foi descrito na literatura12, 6, 3, 10, 15. Em nossa série, não foi encontrada em qualquer paciente, talvez pelo número pequeno (n = 14) de pessoas estudadas.

CONCLUSÃO

Os PI são lesões benignas, insidiosas, que podem alcançar grandes dimensões, levando à distorção facial, erosões ósseas, infiltração de tecidos moles e comprometimento visual, além de poder comprometer estruturas vitais.

As conseqüências da demora no diagnóstico e tratamento podem ser devastadoras e irreversíveis. Por isso, o tratamento deve ser instituído precocemente, sempre tentando evitar as recidivas, tão comuns neste tipo de tumor.

Nos últimos anos, o endoscópio tem se mostrado um bom instrumento, tanto na exérese quanto no acompanhamento pós-operatório desse tipo de paciente, já que permite boa visualização de toda a fossa nasal e identificação ele possíveis focos de recidiva.

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* Médico Chefe da Enfermaria da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas ela FMUSP, Doutor em Medicina pela Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.
** Médico (a) Pós-Graduando (a) da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
*** Acadêmico de Quinto Ano da Faculdade de Medicina ela USP.
*** Professor Associado da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas ela FMUSP.

Trabalho realizado na divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, apresentado no 34° Congresso Hospital Brasileiro de Otorrinolaringologia, de 18 a 22 de novembro de 1998, em Porto Alegre /RS. Endereço para correspondência: Dr. Richard Louis Voegles - Rua Iubatinga, 145, Apto. 61-B - 05716-110 São Paulo /SP - Fax: (0xx11) 849-1029 - E-mail: voegles@ibm.net
Artigo recebido em 7 de abril de 1999. Artigo aceito em 25 de novembro de 1999.

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