Ano: 1991 Vol. 57 Ed. 4 - Outubro - Dezembro - (4º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 196 a 202
Comparação entre a dexametasona e placebo no tratamento da paralisia facial periférica idiopatica.
Treatment comparison between dexametasona and placebo at idiopathic facial palsy
Autor(es):
Ricardo Ferreira Bento*
Maria Cecília Lorenzzi**
Priscila Bogar***
Silvio Antonior Marone****
Aroldo Miniti*****
Palavras-chave: Paralisia facial, nervo facial
Keywords: Facial palsy, facial nerve
Resumo:
Foi realizado estudo prospectivo, duplo cego em 79 doentes com paralisia facial idiopática (PFPI), sem tratamento medicamentoso prévio, atendidos no grupo de paralisia facial do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) no período de fevereiro de 1989 a outubro de 1990. Para estabelecermos o diagnóstico de PFPI foram realizados exames clínicos e subsidiários sendo excluídos todos que apresentaram alterações em qualquer desses exames. Aleatoriamente foi usado dexametasona (0,13 mg/Kg/dia) e placebo. Os doentes eram avaliados clinicamente, uma vez por semana, até a evolução final do quadro. Os pacientes foram divididos em 2 grupos de 20 pessoas, 39 pacientes foram excluídos por falta de acompanhamento ou outras patologias. Com os resultados randomizados, foi estudada a evolução final do quadro e o tempo de recuperação da paralisia pelo método de análise de variância. O tempo de evolução final do quadro foi de 61,45 dias para o grupo de dexametasona (variando de 7 a 240 dias) e de 40,95 dias para o grupo placebo (variando de 8 a 70 dias). Os autores concluem que não houve diferença estatisticamente significante entre os dois grupos quanto à qualidade de recuperação final nem quanto ao tempo de recuperação do quadro.
Abstract:
A double-blind study was performed in 79 patientes with diagnosis of Bell's palsy, seen in ENT Department of Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, from 1989 to 1990. In order to stabilish the diagnosis of Bell's palsy, were performed clinical and subsidiary exams. A randomized study was dope, and the pacient recieved dexametasona (0,13 mg/Kg/day) or placebo. The patients were evaluated weekly until their final evolution. Mie patients were divided in 2 groups of 20 persons, 39 persons were excluded because they didn't comme for the follow up. The medial final evolution time was 61.45 days for the dexametasona group (7 to 240 days) and 40.95 days for placebo group (8 to 70 days). The autors conclued that there wasn't no significant diferences betwen dexametasona's group and placebo's group analising the final evolution quality and reeuperation's time.
INTRODUÇÃO
A paralisia facial periférica idiopática (PFP) foi primeiramente descrita por Sir Charles Bell em 1883 (1). A PFP se caracteriza por uma paralisia total ou parcial dos músculos mímicos da face, de início súbito, que pode ir piorando já nos primeiros dias, geralmente unilateral, acompanhada por vezes de dor retroauricular, algiacusia, xeroftalmia e alterações gustativas na hemilíngua do lado acometido. Seu diagnóstico é de exclusão. Pacientes com PFP são tratados por várias especialidades médicas sendo assim submetidos a diversos tipos de abordagens terapêuticas. Desde sua primeira descrição na literatura médica, os tratamentos utilizados sempre foram de certa forma empíricos, uma vez que sua etiologia nunca ficou bem estabelecida, existindo várias teorias que tentam explicá-la. As teorias de maior aceitação são de origem viral, isquêmica ou auto-imunes.
Estas hipóteses ser explicadas fisiopatologicamente por uma isquernia primária e secundária do nervo facial. A isquemia primária (2,3) postula que haveria uma disfunção do sistema nervoso autônomo produzindo espasmo arteriolar e trombose dos vasos que suprem o nervo dentro do canal de Falópio. A isquemia secundária (4) estabelece que uma inflamação primária viral ou imunológica provocaria edema e subseqüentes distúrbios na microcirculação. As duas hipóteses concordam que o resultado deriva de um processo de anóxia, seguido de dilatação compensatória dos vasos e transudação, com posterior aumento do efeito compressivo levando à uma neuropraxia.
Assim sendo o tratamento clínico de maior utilização na literatura é a corticoterapia, com a finalidade de agir sobre este edema. São utilizados vários tipos de corticoesteroides, principalmente a prednisona.
Não foi encontrado na literatura nenhuma citação do uso da dexametasona, apesar de termos conhecimento de vários grupos que a usam como corticosteróide de escolha. No Grupo de Nervo Facial do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), sempre foi utilizado a dexametasona pois no serviço de neurologia do mesmo hospital esta droga foi sempre de escolha para os processos edematosos agudos do sistema nervoso central, pela sua ação mais rápida do que outros corticosteróides e pela sua agregação à membrana neuronal. A observação clínica de pacientes que procuram o serviço após vários dias da instalação da paralisia sem tratamento prévio, ou com outros tratamentos que não a corticoterapia, apresentavam recuperação dos sinais e sintomas. O objetivo deste estudo foi de estabelecer através de um estudo duplo cego entre a dexametasona e o placebo, o real benefício da corticoterapia, no que diz respeito a evolução final do quadro e seu tempo de recuperação.
CASUÍSTICA E METODOLOGIA
Foi realizado um estudo prospectivo, duplo cego, em 79 doentes com PFP idiopática, sem tratamento medicamentoso prévio, atendidos no grupo de paralisia facial do HCFMUSP, no período de fevereiro de 1989 a outubro de 1990.
Neste estudo foram excluídos:
1 - Pacientes atendidos após 15 dias do início do quadro.
2 - Pacientes com história de diabetes ou hipertensão arterial sistêmica.
3 - Pacientes com otite média aguda ou crônica.
Todos os doentes foram submetidos a avaliação clínica subjetiva da intensidade segundo metodologia estabelecida por Bento (5). Alternadamente seguindo a ordem de atendimento dos doentes, foi usado dexametasoma (0,13 mg/Kg%dia) e placebo. Era fornecido ao doente medicamento para administração via oral, na posologia de 2 comprimidos por 5 dias, 1 comprimido por mais 5 dias e 0,5 comprimido por mais 5 dias.
Para estabelecermos o diagnóstico de paralisia facial idiopática, foram realizadas anamnese, exame físico otorrinolaringológico, audiometria total liminar, impedanciometria, reações sorológicas para Lues, glicemia de jejum, planigrafia do osso temporal com interesse para o canal do nervo facial, sendo excluídos todos os que apresentaram alterações em qualquer destes exames.
Os doentes eram avaliados clinicamente, uma vez por semana, até a evolução final do quadro. Dos 79 doentes que iniciaram o tratamento somente 40 conseguiram cumprir o protocolo, pois se não compareciam ao retorno estabelecido, ou não seguiam a posologia prescrita eram automaticamente eliminadas do estudo.
Com os resultados randomizados, foi estudada a evolução final do quadro e o tempo de recuperação, pelo método da análise de variância.
GRÁFICO I - Dexametasona X Placebo Evolução
RESULTADOS
Os pacientes foram divididos em 2 grupos de 20 pessoas. A distribuição por sexo, idade, início do uso da medicação, e nota da primeira avaliação não apresentaram diferença significativa (tabela 1). O tempo médio de evolução final do quadro foi de 61,45 dias para o grupo de dexametasona (variando de 7 a 240 dias) e de 40,95 dias para o grupo placebo (variando de 8 a 70 dias). No gráfico I mostramos a comparação entre dcxametasona e placebo quanto a velocidade de recuperação do quadro. No gráfico II são apresentados os resultados dos pacientes que iniciaram a medicação até 4 dias após o quadro, e no gráfico III os pacientes que iniciaram após 5 dias.
DISCUSSÃO
A revisão de literatura, mostrou estudos semelhantes com corticosteróides (6). Adour realizou estudo duplo-cego com prednisona e placebo (7), Taverner e Leeds utilizaram acetato de cortisona e placebo (8).
Estes trabalhos mostraram que os resultados do tratamento com corticosteróides foram superiores aos do placebo.
Na revisão bibliográfica foi encontrado comentários sobre a melhor ação dos corticosteróides citados, tanto quanto ao tempo de início do tratamento, quanto a mais rápida recuperação clínica da paralisia, o que não foi observado em nossa série visto que não houve diferença significativa nos grupos estudados, quanto ao tempo de recuperação.GRÁFICO II - Dexametasona x Placebo Até 4 dias
Não há dúvida, que nos casos em que a dor é o sintoma encontrado, todos os casos do grupo tratado com dexametasona referiram melhora.
A exclusão dos pacientes que compareceram ao serviço com mais de 15 dias da instalação do quadro, foi devido a ser este o prazo fisiológico da instalação da degeneração Walleriana. Quanto à exclusão daqueles que eram diabéticos ou hipertensos deveuse a possibilidade de outra causa para a paralisia facial, como neurite diabética ou vasculites e devido à contra-indicação relativa ao uso da medicação.
A primeira vista o número de 40 doentes que terminaram o estudo, parece pequeno para conclusões estatísticas, mas não o é se observarmos que o critério de exclusão era muito rígido principalmente quanto ao fato de a grande maioria dos doentes que chegam ao grupo de paralisia facial do nosso serviço vem com tratamento prévio iniciado.GRÁFICO III - Dexametasona x Placebo 5 dias ou mais
Deve-se também acrescentar que dos 79 doentes que iniciaram o protocolo, 39 foram excluídos no decorrer do estudo principalmente por não retomarem para as avaliações, fato que nos leva a inferir que sua evolução foi satisfatória e não sentiram necessidade do acompanhamento.
CONCLUSÕES
1 - Não houve diferença estatisticamente significaste entre o grupo tratado com dexametasona e placebo quanto a qualidade de recuperação final.
2 - Não houve diferença estatisticamente significaste entre o grupo tratado com dexametasona e placebo quanto ao tempo de recuperação final.
BIBLIOGRAFIA
1- BELL, C. The Nervous System of the Humam Body. Washington. Duff Green, 46-51. 1983.
2 - McGOVERN, F.H. A Review of the Experimental Aspects of Bell's Palsy. Laryngoscope. 78:324-333. 1968.
3 - HILGER, J.A. The Nature of Bell's Palsy. Laryngoscope, 59:228-235. 1949.
4 - BLUNT, M.J. The Possible Role of Vascular Changes in the Etiology of Bell's Palsy. J.Laryngol Otol, 70:701-713. 1956.
5 - BENTO, R.F. Anastomose do Nervo Facial (intratemporal) com Adesivo Tecidual Fibrínico. Estudo em Doentes Portadores de Paralisia Facial Traumática (Tese de Livre Docência - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) 1990.
6 - TAVERNER, D., COHEN, S.B., HUTCHINSON, B. C. Comparison of Corticotrofhin and Prednisone in Treatment of Idiopatic Facial Paralisis (Bell's Palsy). Britsh Medical Journal, 2:20-22. 1971.
7 - ADOUR, K.K., WINGERD, J., BELL, D.M. MANNING, J.J., HURLEY, J.P. Predinisone Treatment for Idiophatic Facial Paralisis (Bell's Palsy). N.Engl. J. Med, 287:1269-1272. 1972.
8 -TAVERNER, D., LEEDS, M.R.C.P., Cortisona Treatment of Bell's Palsy. Lancet, 20:1052-1054.1954
* Professor associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Fatuidade de Medicina da USP
** Pós graduando da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP
*** Residente de 3º ano do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
****Professor doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP
*****Professor titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP
Trabalho realizado na Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (LIM 32).
Fonte: CEDAO - Centro de Estudos e Desenvolvimento Avançado em Otorrinolaringologia
Endereço. Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar nº 255, 6º andar, sala 6021, CEP 05403 - São Paulo - SP
Trabalho apresentado da IX Reunião da Sociedade Brasileira de Otologia