Versão Inglês

Ano:  1991  Vol. 57   Ed. 3  - Julho - Setembro - (10º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 150 a 156

 

Hemangioma do seio maxilar -flebólitos: Discussão sobre um caso.

Hemangioma of the maxillary sinus - phleboliths: Discussion about a case.

Autor(es): Décio R Campana*
Fátima R. A. Abreu**
Clarissa D. Castagno***
Maria Cristina R. M. Pássaro***
Marcelo de F. Alves***
Elza M Lemos***
L C. Mattosinho França****

Palavras-chave: hemangioma, seio maxilar

Keywords: hemangioma, maxillarysinus

Resumo:
É estudado um caso de tumor vascular benigno do antro maxilar, o hemangioma. São revistos aspectos da etiopatogenia do tumor e da formação de flebólitos em seu interior. É feita revisão da literatura que demontra ser incomum o achado desse angioma. Poucos casos estão descritos na literatura com a demonstração de formações cálcicas em seu interior. A conduta terapêutica tomada e o resultado da mesma, são comentados.

INTRODUÇÃO

Angiomas são tumores benignos de vasos sangüíneos ou linfáticos, com estruturas baseadas em formas primitivas ou menos diferenciadas.

Quando são constituídos por vasos sangüíneos, são denominados hemangiomas e quando são formados por vasos linfáticos, são os linfangiomas.

É importante definirmos dois ternos usados em Anatomia-patológica, que podem ser confundidos com neoplasias e que na verdade se constituem em anomalias locais. Principalmente se estas se apresentarem com hiperplasia.

Essas anomalias resultam em defeitos na composição tecídual de certas áreas do organismo ou na separação e deslocamento de germes de tecido ou de órgãos para outros locais (ectopias).

Havendo aumento do volume desses tecidos anômalos, os mesmos simulam blastomas.

Coristoma - Falsa metaplasia, é tecido ectópico, por exemplo: colesteatoma congênito(1). Glândulas ceruminosas no ouvido médio(2).

Hamartomas - Tumores de origem não neoplásica, os quais constituem de mistura ou qualidade anormal de elementos teciduais próprios desse tecido ou desta parte do corpo. É o caso dos hemangiomas(3,4).

Existem dois tipos básicos de hemangiomas ósseos:

I - Central - que se desenvolve dentro do osso esponjoso.
II - Periférico - Desenvolve-se às custas dos vasos do periósteo. Portanto sem invasão primitiva do osso. Podendo, por lise óssea levar a lesões líticas secundárias (Smith 1959)(5).

Em relação ao tipo histológico, os hemangiomas são classificados em:

a) Capilares- Constituídos por conglomerados de capilares de calibre normal.

b) Cavernosos - Constituídos por agrupamento de capilares dilatados.

c) Mistos - Mistura dos dois anteriores(3,4).

O sistema vascular do embrião humano aparece na 3° semana, quando esse pequeno ser é incapaz de satisfazer suas necessidades nutritivas através de difusão de líquidos nutrientes. Nessa fase, células do mesênquima formam os angioblastos, células primitivas que formam agrupamentos e cordões chamados ilhotas de Wolff.

Mais tarde os angioblastos coalescem e formam-se assim os vasos primitivos (6,7).

Considerando-se a magnitude da organização celular, segregação e movimento, é fácil supor, a princípio que a desorganização desse processo pode produzir anomalias do tecido vascular.

O hemangioma mais comum é o capilar e representa uma interrupção no desenvolvimento do mesênquima primordial em estágio de neoformação capilar.

As diferenças progridem, vasos primitivos penetram na profundidade da camada subcutânea, nos músculos ou tecido ósseo e dão origem ao hemangioma cavernoso, se nova maturação é interrompida(7).

CASO CLÍNICO

D.L.P., fem. 57 anos, branca.

Dor na região do seio maxilar direito, há cerca de 3 anos. Há 2 anos obstrução nasal discreta e sangramento nasal anterior e posterior em pequena quantidade pela fossa nasal direita.

Nega trauma facial, diplopia e emagrecimento.

À inspecção da face, discreto abaulamento ira região jugal. Dor intensa à pressão do antro maxilar direito.

Ao exame O.R.L. encontramos:

Rinoscopia anterior direita - Formação polipóide pequena, avermelhada em meato médio.

Oroscopia - Prótose total superior. Sem abaulamento palatino. Secreção sanguinolenta discreta descendo do nasofaringe à direita.

Na primeira consulta, a paciente já trouxe radiografia simples dos seios da face e tomografia linear dos seios maxilares (feitas respectivamente em 9/87 e 12/87).

Foi tratada por outros colegas como sinusite, com antibióticos, antiinflamatórios e gotas nasais, sem alcançar qualquer melhora.

Solicitamos de imediato, tomografia computadorizada (C.T.) para esclarecimento diagnóstico.

O exame realizado em cortes axiais e coronais mostraram: "Massa heterogênea de densidade de partes moles, ocupando todo antro maxilar direito, com imagens de densidade cálcica no seu interior. A massa estende-se à fossa nasal e rinofaringe à direita. Lise da parede óssea anterior. Exame sugestivo de processo expansivo de antro maxilar direito, não podendo afastar-se a possibilidade de processo inflamatório".

Diante do quadro clínico e radiológico, explicamos à família, da probabilidade de estarmos diante de patologia maligna.

Sugerimos a abertura do antro maxilar, com a finalidade de retirarmos material para diagnóstico histológico.

Submetida em 12/89 à cirurgia por acesso gêngivo-labial. Havia destruição da parede anterior do antro maxilar. O que facilitou a retirada do material, constituído por tecido esponjoso, escurecido, com alguns fragmentos duros, esbranquiçados. Sangramento discreto.

Espécime submetido a exame Anátomo-patológico: "Hemamgioma cavernoso submucoso com tromboses múltimas em organização e focos de calcificação (fig. 5 e fig. 6).



FIGURA 1 - Velamento total do seio maxilar direito. Impressão de processo expansivo aumentando o volume desse seio



FIGURA 2 - Tomografia linear mostrando velamento do seio maxiliar direito, com imagem de densidade cálcica em seu interior



Diante do diagnóstico de hemangioma com trombose em organização e com flebólitos, propusemos a exérese total da neoplasia.

Caldwell-Luc clássico, foi realizado em 2190.

Cirurgia ampla com retirada fragmentada mas total da turnoração maxilar e da formação polipóide do meato médio, que se exteriorizava na fossa nasal, pelo óstio maxilar. Sangramento discreto.

A massa media 5X2X0,8 cm (8 cm 3) e de permeio apresentava alguns fragmentos calcificgdos.

O material foi submetido a líquido descalcificador. Sendo o diagnóstico idêntico ao do primeiro exame histológico.



FIGURA 3 - C. T. - Corte axial



FIGURA 4 - C. T. - Corte coronal



FIGURA 5



FIGURA 6



DISCUSSÃO

Os hemangiomas são as lesões congênitas mais freqüentes nos Homens, sendo mais comuns nas regiões da cabeça e pescoço.

Aproximadamente 2,6% dos recém-nascidos têm um hemangioma. Contudo a maioria desenvolve estes tumores no período entre a 2° e 4° semanas de vida(7).

Hemangiomas ósseos são raros e compreendem 0,5 a 1 % de todos os tumores ósseos, sendo mais comum em mulheres.

Ele é basicamente cavernoso e mais freqüente nas vértebras e parte alta da calota craniana (calvária)(8).

Quando o tumor vascular é do processo alveolar da maxila ou intra-mandibular podem provocar uma hemorragia incoercível seguindo-se à uma avulsão dentária.

Estudos cuidadosos mostraram que os hemangiomas estão ligados aos vasos sangüíneos por um conduto aferente e um eferente(4).

Esse fato explica porque a trombose espontânea ou provocada dos vasos comunicastes pode originar trombose de toda a lesão com organização e obliteração do tumor (4).

Sabemos que a diminuição da velocidade da corrente circulatória, alterações próprias do sangue e lesões das paredes vasculares são as principais causas de trombose.

A organização do trombo e sua substituição por tecido conjuntivo é muito comum.

A calcificação é explicada por uma adsorção pelos tecidos degenerados ou necróticos, onde a circulação é muito lenta e há aumento da alcalinidade, que favorecem a precipitação dos sais de cálcio, formando os flebólitos (3).

Eggston e Wolff (1947)(9), revisaram uma série de 359 casos de doenças neoplásicas de nariz e seios da face e acharam 14 casos de hemangiomas, nenhum com origem no antro maxiliar.

É rara a presença de hemangioma do seio maxilar, principalmente os de origem dita "periférica" (origem dos vasos do perióstio interno do antro) e não os ditos "centrais", através da invasão do seio, de tumores ósseos circundantes. Principalmente do processo alveolar ou zigoma (8).

Mais raro ainda é a comprovação de flebólitos, já demonstráveis na tomografia linear e principalmente no C.T.

Most e Brunswick (l0), revisaram a literatura em 1985 e apresentaram caso único de hemangioma maxilar associado à flebóiito.

Zizmor - Noyek 1978 (11),mostraram em seu atlas de radiologia, Rx simples mentonaso com presença de depósito cálcico em hemangioma cavernoso do antro.

Kulkarni et al (12), estudaram um caso de hemangioma de seio maxilar com ressonância magné tica (M.R.) e com C.T. e chegaram à conclusão de que o C.T. é superior no estudo dessa patologia.

Na literatura nacional Crespo et al em 1987 (13), descreveram um caso de hemangioma de seio maxilar, sem a presença de flebólitos.

CONCLUSÕES

Os hemangiomas dos seios maxilares são muitos raros.

De posse do C.T., que mostrava lixe óssea das paredes do antro e com fragmentos radiopacos em seu interior, imaginamos tratar-se de patologia maligna, sendo os "fragmentos ósseas seqüestras ou restos de osso parcialmente destruidos pelo possível carcinoma.

A cirurgia do hemangioma pode levar a grandes perdas de sangue. Mas felizmente para a paciente e para nós, o tumor estava totalmente trombosado e portanto não permeável.

A evolução pós-operatória foi excelente, mantendo-se a paciente totalmente assintomática.

SUMMARY

The authors study one case of rare vascular tumor, bening, of the maxilare antrum, the hemangioma.

They review aspects of the ethiopathogery and the phleboliths formation.

The literature revision demonstrate that is uncommon this angioma.

Few cases are describe in the literature with calcic formation in the interior of the tumor.

The therapeutic conduct and results are commented.

BIBLIOGRAFIA

1. CAMPANA, D.R; SALEM, L; PALERMO, F.R; SARMENTO NETO, P.M.; ALVES, F.R.A. - Colesteatoma congênito. Apresentação de três casos. Rev. Brasileira de O.R.L. vol 54-out/nov/dez - 1988.
2. CAMPANA, D.R.; GAZEL, M.A.; GRANATO, L; LOPES, Z.A. - Adenoma de glândulas ceruminosas do ouvido médio (ceruminoma). Apresentação de um caso. Rev. Brasileira de O.RL. nº 1 Vol. 45 - 1979.
3. DE FARIA, J.L -Anatomia Patológica Geral. Guanabara Koogan. Segunda edição 1977.
4. ROBBINS, S.L. - Tratado de Patologia. Editorial Interamericana S.A. 3ª Edicion 1968.
5. SMITH, H.W. - Hemangioma of the jaws. Arch. Otolaryngol. 70 (1959) 579.
6. LANGMAN, J. - Embriologia Médica. Atheneu Editora - São Paulo. 1970.
7. STAL, S.; HAMILTON, S., SPIRA, M. - Hemangiomas, Lynphangiomas and vascular malformations of the head and neck Otolaryngologic Clinics of North America. Vol. 19 nº 4 November.
8. EL-HAR G.; LEVY, R; AVIDOR,I.; SEGAL, K.; SIRI, J, - Haemangioma of the zygoma presenting as a tumor in the maxillary sinus. J. Max. - Fac.Surg.14 (1986).
9. EGGSTON, A.; WOLFF, D. - Histopathology of the ear, nose and throat. Baltimore, Willians and Willdns, 1947.
10. MOST, D.S.; BRUNSWICK, M. - Hemangioma of the maxillary sinus. Oral Surg. Oral Med. Oral Pathol. 60:485-486, 1985.
11. ZIZMOR N.; NOYEK, A.L. - An Atlas of Otolaryngologic Radiology. W.B.Saunders Company - 1978.
12. KULKARNI, M. V.; BONNER, F.M.; ABDO, G.J. - Maxillary sinus hemangioma: M.R. and C.T. studies. Journal fo computer Assised Tomography. 13 (2): 340-342 March/Apryl.
13. CRESPO, C.C.; SILVA, A.M.; CAROPRESO, C.A.; FARIAS, O.L - Hemangioma ósseo do seio maxilar. Relato de um caso. Rev. Brasileira de Otorrinolaringologia. Vol. 53 n° 2 Abr/Mai/Jun - 1987.




* Chefe da Clínica O. R. L. do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
** Ex- Residente da Clinica O. R. L. do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
*** Residentes da Clínica O. R. L. do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo
**** Patologista do Serviço: Patologistas Associados - L. C. Manosinho França

Trabalho realizado no Serviço de O. R.L. do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo. Rua Castro Alves nº 60 - 6º andar. São Paulo - Capital - C.E.P. 01532.

Trabalho apresentado no XXX Congresso Brasileiro do O. R.L. e XXIII Congresso Brasileiro de Endoscopia Peroral. Outubro 1990 - Rio de Janeiro

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