Versão Inglês

Ano:  1991  Vol. 57   Ed. 3  - Julho - Setembro - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 140 a 143

 

Lesão linphoepitelial benigna: "Doença de Mikulicz". Relato de um caso.*

Benigne lynphoepithelial lesion : "Mikulicz's disease". Report of case.

Autor(es): Anibal Arrais**
Pedro H. M. Mota***
Norma de O. Penido***
Celso A. R. Silva***
Maria E. A. C. R Silra***
Claudinei Salomão***

Palavras-chave: glândulas salivares, doença de Mikulicz

Keywords: salivaryglands, Mikuliczdisease

Resumo:
A lesão linfoepitelial benigna ocorre como um aumento uni ou bilateral das glândulas salivares. A parótida é a glândula mais frequentemente acometidas, mas eventualmente acontece o comprometimento das glândulas submandibulares. Apresentamos o relato de um caso acompanhado em nosso ambulatório, cujo diagnóstico clínico e histológico foi compatível com lesão linfoepitelial benigna ou "DOENÇA DE MIKULICZ".

INTRODUÇÃO

O primeiro relato sobre aumento indolor, crônico e bilateral das glândulas salivares deve-se a MIKULICZ, em 1888. Desde então tem havido muitos relatos de casos, seguidos de estudos clínicos e histológicos na tentativa de elucïdar os fatores etiológicos e a fisiopatologia da afecção.

Esta afecção caracteriza-se pelo aumento indolor, uni ou bilateral das glândulas salivares. Geralmente tem início com febre, infecção do trato respiratório superior ou ainda infecção oral ou pós extração dentária, mas sempre há relato de alguma desordem inflamatória local. Ocorre geralmente em mulheres, particularmente na meia idade e parece estar relacionada com fatores auto-imunes.

O tratamento varia de acordo com a severidade do quadro clínico. Em alguns casos nenhum tratamento é necessário, em outros pode-se realizar remoção subtotal ou total da glândula comprometida.
O presente artigo relata os achados clínicos e histológicos em um paciente de 23 anos de idade, do sexo feminino, portadora de aumento indolor e bilateral das glândulas submandibulares. Fig. 1 e 2.

DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO

M.G.B. de 23 anos, feminina, mestiça, doméstica, casada, natural do Piauí e procedente de São Paulo.

QUEIXA PRINCIPAL:

Caroço no pescoço há 1 ano.


FIGURA 1 - Aspectos Histológicos da Lesão Linfoepitelial Benigna (Doença de Mikulicz)



HISTÓRIA PREGRESSA DA MOLÉSTIA ATUAL:

Contou a paciente que no último trimestre de 1987 apresentou gripe (sic), com aparecimento de "caroços" endurecidos, não doloroso, sem sinais flogísticos, localizados nas regiões submandlibulares. (Foto 1) Procurou assistência médica sendo medicada com antibióticos, antiinflamatórios não -hormonais e sulfas, evoluindo com a persistência dos "caroços" submandibulares.

ANTECEDENTES PESSOAIS:

Nasceu de parto normal, sem intercorrências. A paciente negou traumas locais, uso de medicamentos controlados ou drogas, negou ainda doenças graves ou processos alérgicos.


FIGURA 2 - Aspecto da Região Submandibular em Paciente com Lesão Linfoepitelial Benigna (Doença de Mikulicz)



ANTECEDENTES FAMILIARES:

Pais vivos e sadios. Nega doença semelhante na família.
INTERROGATÓRIO SOBRE DIVERSOS APARELHOS:

Nega problemas gastrointestinais, gênito-urinários, cardiovasculares, respiratórios, neurológicos, hematológicos e endócrinos.

EXAME OTORRINOLARINGOLÓGICO

Otoscopia:
Meatos acústicos externos normais. Membranas timpânicas perláceas, brilhosas e sem altera

Rinoscopia anterior e posterior:
Conchas normotróficas e septo sem desvios importantes. Rinofaringe normal.

Oroscopia:
Dentes em bom estado, língua normal, amígdalas palatinas normotróficas.

Pescoço:
Tumores em ambas regiões submandibulares de 5 cm x 3 cm, consistência fibroelástica, indolores, não aderidos aos planos profundos ou superficiais e sem sinais flogísticos.

Evolução:
A paciente foi submetida a biópsia do tumor submandibular direito e o diagnóstico histológico foi de LESÃO LINFOEPITELIAL BENIGNA;

COMENTÁRIOS

Em 1888, JOHANN MIKULICZ descreveu o caso de um paciente do sexo masculino, que apresentava crescimento indolor das glândulas salivares e lacrimais. Posteriormente esta entidade clínica passou a denominar-se "DOENÇA DE MIKULICZ". Ele acreditava tratar-se de uma doença benigna, de provável etiologia infecciosa ou parasitária, sendo o comprometido dos linfonodos apenas secundário. Porém, para NAPP (1907) a doença poderia ser meramente um sinal complexo produzido por entidades distintas como a leucemia, linfoma e tuberculose.

MORGAN e CASTLEMAN (1952) concluiram, após estudos morfológicos de glândulas salivares acometidas pela "DOENÇA de MIKULICZ"que a lesão primária era do sistema ductal, seguida de uma resposta linfocítica ocasionada pelas alterações ductais. Estes autores, baseados nas semelhanças clínicas e patológicas com a síndrome descrita por SJOGREN em 1933, consideraram que a "DOENÇA DE MIKULICZ" não era uma entidade clínica mas sim uma manifestação da "SÍNDROME DE SJOGREN" (1).

GODWIN (1952) após extensos estudos clínicos e histológicos sugeriu o termo "LESÃO LINFOEPITELIAL BENIGNA" para esta afecção de natureza etiológica desconhecida (2).

BERNIER e BHASKAR (1958) classificaram as lesões linfoepitelias em 2 grupos : No primeiro grupo incluiram o cisto linfoepitelial benigno, o adenoma linfomatoso e o adenoma pleomórfico linfomatoso. No segundo grupo incluiram as lesões primariamente de tecido linfóide e a "DOENÇA de MIKULICZ"(lesão linfoepitelial benigna ou sialolinfadenite, como foi chamada pelos autores). Justificaram a inclusão da"DOENÇA de MIKULICZ" no segundo grupo pelas seguintes razões: localização incidentalmente envolvendo glândulas salivares e infiltrando inflamatório difuso, por vezes formando folículos com centros germinativos (3).

Estudos posteriores (BATSAKIS,1982), (AUCLAIS,1984) associaram afecções com umabase imunológica, caracterizada pela presença de auto-anticorpo contra parênquima glandular. Encontraram também outros achados importantes como a hipergamaglobulinemia, fator reumatóide presente em 90% dos pacientes mesmo na ausência da artrite reumatóide, presença de fator anti-núcleo e células LE. Os autores conseguiram identificar um anticorpo específico contra os duetos salivares, em muitos pacientes; entretanto outros fatores etiológicos permanecem desco-nhecidos (4,5).

O exame histológico da glândula salivar, como no caso apresentado neste artigo, mostra aumento glandular com preservação da estrutura lobular, infiltrado inflamatório difuso, por vezes formando folículos com centros germinativos, tendo de permeio ilhas mio-epiteliais.

O estudo da evolução da afecção mostra que inicialmente ocorre um infiltrado periduetal por linfócitos. Posteriormente o infiltrado inflamatório celular causa alterações nos duetos e alterações metaplásicas no parênquima. O infiltrado gradualmente substitui os ácidos glandulares. Geralmente as ilhas de células mioepiteliais permanecem. Estas ilhas compõem-se de epitélio residual dos duetos e de células mioepiteliais.

O tratamento dependerá da gravidade do caso. Nos graves deve-se proceder a remoção cirúrgica da glândula acometida.

SUMMARY

Benign lymphoepithelial lesions occur like uni or bilateral enlargement of the salivary glands.

The parotid gland is the most attack, but accasionally the submaxillary glands are implicate.

We are presenting one case repott, whose clinic and histologic diagnosis was compatible with benign lymphoepithelial lesion or "Mikulicz's Discaser".

BIBLIOGRAFIA

l. MORGAN, W. S. & CASTLEMAN, B.A. - Clinicopathologic study of "Mikulicz's disease". Am. J. Palh. 29:471-503, 1953.
2. GODWIN, J.T. - Benign lymphoepithelial lesion of parotid gland (adenolymphoma, ehronic intlammafon, iymphoepïtheliotna, lymphocitic tumor, Mikulicz's disease). Report of 11 cases. Cancer (Philad.)5:1089-91, 1952.
3. BERNIER, J.L. & BHASKAR, S.N. - Lymphoepithelial lesions in salivary glands: Classification and Histogenesis based on 186 cases. Cancer (Philad.)11: 1156-13, 195 8.
4. BATSAKIS, J.G. - The pathology of head and neck tumors: The lymphoepithelial lesion and Sjogren's syndrome. Head Neck Surg.(MY.)5:150-58, 1982.
5. AUCLAIS, P.L. - Non-neoplasic disorders of salivary glands. Ear Nose Throat J. 63(8):370-83, 1984.




* Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia de Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana da Escola Paulista de Medicina.

** Chefe do Setor de Rlnologia da Escola Paulista de Medicina.

*** Pós-graduandos da Escola Paulista de Medicina.

Endereço:
Escola Paulista de Medicina Departamento de ORL - Rua Botucatu, 740, 3º andar 04023 São Paulo - SP

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial