Ano: 1991 Vol. 57 Ed. 3 - Julho - Setembro - (7º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 135 a 139
Conduta na complicação orbitária da etmoidite na infância
Orbital complications of ethmoiditis in infancy
Autor(es):
André de Campos Duprat*
Roberta Ribeiro de Almeida**
Silvio da Silva Caldas Neto***
Eduardo Cunha de Souza****
Clemente Isnard Ribeiro de Almeida*****
Palavras-chave: seio etmóide, sinusite, criança
Keywords: ethmoid sinus, sinusitis, child
Resumo:
Os autores discutem o diagnóstico diferencial das complicações orbitárias da sinusite na infância caracterizando os quadros de:
Celulite pré-septal
Celulite orbitária
Abcesso subperiostal
Abcesso orbitário
Trombose de seio cavernoso
Comentam a abordagem diagnóstica e a flora bacteriana provável.
Relatam um caso de abcesso subperiostal iniciado clinicamente com edema orbitário que evoluiu em 24 horas, ressaltando a importância da Tomografia Computadorizada na resolução desse caso.
Discutem a conduta cirúrgica e o tratamento clínico, concluindo que a abordagem cirúrgica ideal é a drenagem por etmoidectomia transnasal.
INTRODUÇÃO
As complicações orbitárias decorrentes de sinusites são relativamente frequente na infância graças a peculiaridades anatômicas e imunitárias desta faixa etária.
Apesar de clinicamente semelhantes quanto ao aspecto externo, estas complicações podem envolver estruturas diferentes, determinando condutas distintas.
Assim, Chandler e cols. (1), 1970, classificaram-na em 5 grupos com gravidades diversas: celulite pire-septal, celulite orbitária, abscesso subperiostal, abscesso orbitário e tromboflebite do seio cavernoso. (figuras 1 a 5)
FIGURA 1
FIGURA 2
FIGURA 3
FIGURA 4
FIGURA 5
A celulite pré-septal consiste em edema inflamatório bipalpebral, localizado anteriormente ao septo orbitário associado ou não com extensão posterior para os conteúdos orbitários. Não há implicação na posição ou movimentação do globo ocular nem na acuidade visual. Hiperemia eonjuntival bulbar pode estar presente.
Celulite orbitária é o edema difuso do conteúdo orbitário com ou sem proptose, disfunção da musculatura ocular extrinseca, dor à movimentação ocular e comprometimento da visão.
No abcesso subperiosteal ocorre coleção purulenta entre a parede óssea e a periórbita adjacente, deslocando o globo ocular lateral ou inferiormente, além de causar os sinais acima referidos.
O abcesso orbitário é em geral progressão da celulite orbitária representando uma coleção de pús localizada nos tecidos moles da órbita. Ocorrem com maior frequência e intensidade a proptose, disfunção da musculatura ocular extrinseca e hiperemia conjuntival. Habitualmente há comprometimento visual.
A complicação mais grave é a extensão posterior do processo para o seio cavernoso, determinando tromboflebite do mesmo, que pode determinar o aparecimento dos sinais e sintomas no olho contralateral, além de meningismo e edema doloroso da veia emissária da mastóide.
Neste trabalho os autores apresentam 1 caso de abscesso subperiostal secundário e uma esfenoetmoidite e discutem a abordagem diagnóstica e a conduta clínica e cirúrgica nesses casos.
RELATO DO CASO
ERM,10 anos, sexo masculino, sem sintomas anteriores, acordou com edema bipalpebtal à direita que acentuou durante o dia.
Procurou oftalmologista que encontrou proptose e, limitação da movimentação medial do globo ocular direito solicitando tomografia computadorizada (CT) que mostrou: velamento bilateral dos seios esfenóides e etmóide à direita, espessamento de mucosa dos seios maxilares e imagem de abscesso subperiostal D, comprimindo o músculo reto medial, com deiscência da lâmina papirácea. (Figura 6)
A rinoseopia anterior mostrava fossas nasais pérvias com pequena quantidade de secreção purulenta.
FIGURA 6
Foi instituído tratamento com oxacilina e cloranfenicol por via endovenosa e proposta intervenção cirúrgica de urgência.
Foi realizada etmoidectomia por microcirurgia transnasal, durante a qual, após rebatimento do cometo médio e abertura da bula etmoidal, houve saída de abundante secreção purulenta, sendo colhido então material para cultura e antibiograma. Em seguida foi realizada drenagem através de uma orbitotornia anterior direita com incisão de Lynch, sem deixar dreno. Foi mantida antibióticoterapia endovenosa por 5 dias com oxacilina e ceftriaxone, com o intúito de obter-se maior penetração do sistema nervoso central.
A cultura do material colhido resultou flora composta por: Streptococcus pneumonias, sensível a ampícilina, cefalotína, cloranfenicol, clindamicina, eritromicina, penicilina, tetraeielina, vancomicina, ciprofloxacin, nofloxacin.
No 1° dia de pós-operatório, observou-se reestabelecimento da motricidade ocular e no 5° dia o paciente recebeu alta hospitalar, com antibiótico via oral, amoxacilina-clavulanato, e gotas nasais com antibiótico, sem proptose e com discreto edema bipalpebral à direita, que regrediu ao cabo de 10 dias. Evoluindo com parestesia supra-orbitária à direita consequente à orbitotomia.
DISCUSSÃO
Um elemento importante para o diagnóstico diferencial da celulite orbitária e celulite pré-septal é a idade do paciente.
Segundo Spires e Smiths (2) 1986, a celulite pré-septal é tanto mais frequente quanto menor a
idade do paciente, encontrando 47% dos casos em crianças com menos de 1 ano de idade e 30% dos casos até os 6 anos de idade. Já a celulite orbitária, segundo Jackson e Backer (3) 12986, ocorre principalmente apos os 5 anos de idade, encontrando o pico de incidência entre 10 e 15 anos e 97% dos casos acima de 5 anos de idade, achado esse semelhante ao apresentado por Weiss e cols. (4) 1983, que encontraram celulite orbitária em 81 % dos casos com idade acima de 5 anos.
Segundo Spires e Smith (2) 1986, das infecções orbitárias, o tipo mais frequente é a celulite pré-septal. Em 241 pacientes, esses autores encontraram 94% de celulite pré-septal, 4 % de celulite orbitária, 1 % de abscesso subperiostal, 0,3 % de tromboflebite do seio cavernoso e nenhum caso de abscesso orbitário. Em apenas 6 casos (2%) o comprometimento foi bilateral.
Entre várias causas, segundo os mesmos autores (2) a sinusite correspondeu acerca de 12 % dos casos, sendo que ela a causa de 7,5% das celulites pré-septais, 81 % das celulites orbitárias, 66% dos abscessos subperiosteais e 100% das tromboflebites do seio cavernoso.
Weiss e cols. (4) 1983, identificaram evidências radiológicas de sinusite em 38% dos seus casos de celulite pré-septal e 30% das celulites orbitárias.
Os dados encontrados na literatura são muitas vezes discrepantes, devido aos diferentes critérios utilizados no diagnóstico diferencial destas complicações.
Estas complicações estão relacionadas ao acometimento, na maioria das vezes, de mais de um seio, sendo a associação mais frequente a dos seios etmoidal e maxilar, segundo Spires e Smith (2) 1986, e Jackson e Baker (3), 1986, uma vez que o seio etmoidal é separado da órbita pela lâmina papirácea, que é uma barreira delgada que comumente apresenta deiscência congênita.
Os microorganismos mais frequentemente encontrados como responsáveis pelas complicações orbitárias das sinusites, segundo Jackson e Baker (2), 1986, são: Stafilococcus aureus, Haemophilus influenzae e Streptococcus sp. A associação com anaeróbios é bastante frequente, sendo que, no caso apresentado, a bactéria encontrada foi o Streptococcus pneumonias, e a cultura para anaeróbios negativa após 3 dias deincubação.
No caso relatado, a proptose e a deficiência da motricidade ocular eram indicativos de comprometimento posterior ao septo orbitário, no entanto, faz-se necessário o uso do CT para o diagnóstico diferencial nessa situação.
Segundo Jones (5), 1983, os sinais de proptose, limitação da movimentação ocular extrinseca e déficit da acuidade visual não são obrigatórios para nenhum dos tipos de comprometimento, sendo a CT o único recurso que possibilita a caracterização da localização e extensão do processo, estando, portanto, indicada em todos os casos de complicação mbitária, para que seja instituído tratamento adequado.
Além disso, o diagnóstico precoce, feito pela CT, permite, de acordo com Jackson e Baker (3), 1985, diminuir o tempo da internação hospitalar.
O tratamento cirúrgico está indicado nos casos em que há formação de abscesso ou tromboflebite.
Em geral usa-se como via de acesso para a drenagem do abcesso a orbitotomia anterior.
No caso descrito fez-se previamente a etmoidectomia por microcirurgia transnasal, que permitiu o tratamento da etmoidite e uma eficiente drenagem do abcesso, comprovada pela orbitotomia.
Esse fato é indicativo de que nesses casos, o tratamento de escolha é a etmoidectomia por microcirurgia transnasal, uma vez que atinge simultaneamente a causa e a complicação.
CONCLUSÕES
1. O edema orbitário secundário à sinusite em crianças com menos de 5 anos de idade é geralmente de tratamento clínico, correspondendo à celulite periorbitária, sendo excepcional a ocorrência de outras complicações.
2. Em pacientes com mais de 5 anos de idade que apresentam edema palpebral, mesmo sem outros comemorativos, a tomografia computadorizada é um exame mandatório para o diagnóstico correto do tipo de complicação.
3. A proptose, limitação da motricidade ocular, edema doloroso da veia emissária da mastóide e meningismo são sinais que devem ser pesquisados sempre que houversuspeita de complicação orbitária, por caracterizarem comprometimento retro-septal.
4. A via de acesso preferencial para drenagem de abscesso orbitário e subperiosteal secundários à sinusite é a microcirurgia do etmóide.
SUMMARY
The authors discuss the diferential diagnostic of orbital complications of sinusitis during infancy, characterized by the followíng entities in order of increasing clinicai severity:
Preseptal cellúlitis
Orbital cellulitis
Subperiosteal abscess
Orbital Abscess
Cavernous sinus thrombosis
They describe lhe diagnostic procedure and probable bacterial floral.
They also give details of a case of subperiosteal abscess wich commenced clinically as orbital edema and which developed in 24 hours, highlighting lhe importance of Computerized Tomography in the resolution of lhe case.
They further discuss the surgical management and clinicai treatment, coneluding lhe ideal surgical approach is drainage by transnasal ethmoidectomy.
BIBLIOGRAFIA
1. CHANDLER, J.R. & COLS. - The pathogenesis of orbital complications in acute sinusiris. Laringoscope, 80:1414-28, 1970.
2. SPIRES, J.R. & SMITHS, RJ. - Bacterial infections of the orbital and periorbital soft-tissues in children. Laringoscope, 96: 7637, 1986.
3. JACKSON, K & BAKER, S.R. - Clinicai implications of orbital cellulites. Laringoscope,96:568-74, 1986.
4. WEISS, A. & COLS. - Bacterial perobital and orbital cellulitis in childhood. Ophthalmology, 90(3):195-203, 1983.
5. JONES, D.B. IN WEISS, A. & COLS. - Bacterial periobital and orbital cellulitis in childhood. Ophthalmology, 90(3): 195-203, 1983
* Residente de ORL da S.C.M.S.P.
** Acadêmica da F.M.U.S.P.
*** Residente de ORL da F.M.U.S.P.
**** Oftalmologista F.M.U.S.P.
***** Prof. Titular da F.M.J.
Trabalho realizado em clínica privada
Endereço do autor: Rua Prof. Artur Ramo, 96 cj. 72 - São Paulo - SP - 01454
Trabalho apresentado no XXX Congresso Brasileiro de Otorrindaringologia -1990.