Versão Inglês

Ano:  1991  Vol. 57   Ed. 3  - Julho - Setembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 128 a 134

 

Reconstrução ossicular em timpanosclerose

Ossicular reconstruction in tympanosclerosis

Autor(es): Silvio Caldas Neto*
Fernando Freitas Ganança**
Nelson Caldas***

Palavras-chave: otite média crônica, ouvido médio, timpanoplastia

Keywords: otitis média, midle ear, timpanoplasty

Resumo:
Foram estudados 27 casos de reconstrução ossicular em pacientes portadores de timpanosclerose. Os autores classificaram tais casos de acordo com o tipo de envolvimento da cadeia ossicular e resultados funcionais pós-operatórios, comparando estes dados com os da literatura levantada.

INTRODUÇÃO

Já está bem estabelecida a importância do conjunto timpanoossicular na condução e amplificação da energia sonora que é captada pelo ouvido externo e transmitida aos líquidos labirínticos. A amplificação do som se dá às custas do mecanismo de alavanca da cadeia ossicular (na razão de aproximadamente 2:1) e da relação de superfície entre as membranas timpânicas e da janela oval (na razão de 17:1) (1,2,3).

Várias condições patológicas podem acometer o conjunto timpano-ossicular (1,4). A timpanosclerose tem sido responsável por aproximadamente 1/3 dos casos, sendo descrita como patologia degenerativa da submucosa do ouvido médio, com poder de fixar os elementos da cadeia ossicular, prejudicando o seu funcionamento (5,6,7). Quando isso ocorre a única maneira de restabelecer a função auditiva, pelo menos em parte, é a correção cirúrgica do defeito através de reconstrução ossicular, a qual pode ser realizada empregando-se as mais diversas técnicas de acordo com as exigências do defeito encontrado e as preferências pessoais de cada cirurgião.

Austin (8) classificou os defeitos ossiculares encontrados ou criados durante timpanoplastias em 4 grupos, a saber:

1) martelo presente e estribo presente (MP-EP) - acontecia quando a bigorna estava ausente ou era retirada, deixando presente o cabo do martelo e o estribo sem conecção com a membrana timpânica.

2) martelo presente e curas do estribo ausente (MP-EA) - surgia quando o cabo do martelo ficava intacto, mas nem a bigorna nem as cruras do estribo permaneciam.

3) martelo ausente e estribo presente (MA-EP) - aparecia quando o cabo do martelo e a bigorna estavam ausentes ou eram retirados, mas o estribo estava intacto.

4) martelo e curas do estribo ausentes - quando toda a cadeia estava inviável, restando apenas a platina do estribo.

Estes procedimentos tem sido objeto de estudo em várias publicações desde que Wullstein (9) e Zoellner (10) estabeleceram os princípios das timpanoplastias. O objetivo básico é sempre o restabelecimento de uma via de transmissão entre a membrana timpâniea e o ouvido interno (11). Este trabalho tem por objetivo estudar os resultados furncionais obtidos por diferentes técnicas de reconstrução ossicular realizadas em pacientes portadores de timpanosclerose da cadeia.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Foram estudados de forma retrospectiva 42 ouvidos (40 pacientes) portadores de timpanosclerose da cadeia ossicular e submetidos a reconstrução cirúrgica da mesma no Hospital Centenário e Casa de Saúde São Marcos entre os anos de 1965 e 1982, em Recife.

Para todos os casos foi estabelecido o diagnóstico das patologias primárias e analisadas e suas incidências.

Dos 42 ouvidos, todos menos um tiveram a cadeia ossicular cirurgicamente mutilada face à fixação timpanosclerótiea. Elementos ossiculares foram retirados ou parcialmente ressecados por estarem imobilizados. A descontinuidade ossicular resultante foi reparada utilizandose procedimentos variáveis, como veremos mais adiante. Um dos casos teve apenas um foco removido sem interromper-se a cadeia. Após se atuar cirurgicamente sobre a cadeia ossicular, diferentes situações foram puderam ser criadas, as quais procuramos agrupar segundo a classificação de Austin (8).

Para avaliação dos resultados funcionais, utilizamos o gap aereo-ósseo pós-operatório obtido por audiometria tonal nas frequências de 500, 1000 e 2000 Hz (12), considerando comobom resultado o fechamento do gap para 20 dB ou menos. Tivemos que afastar desta análise aqueles casos que apresentaram no pós-operatório qualquer anormalidade no que diz respeito à integridade e mobilidade da membrana timpânica para que somente a performance da reconstrução fosse julgada. Foram afastados também os casos que não tiveram um bom controle clínico e audiométrico após a intervenção.

RESULTADOS

Desses 42 casos, 39 (92,8%) tinham diagnóstico de otite média crônica simples, 2 (4,8%), de atelectasia do ouvido médio e um (2,4 %) era portador de timpanosclerose isolada, sem processo inflamatório outro primário ou concomitante aparente. 15 pacientes (35,7%) eram do sexo masculino e 27 (64,3 %), do sexo feminino. Doze ouvidos (28,6%) foram do lado direito e 30 (71,4%), do esquerdo. Dois dos casos foram operados dos dois lados em tempos diferentes. A média de idade foi de 34,5 anos. O paciente mais jovem tinha 6 anos e o mais idoso, 66. Vimos também que a timpanosclerose acometeu a cadeia em diferentes níveis. Em 32 casos (76,2%) a fixação ocorreu ao nível do martelo e/ou bigorna e em 10 (23,8%) havia também comprometimento maior ou menor da supra-estrutura do estribo.

Quanto ao defeito ossicular criado durante a cirurgia, em 37 ocasiões (88%), encontramos a situação MP-EP. A situação MP-EA ocorreu em 4 casos (9,5%). Em nenhuma ocasião ocorreram as situações MA-EP ou MA-EA. Como já foi dito acima, em um dos casos (2,5 %) a cadeia não foi interrompida (Tab. 1).

Dos 37 ouvidos com situação MP-EP, 28 (75,6%) tiveram reconstrução ossicularfeita através de reposição da própria bigorna deitada sobre o capítulo do estribo; 2 (5,4 %) foram reconstruídos através da secção da cabeça do martelo e sua transposição para o capítulo do estribo; 3 (8,1%), a partir da utilização de bigorna homógrafa; e finalmente 4 casos (10,8%), utilizando-se eolumela de material biocompatível (PORP) entre o capítulo e o tímpano com lâmina de cartilagem interposta.

Dos 4 ouvidos que tiveram situação MP-EA, um (25 %) teve a cadeia reconstruída por interposição de bigorna homógrafa em pé entre a platina e o cabo do martelo. 2 (50%) receberam prótese de material inerte tolerável (TORP) entre a platina e o tímpano com lamina de cartilagem interposta e no outro caso (25%) foi utilizada bigorna autógrafa entre a platina e o tímpano. Os resultados funcionais (Tab. 2) foram analisados em 27 casos, incluindo 23 do grupo MP-EP e os 4 do grupo MP-EP.


TABELA 1



Para o primeiro grupo, obtivemos 39,0% de gap até 10 db, 26 % de gap entre 10 a 20 dB e 35,0% de gap 20 dB. Entre os da situação MP-EA, 1 caso (25%) apresentou gap pós-operatório 10 dB, 1 (25%) teve gap entre 10 e 20 dB e 2 (50%), gap 20 dB.

COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES

Da análise destes dados, vemos que a situação mais frequente foi a MP-EP. Isto é perfeitamente compreensível uma vez que a timpanosclerose acomete na maioria das vezes a bigorna e cabeça do martelo, o que causa fixação desta região, obrigando-nos a retirar a bigorna, após o que obtemos quase sempre um cabo de martelo e um estribo móveis. Os resultados funcionais foram considerados satisfatórios em 65% dos casos MP-EP e 50% do grupo MT-EA, os quais são comparáveis aos da literatura com uma diferença desvantajosa de aproximadamente 10%.

Do acima discutido, achamos poder concluir que: 1) A situação criada MP-EP é a mais frequente das reconstruções ossieulares por timpanosclerose face à necessidade de retirada cirúrgica da bigorna e, às vezes, da cabeça do martelo, por fixações a esse nível. 2) Os resultados funcionais foram satisfatórios na maioria dos casos, mas não tanto quanto os estudados na literatura pertinente. 3) As técnicas de reconstrução ossicular deveriam ser mais padronizadas, quando, certamente, os resultados funcionais seriam melhores.


TABELA 2



SUMARY

27 cases of ossicular reconstruction in pacients with tympanosclerosis were studied. The authom classifyed them depending on ossicular involvement and postoperative functional results and compared it with the data of lhe literature.

BIBLIOGRAFIA

l. HUNGRIA, H. - Manual de Otorrinolaringologia. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 1978, 176-82.
2. WEVER, EG & LAWRENCE, M. - Phisiological Acoustics. University Press, Princeton, 1954, 69-90.
3. SHAMBAUGH, GE. - Surgery of the Ear. W.B. Saunders Co., Pidladelphia, 1959, 327-57.
4. FRIEDMAN, I. - Pathology of lhe Ear. Blackwell Scientific Publications, Oxford, 1974, 71-6.
5. SHEEHY, JL & HOUSE, WF. Tympanosclerosis. Arch Otolaryngol 76:151-7,1962.
6. SCHUCKNECHT, HF. - Pathology of the Ear. Harvard University Press, Cambriedge, 1976, 229-3.
7. ZOELLNER, F. -Tympanosclerosis. J. laryngol Otol 70:77-85, 1956.
8. AUSTIN, DF. - Ossicular reconstruction. Arch Otolaryngol 94: 525:35, 1971.
9. WULLSTEIN, H. - Theory and practice of tympanoplasty. Laryngoscope 66:107693, 1956.
10. ZOELLNER, F - Principies of plastic surgery of the sound conducting apparatus. J Laringol Oto1 69:637-52, 1955.
11. SHEEHY, JL. -Ossicular problems in tympanoplasty. Arch Otolaryngol 81:115-22, 1965.
12. LUETJE, CM & DENNINGHOFF, ISCA. - Pericondrite attached double cartilage block: a better alternatìve to the PORP. Laryngoscope 97:1106-8, 1987.




* Trabalho realizado pela Clínica de ORL do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco.

** Residente de ORL do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

***Interno da Faculdade de Medicina do ABC, São Paulo.

**** Professor Titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco.

Endereço do Autor: Rua ItapiCuru, 77, ap. 06, São Paulo, SP, 0506, Brasil.

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