Versão Inglês

Ano:  1991  Vol. 57   Ed. 3  - Julho - Setembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 115 a 118

 

Cola biológica autógena

Autologous biologic adhesive

Autor(es): Dr. Clemente Isnard Ribeiro de Almeida*
Dr. Luciano Gonçalves Nina**
Dr. Ricardo Pires Mello***

Palavras-chave: otolaringologia, cola tecidual

Keywords: otolaryngology, tissue adhesive

Resumo:
Os autores fazem revisão das utilizações das colas biológicas na especialidade de Otorrinolaringologia. Descrevem as técnicas de preparo da cola utilizando o soro do próprio paciente conforme foi preconizado por Siedentop, demonstrando como preparar e utilizar o produto. Em estudo experimental concluiram que a técnica é eficaz havendo a formação de fíbrina e a aderência de fragmentos de duramater.

HISTÓRICO

Sempre foi um sonho para os cirurgiões a possibilidade de colar tecidos humanos.

Diversas resinas foram experimentadas, e até hoje se utiliza eoloide para a manutenção de determinados ferimentos cirúrgicos.
Entretanto a má adesão a longo prazo bem a interferência prejudicial na cicatrização, por se tratar de corpo estranho e portanto antifisiológico, levaram a maus resultados e aplicações limitadas.

No começo do século começou-se a pensar que talvez o melhor adesivo para tecido humano fosse o utilizado pela natureza: a fibrina.

A fíbrina apresentava condições ideais para ser usada como cola de tecidos. Tratava-se de um processo fisiológico de aderência, em nada podendo atrapalhar a regeneração normal. Ela adere quimicamente aos tecidos sem provocar a morte das células vizinhas. Facilita a cicatrização normal.

É totalmente absorvida não causando problemas locais a curto, médio ou longo prazo.

Embora com tantas qualidades o uso da fíbrina como cola apresenta um inconveniente: Não colava.

Não colava quando utilizada de forma sintética embora fosse sabido que de forma natural os tecidos vivos aderem entre si, e aderem inicialmente a custa da fibrina existente no sangue.

Sabia-se que o caminho estava certo mas que haviam dificuldades técnicas.

O fracasso das tentativas iniciais levou o método ao descrédito.

Em 1944 obteve-se de forma experimental aderência de tecidos utilizando fibrinogênio e trombina provocando a formação de malha de fibrina no local da ferida, mas a lise da fibrina era precoce e não havia a possibilidade de obtenção desses produtos para uso na rotina.

Há cerca de 10 anos apareceu o cianoacrilato, recebido com euforia em diversas especialidades. Em segundos provia forte aderência de tecidos possibilitando novas técnicas cirúrgicas. Sua utilização foi difundida e passouse a utilizá-la em todo o mundo.

Os anos foram passando e as decepções aparecendo. Seu uso foi sendo limitado porque provoca a morte dos tecidos onde aderia, provocando sequestros e fístulas indesejáveis (casos).

Permanecendo como corpo estranho mantinha infecções em locais infectados e em localização superficial era eliminado.

Estando em cheque a utilização do cianoacrilato em diversas especialidades foram retomados estudos no sentido de simplificar a obtenção do fibrinogênio e trombina que vinham sendo utilizados nas neuroanastomoses.

Há cerca de 5 anos dispondo de produtos industrializados, inúmeros trabalhos foram publicados demonstrando a eficácia da cola biológica em diversos setores, e finalmente nos últimos 3 anos a utilização da cola de fibrina passou a fazer parte da rotina em diversos serviços, sendo ainda a limitação de seu uso o preço do produto.

INTRODUÇÃO

Os monômeros de fibrina insolúvel formam polímeros que aderem, física e quimicamente aos tecidos vivos, biológicos. Entretanto após sua estabilização a fibrina deixa de ser adesiva. Assim se prepararmos "in vitro" ela deixará de ser útil com adesivo.

Então no local a ser colado deve ser misturado o fibrinogêmo com os demais componentes necessários para a transformação em fibrina. Leva-se então a cola ao local em 2 seringas, uma com o fibrinogênio, outra com os demais componentes. (O1)

A cola biológica é portanto a fase da cicatrização.

É preciso lembrar que os tecidos traumatizados pelo ato cirúrgico produzem fibrinolisina, especialmente cotos de nervos, que podem provocar a dissolução da cola a curto prazo.(15)

Com a finalidade de evitar esse inconveniente atualmente mistura-se ao fibrinogênio a Aprotinina, que é uma Antifibrinolisina.

Em relação a possibilidade de infecção, trabalho de Gastpar, H (Laring.Rhinol. 58 (1979) 389399) demonstrou que o crescimento de Estafilococos no coágulo de sangue é 10 vezes menor que no coágulo de fibrina e 100 vezes maior que no coágulo de fibrina com fator XIII.(6, 18)

A fibrina é uma fase inicial fisiologia da cicatrização e portanto não atrapalha sua evolução normal.

Foi demonstrado em cultura de células que a fibrina e o fator XIII aumenta a proliferação de fibroblastos.

Em transplantes de pele em ratos foi também demonstrado que a revascularização se efetua de forma mais rápida quando realizada com adesivo de fibrina em relação as suturas cirúrgicas convencionais possibilitando a conservação de maiores áreas transplantadas. (5)

Certas limitações impedem que a fibrina seja usada como coadjuvante em praticamente todas as cirurgias.

Sendo um produto obtido do sangue humano é caro e sempre existe a possibilidade de transmissão de hepatite a virus do grupo B, havendo um caso publicado na literatura, bem como de Imuno Deficiência Adquitida.(14)

É difícil sua utilização em áreas com sangramento.

A adesão obtida não é tão rápida nem tão intensa como o hystoacril.

METODOLOGIA

Seguindo a técnica de Siedentop, (16) 10cc de sangue humano foram colhidos em 2 francos com citrato de sódio como é utilizado pelo laboratório clínico, e em seguida centrifugado por 10 minutos. Dessa forma foram obtidos cerca de Scc de soro, que constituiu o componente I da cola de fibrina por esse método.

O componente II foi utilizando um centímetro cúbico de Gluconato de cálcio para suba-tituir o cloreto de cálcio, recomendado na técnica original, por ser composto de cálcio disponível no serviço. A solução de gluconato de cálcio foi usada juntamente com um centímetro cúbico de ácido aminocapróico e três centímetros cúbicos de água destilada para dissolver a trombina bovina, obtendo-se dessa forma 5cc de componente II.(Esquema 1)

Foram cortados 6 fragmentos de duramater com área de cerca de um centímetro quadrado.

Esses fragmentos foram transfixados em uma das extremidades com fio de algodão 10. Metade dos fragmentos foram ligados pelo fio de algodão a pesos de 2 e 10 gramas.

A cola foi preparada pela mistura em partes iguais dos componentes 1 e 11 sobre a superfície dos fragmentos de duramater provocando-se a seguir a justa posição de fragmentos aos pares, um apenas com fio e outro com e fio e peso.

Depois de 10 minutos os 3 conjuntos foram levantados pelo fio livre permanecendo aderidos apenas os fragmentos submetidos a tração de 2 gramas.

O mesmo procedimento foi repetido esperando-se 20 minutos para fracionar os fragmentos.
Desta vez permaneceram aderidos os fragmentos a tração de 2 e 5 gramas, desprendendo-se os fragmentos ligados ao peso de 10 gramas.

DISCUSSÃO

A utilização de adesivo de fibrina se mostrou útil ao longo dos anos em diferentes tipos de cirurgias da otorrinolaringologia, entretanto dois fatores agiram como limitantes ao seu uso, inicialmente o preço e posteriormente a possibilidade de reações imunológicas e transmissão de doenças a virus, uma vez que o adesivo de fibrina tradicionalmente usado era preparado a partir de sangue humano de estoque.

A simplificação do método original do preparo da cola permitiu que fosse utilizado o sangue do próprio paciente, contornando dessa forma as principais limitações ao uso do produto.

Diversos métodos foram descritos com complexidade diferentes com a idade de obter maior concentração de fibrinogênio, sendo deles citados por Siedentop (10).

No presente trabalho foi seguida a metodologia mais simples que utiliza o soro sem a concentração do fibrinogênio. A vantagem desse método é a sua simplicidade pois, utiliza, além de materiais e produtos disponíveis em qualquer centro cínïrgico, uma centrífuga e a trombina bovina.

A desvantagem do método é a baixa adesividade do produto, que após 20 minutos permitiu a tração de apenas cinco gramas, enquanto que preparados que utilizam concentração do ibrogênio chega a permitir uma tração de 217 gramas por centímetro quadrado após 30 minutos de preparação.

Para cada finalidade, deve ser utilizado um método apropriado de preparação da cola, para obter o poder de adesividade necessário. A metodologia utilizada pode ser útil em cirurgias em que a adesividade necessária é pequena, como as cirurgias de ouvido e nariz.


COLA DE FIBRINA
Técnica de Siedentop com soro



Cola biológica autógena

Pelo método utilizado no presente trabalho é extremamente simples o preparo da cola de fibrina, tendo sido obtida uma aderência em comparação com outros métodos, podendo no entanto ser utilizado em indicações compatíveis com as características de adesividade obtida.

SUMARY

The authors make a revision about the utilization of the biologic glue in otolaringology. They describe the method of preparing and using the adhesive with the patient's serum according Siedentop's technique. In experimental studies they came to the conclusion that the technique is effective permitting the formation of fibrin and adherence of dural fragments.

APLICAÇÕES CLÍNICAS

OUVIDO:

TIMPANOPLASTIA
fixação de cerâmica, ossicular, táscia, cartilagem, etc.(8) fechamento de pequenas perfurações (13,10,19)

MASTOIDECTOMIA
reparos na parede posterior obliteração plástica de radical

CIRURGIA DE NEUROMA
obliteração de fístula liquórica

CIRURGIA DO FACIAL
neurorafia.(3,4,12,19).

NARIZ:
Septoplastía sem tamponamento
Fixação de cartilagens
Fechamento do Caldwell-Luc com dura (9,11)
Traumatologia da face
Plástica de Sauders na doença de Osler
Fistula liguóríca do esfenóide
Plástica de obliteração de sinusectomia frontal
Fístula oroantral (2)
Hemostasia de amigdalectomia e adenoidectomia em discrásicos. (7,19)

BOCA:
Fechamento da área cruentas com duramater ou outros materiais

PESCOÇO:
Oclusão de espaços mortos onde vai haver a formação de hematomas evitando drenos e curativos compressivos

BIBLIOGRAFIA

l. AREMBERG, J.K.; ALTSHULLER, J.M. - Autologous fibrin glue and sealaut: Standart and microdrop delivery systems. Otolaryngol. Head Neck Surgery, 1989 dec. 101.(6), p, 709-12.
2. BERGAMINI, M.; TONELLI, P.; GRIECO V. - Stiugical Treatment of oroantral fistula Expericence with the use of frbrin glue, Minerva Stonatal, 1989, Sep 38(9), P. 959-63.
3. BENTO, RF. - Anastomose do nervo Facial (Intratemporal) com adesivo tecidual frbrinico. Estudo em doenças de paralisia facial traumatica. São Paulo, 1990. P. 121 (tese de livre-docencia - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
4. BENTO, RF.; MINITI, A. - Comparisou Betneen frbrin tissue adhesive, Epineural Suture and natural union in Intra Temporal Facial nerve of cats. Acta otolaryngologica (stok) supplement 465. P.36, 1990.
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6. GASTPAR, M.; KASTENBAUER, E.R; BEBEHANI A.A. - Experiências clinicas con un adhesivo de fibrina humana en cirurgia de cabeza e cuello, Laryng. Rhinol. Otol. (Stuttg.) 58, 1979, (389-399).
7. GASTPAR, H. - Tonsillektomie bei blutungsgefahrdeten Patienten Fortschr. Med. 19.1977, (p.1277)
8. GERSDORF, M.; VILAIN I. -Osseous reconstnrction in microsurgery of the middie ear. Acta. Otonhinolaryngol. Belg. 1989, 43 (5) P. 481-8.
9. GIESEN, K., MERTE, H.A. - Application of fibrin adhesive systems in the maxillary sinus as a altemative to tamponage. Dtsch. Zahmart1 Z., 1989. Fev. 44(2), P. 133-5.
10. HAMANN K.F. - A new material closure of tramatic perforation of the tympanic membrane, Laryngorhinootologie, 1990, Mar. 69(3), P.173.
11. MERTEN, H.A.; GIESEN, K. - Use of fibrin adhesive in maxillary sinus surgery. Dtsch. Z. Mund Kiejer G sichtschir, 1989, May-Jus 13(3), P. 230-3.
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15. PASTORE, A.; COHEN, R.; MERLO, R; PELUCHI, S. - Otorhinolaryngologic surgery in patients with coagulopathy, Acta Otorhinolaryngol. Esp. 1989, Nov-Dec (40*6), P. 417-8.
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Agradecemos a Sra. Almuth L Fabre pelas versões.

*Prof Titular do Serviço de ORL da F.M.J.
**Prof. Auxiliar do Serviço de ORL da F.M.J.
***Prof. Auxiliar do Serviço de ORL da F.M.J.

Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí no Hospital de Clínicas do ERSA 14.

Franco da Rocha - SP. Av. dos Coqueiros, s/n
Endereço do autor: Rua Prof. Artur Ramos, 96 conj. 72 - CEP 01454 - São Paulo - SP - BRASIL
Trabalho apresentado no XXX Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia -1990.

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