Versão Inglês

Ano:  1965  Vol. 33   Ed. 3  - Julho - Setembro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 103 a 112

 

TIMPANOPLASTIAS COM TRANSPOSIÇÃO OSSICULAR (*)

Autor(es): Roberto Martinho da Rocha (**) - Rio de Janeiro

Resumo:
O progresso das timpanoplastias nos últimos anos oferece possibilidades de cura das otites médias crônicas e melhoria da audição da maioria dos pacientes operados. A reconstrução do ouvido médio com enxêrto de fascia temporal na membrana timpânica e transposição da bigorna e do martelo na cadeia ossicular, tem sido a técnica mais satisfatória na nossa experiência pessoal.

O desenvolvimento das timpanoplastias permitiu que se resolva o problema das otites médias crônicas e suas seqüelas com manutenção, ou mesmo melhora, da acuidade auditiva dos pacientes
e cura do processo infeccioso responsável pela cronicidade das otites.

O primeiro objetivo da intervenção é eliminar a infecção; uma vez isto alcançado, procura-se: evitar criar cavidade cirúrgica permanente: reconstruir a membrana timpânica na sua posição e recuperar a cadeia ossicular.

A reparação do mecanismo timpano-ossicular do ouvido médio por enxêrtos e próteses é assunta das publicações especializadas modernas, assistindo-se, a todo momento, ao aparecimento de novas contribuições para aprimoramento dos resultados dessa cirurgia.

A perfuração timpânica, a fixação da cadeia ossicular e a interrupção da continuidade da cadeia são as principais causas mecanicas responsáveis pela deficiência auditiva dos pacientes.

A divulgação da cirurgia transmeatal com enxêrto de veia, preservando sempre o conduto auditivo externo, ainda quando se torna indispensável mastoidectomia complementar, abriu nôvo horizonte às timpanoplastias. Utilizando a mesma via de acesso, são aplicados, com idêntica finalidade, pele do conduto, periósteo, pericóndrio e fascia temporal (3, 4, 5, 6).

A reconstrução da cadeia ossicular interrompida, inicialmente feita com tubo de polietileno, realiza-se igualmente com outros materiais, assim como teflon e aço (7).

A escolha do tecido de enxertia varia com a preferência dos autores, objetivando boa "pega" e condições favoráveis à transmissão das ondas sonoras.

O emprêgo de diferentes materiais na confecção das próteses decorre da aparente maior ou menor tolerância do organismo à introdução de diversos corpos estranhos e da possibilidade de confecção das próteses nas formas desejadas e mais convenientes à adaptação satisfatória.

Experiências demonstraram que todos materiais ensaiados produzem alguma forma de reação-tissular(8), disso resultando, ocasionalmente, corrosão de ossículos, perfuração timpánica, lesão labiríntica, formação de aderências cicatriciais fibrosas, etc.

Nas otites médias crônicas a falta da extremidade distal da apófise vertical da bigorna é achado comum. A retirada da bigorna, seguida de sua re-implantação em outra posição, tem sido objeto de pesquisas laboratoriais (9) e de uso em cirurgia otológica (10). Ficou provada a vitalidade do ossículo, em tais circunstâncias, e os resultados funcionais obtidos com pacientes assim operados, têm sido satisfatórios e superiores àquêles em que foram introduzidas próteses de material estranho.

O destino, a longo prazo, dois ossículos transplantados ainda é desconhecido. HALL e RYTZNER (11) examinaram histológicamente bigornas humanas cinco anos depois de transplantadas e verificaram manutenção de sua forma original, porém modificação de sua estrutura tissular, havendo formação de ôsso nôvo e total absorção do primitivo. PHEMISTHER (12) trabalhando em cães, observou que a substituição tissular dá-se em um ano, desde que não haja interferência de infecção.

TÉCNICA OPERATóRIA

Nossa conduta representa o resultado de experiência pessoal nas timpanoplastias e acompanha técnicas descritas por outros autores (1, 2, 5, 13 e 14).


Fig. 1 - Retirada das bordas cicatrizadas da perfuração timpânica.



Fig. 2 - O enxêrto de fascia temporal é introduzido sob a membrana timpânica, aproveitando a via de acesso à caixa.


Praticamos intervenções com transplantação ossicular obedecendo às seguintes etapas cirúrgicas:

1) Anestesia local para a maioria dos casos, reservando narcose para crianças e para adutos em circunstâncias especiais ou quando as lesões são extensas e requerem intervenção laboriosa, com mastoidectomia inclusive.
2) Colheita do enxêrto de fascia temporal.
3) Retirada das bordas cicatrizadas da perfuração timpânica (fig. 1).
4) Incisão endo-meatal de acesso à caixa, semelhante à usada nas estapedectomias.
5) Exame da caixa do tímpano, com remoção das lesões inflamatórias irreversíveis. Verificação das condições anatómicas e funcionais da cadeia ossicular.
6) Reparo da cadeia ossicular.
7) Colocação do enxêrto de fascia temporal para reconstrução da membrana timpânica (fig. 2 e 3).
8) Tamponamento da caixa e do conduto.


Fig. 3 - O enxêrto é distendido de sorte a ficar sob as bordas da perfuração, repousando sôbre a parede óssea da profundidade do conduto auditivo externo.


Tratemos, agora, com pormenores, de algumas das etapas acima enumeradas.

Colheita do enxêrto de fascia temporal - Após infiltração anestésica da área, é feita incisão horizontal, de cêrca de três centímetros de comprimento, logo acima do pavilhão da orelha, na linha de implantação do cabelo. Coloca-se afestador autostático (JANSEN) e, depois de atravessar por dissecção o tecido subcutâneo e o músculo auricular superior, descobre-se a superfície branca e lisa da fascia temporal, de onde se recolhe fragmento arredondado, de dimensões compatíveis com o calibre da perfuração timpânica. O enxêrto é distendido sôbre o fundo de um recipiente de vidro invertido. Enquanto prossegue a intervenção, o enxêrto seca e se torna, assim, mais fácil de ser recortado, manipulado e devidamente introduzido sob a membrana timpânica, na posição conveniente.

Quando as circunstâncias obrigam ao acesso também à mastóide, a retirada do enxêrto é feita à custa de incisão retro-auricular.

Reparo da cadeia ossicular - A lesão mais encontrada na cadeia ossicular é a amputação da bigorna interrompendo a continuidade entre êste ossículo e o estribo. Comprovada tal situação, a bigorna é retirada do seu leito, desembaraçada do seu mucoperiósteo, dos remanescentes da apófise corroida e mergulhada em sôro, pronta para o transplante (fig. 4). Nos processos inflamatórios crônicos, com mucosa do ouvido médio espessada, a retirada da bigorna oferece vantágem de alargar a comunicação entre a caixa e o antro, favorecendo melhor drenágem e arejamento, o que facilita a cura da repercussão da otite sôbre a mastóide.


Fig. 4


Os métodos de transplantação da bigorna preferidos são os seguintes:

1.º) - Bigorna sôbre o estribo - Remove-se a apófise lenticular da bigorna da cabeça do estribo, onde ela é sempre encontrada. Pequenos fragmentos de Gelfoam são colocados de sorte a encher o ouvido médio, deixando apenas a cabeça do estribo à mostra. A bigorna é, em seguida, deitada sôbre o estribo, com a curta apófise sob o cabo do martelo (fig. 5). Deve-se evitar que a bigorna fique em contato com o promontório e o canal do facial. O retalho tímpano-meatal e o enxêrto de faseia repousam sôbre a bigorna.


Fig. 5 - A bigorna é deitada sôbre o estribo, com a curta apófise sob o cabo do martelo.


2.º) - Bigorna encaixada entre o estribo e o martelo - É excelente adaptação, porque o conjunto ossicular fica firme e articulado, independentemente de ser calçado com Gelfoam. Remove-se o arco anterior do estribo, depois de seccioná-lo em cima, junto à cabeça, e em baixo, próximo da platina. A bigorna é aplicada com a curta apófise sôbre a platina e sua superfície articular contra o cabo do martelo devidamente exposto (fig. 6).

É curioso que o comprimento da bigorna se presta ótimamente para preencher a distância que vae da platina do estribo ao cabo do martelo. A superfície articular da bigorna forma um sulco que favorece sua fixação ao martelo.

3.º) - Bigorna entre o estribo e a membrana timpânica - Método usado para casos em que o cabo do martelo, a supra-estrutura do estribo e a apófise vertical da bigorna estão ausentes. Nesta eventualidade pode-se aplicar a bigorna verticalmente, entre a platina do estribo e a membrana timpânica, como columela, com a curta apófise para baixo e superfície articular para cima (fig. 7).


Fig. 6 - Depois de removido o arco anterior do estribo, a bigorna é encaixada entre a platina do estribo e o cabo do martelo.



Fig. 7 - Bigorna entre a platina móvel do estribo e a membrana timpânica (columela).


4.º) - Transposição do martelo - Quando não se pode aproveitar a bigorna, e o martelo está íntegro, há o recurso de rodar o cabo do martelo para que êle venha entrar em contato com a cabeça do estribo. Para tal é necessário desnudar o cabo do martelo e seccioná-lo junto ao colo (fig. 8).


Fig. 8 - Transposição do martelo: seu cabo é deslocado para tocar a cabeça do estribo.


Se o martelo não tiver mais cabo, sua cabeça pode ser extraída do ático e colocada sôbre o estribo, em manobra semelhante à da adaptação da bigorna sôbre o estribo (fig. 9).


Fig. 9 - Se o martelo não tiver mais cabo, sua cabeça é extraída do ático e aplicada sôbre o estribo.


A retirada do martelo, da bigorna ou de ambos, como também a necessidade de curetágem muito ampla da borda óssea do arco timpanal, pode predispor ao colapso do tímpano por sucção da membrana contra o fundo do ático. Para evitar que isto se dê, há o recurso de calçar o ático com fragmento de músculo temporal, de sorte a encher o espaço por onde se faria o colapso.

A transplantação de ossículos não substitui integralmente a necessidade do emprêgo de próteses e a elas recorremos com frequência. É necessário fazer uma referência especial à columela plástica, que nos acostumamos chamar de margarida, a qual é adaptada entre a platina do estribo e a membrana timpânica, ou o enxêrto timpânico. É difícil o cirurgião avaliar exatamente o tamanho ideal da columela; por vêzes ela fica longa demais, exercendo pressão excessiva contra a membrana e acarretando perfuração timpânica seguida de eliminação da prótese; ou acontece que a prótese fique curta, sem contato eficaz entre a membrana e o estribo, disso resultando má transmissão sonora. Em ambas instâncias impõe-se revisão cirúrgica e nem assim conegue-se sempre remediar o insucesso inicial.

A aderência espontânea ou provocada, entre a membrana timpânica e o estribo (tímpano-estapedopexia) propicia bom ganho auditivo, sobretudo se a membrana não fôr deslocada da sua inserção natural. Baseado neste fato pode-se aplicar, em lugar de columela plástica, um fragmento de tecido, como fascia temporal, objetivando aderência e formação de firme ponte cicatricial entre as citadas estruturas (fig. 10).


Fig. 10 - Fragmento de tecido (fascia temporal, calçado à volta com "Gelfoam", é colocado entre a platina do estribo e a membrana timpânica, objetivando a formação de aderência fibrosa firme entre as citadas estruturas.


SUMMARY

As lhe result of the advances made in tympanoplasty during the last few years, the majority of patients with chronic otitis media can look foward to get a dry ear and have improved hearing.

Reconstruction of the middle ear by fascia graft in the tympanic membrane and repositioning of the incus and malleus in the ossicular chain has been the most satisfactory technique in our personal experience.

Av. Copacabana, 1120 - 6.º

REFERÊNCIAS

1) SHEEHY, J. L. - Ossicular Problems in Tympanoplasty, Arch. Otolaryng. 81:115, 1965.
2) AUSTIN, D. F., and SHEA, J. J. Jr. - A New System of Tympanoplasty Using Vein Graft, Trans. Amer. Larvng. Rhin, Otol. Soe. 75:218, 1961.
3) HOUSE, W. F., and SHEEHY, J. L. - Myringoplasty, Arh. Otolaryng. 73:407, 1959.
4) STORRS, L. A. - Myringoplasty with the Use of Fascia Graft, Arch. Otolaryng. 74: 45, 1961.
5) WRIGHT, W. - Tissues for Tvmpanic Grafting, Arch. Otolaryng. 78:291, 1963.
6) CHIASSONE, E. - Periosteal Grafting in Tympanoplasty, Arch. Otolaryng. 79:302, 1964.
7) HOUSE, W. - Functional Restoration in Tympanoplasty, Arch. Otolaryng. 78:304, 1963.
8) ANTHONY, W. P. - Comparative Studyof Four Prosthetic Materials, Arch. Otolaryng. 78:595, 1963.
9) STENGL, T. A., and HOHMANN, A. - Experimental Inces Transposition, Arch. Otolaryng. 80:72, 1964.
10) HALL, A., and RYTZNER, C. - Vitality of Autotransplanted Ossieles, Acta Otolaryng. Supp. 158:335, 1960.
11) HALL, A., and RYTZNER, C. - Stapedectomy and Autotransplantation Ossicles, Acta Otolaryng. 47: 318, 1957.
12) PHEMISTER, D. B. - Fate of Transplanted Bone and Regenerative Power of Its Various Constituents, Surg. Gynec. Obstet. 19:303, 1914.
13) SCHUKNECHT, H. F., and OLEKSIUK, S. - Tympanoplasty, Laryngoscope. 69:614, 1959.
14) FARRIOR, J. B. - Ossicular Repositioning and Ossicular Prosthesis in Tympanoplasty, Arch. Otolaryng. 71:443, 1960.

(*) Trabalho da Clínica Prof. José Kós.
(**) Assistente da Clínica Prof. José Kós.

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