Ano: 1991 Vol. 57 Ed. 3 - Julho - Setembro - (1º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 101 a 104
Hemodiluição normovolêmica no tratamento da surdez súbita. Resultados iniciais.
Normovolemic hemodilution in sudden deafness treatment. First results
Autor(es):
Dr. Roberto Alcantara Maia*
Dra. Patrícia Cristina Berenhi**
Palavras-chave: surdez súbita, surdez, perda auditiva sensorioneural
Keywords: sudden deafness, sensorineural, hearing loss, deafness
Resumo:
A hemodiluição normovolêmica é apresentada como uma forma de tratamento da surdez súbita. A técnica consiste na retirada de determinado volume sanguíneo do paciente e, a sua reposição simultânea, com solução de Dextran. Com este método promove-se uma queda no hermatócrito com a consequente diminuição da viscosidade sanguínea e aumento do fluxo capilar. Obtém-se, desta forma, um maior aporte de oxigênio a nível da circulação coclear. Nos 10 primeiros pacientes submetidos a esta terapêutica, os autores comentam a simplicidade e segurança do método, assim como, a aparente eficácia pelos resultados inicialmente obtidos.
INTRODUÇÃO
A hemodiluição normovolêmica é caracterizada pela retirada de um determinado volume de sangue total e sua reposição simultânea, por uma solução com as propriedades mais próximas do plasma. Utiliza-se, na reposição, soluções macromoleculares como o Dextran ou fluidos gelatinosos.
O objetivo da hemodiluição normovolêmica é a diminuição da viscosidade sanguínea, em função da queda do hematócrito. Esta queda do hematócrito acarreta: diminuição da resistência periférica; aumento do fluxo sanguíneo: aumento do retorno venoso. A consequência destas alterações hemodinâmicas é o aumento do débito cardíaco. Desta forma, apesar da queda da concentração da hemoglobina e do hernatócrito, o significativo aumento do débito cardíaco propicia um efetivo aumento do transporte total de oxigênio no organismo. Como se observa na Fig. 1, uma queda do hematócrito de 43% para aproximadamente 33%, acarreta um aumento do transporte de oxigênio sistêmico em 10%. Uma vez que o aumento do débito cardíaco compensa a queda na resistência periférica total, a pressão arterial e a freqüência cardíaca se mantem estáveis.
As primeiras publicações, com as bases fisiológicas da hemodiluição normovolêmica, aparecem com HINT (1968) e MESSMER (1974). Estes autores demonstram que quedas de até um terço do hematócrito acarretam um aumento da capacidade de transporte do oxigênio.
Diversas afecções clínicas têm se beneficiado com o tratamento pela hemodiluição normovolêmica: a policitemia, onde altas taxas de hematócrito acarretam diversos problemas vasculares; doenças arteriais oclusivas associadas a hematócritos aumentados; e em cirurgias eletivas como método que propicia a posterior auto-transfusão sanguínea.
Baseando-se nos estudos hemodinâmicos, DAUMAN (1983, 1984) inicia o tratamento da surdez súbita com a hemodiluição normovolêmica. Comparando esta forma de tratamento, com outras formas tradicionais, este autor defende o uso da hemodiluição normovolêmica pela sua eficácia e segurança. Com o aumento da rede sanguínea capilar, obtém-se uma melhor oxigenação a nível da cóclea; este fator é bastante positivo para a recuperação dos células ciliadas cocleares acometidas no processo da surdez súbita.
O objetivo do presente trabalho é descrever a técnica da hemodiluição normovolêmica no tratamento da surdez súbita e, apresentar os resultados iniciais obtidos em 10 pacientes.
MATERIAL E MÉTODO
A hemodiluição normovolêmica foi realizada em 10 pacientes com diagnóstico clínico e audiométrieo de surdez súbita. O grupo é composto de 3 homens e 7 mulheres, com idade entre 16 e 68 anos; a média das idades é 45 anos. O tratamento foi instituido em pacientes que não apresentavam contra-indicações ao método, ou seja: cardiopatias; doentes renais; coagulopatias; baixos níveis de hemoglobina. Estes pacientes são internados, sendo realizado, em regime de urgência, pré hemodiluição, a dosagem dos níveis de hemotócritos e hemoglobina.
Com o indivíduo em decúbito dorsal, com monitorização cardíaca, de pressão arterial e pulso, procede-se a hemodiluição normovolêmica. É realizada a venoclise bilateral em membros superiores; em um membro realiza-se a sangrias, no outro, a infunsão do expansor plasmático (Dextran 40). O processo de sangria e infusão deve ocorrer simultaneamente, de forma que, o volume seja reposto na mesma quantidade e velocidade. Devese retirar 10% do volume sanguínea total do indivíduo, calculado a partir do peso corporal. Esta sangria acarreta uma queda aproximada de dez unidades do hematócrito. O procedimento tema duração aproximada de 15 minutos. Ao término, colhe-se sangue para nova dosagem de hematócrito e retira-se a venoclise. O paciente é orientado para permanecer em repouso no leito pelas próximas 48 horas,sendo proibido qualquer esforço físico. Ao término das 48 horas, recebe alta hospitalar, é recomendado o repouso domiciliar relativo até o sétimo dia pós hemodiluição. O
paciente não recebe qualquer outra terapêutica.FIGURA 1
Alterações na capacidade de transporte do oxigênio em função do hematócrito. Em situação de hemodiluição normovolêmica, com Dextran, à esquerda. Em situação de hemoconcentração, com concentrado de glóbulos vermelhas à direita (SUNDER-PLASSMAN 1971)
Os controles audiométricos, assim como dosagens de hemotócritos e hemoglobina, são realizados no 2., 7., 14. e 30. dia pós tratamento.
O sangue retirado é armazenado em recipiente apropriado, passa por provas laboratoriais próprias do banco de sangue, onde fica armazenado por 21 dias. Caso necessário, este sangue poderá ser retransfundido no paciente.
A Tabela I apresenta os dados referentes aos 10 casos avaliados. A avaliação das audiometrias é feita pelo limiar médio obtido com a média dos limiates das freqüências 500, 1000, 2000 e 4000 Hertz. É considerada a audiometria pré tratamento e a audiometria realizada 30 dias após. Define-se ganho médio em dB (GMdB) e, ganho médio porcentual (GM% ), da seguinte forma:
GMdB = limiar médio final - limiar médio inicial
GM% = GMdB x 100% / Limiar médio inicial
RESULTADOS
DISCUSSÃO
A etiologia da surdez súbita é incerta, SIMMONS (1977) a considera como um sintoma a procura de um diagnóstico. Fatores vasculares e processos virais comprovadamente causam quadros de surdez súbita. Alguns autores (GOODHILL) defendem a teoria da ruptura de membranas do ouvido interno como outra possível etiologia.TABELA I - Resultados obtidos nos 10 pacientes submetidos a hemodiluição.
Diante desta incerteza diagnóstica, é compreensível que exista uma série de tratamentos propostos para a surdez súbita. A comprovada possibilidade de recuperação espontânea, em diversos casos, torna difícil a avaliação e comparação da eficácia dos tratamentos propostos. As situações individuais de cada paciente também dificultam estudos comparativos: é fato que tanto disacusias profundas, como pacientes com início de tratamento retardado, tem pior prognóstico, independente do tipo de terapêutica realizada.
Neste quadro de incertezas, o tratamento da surdez súbita, pela hemodiluição normovolêmica, apresenta algumas vantagens. Realizada de sangria, pelo banco de sangue, a hemodiluição dura aproximadamente 15 minutos e utiliza como medicação apenas o Dextran. Não acorreram complicações, com esta terapêutica, nos casos apresentados; não foi necessário a retransfusão em nenhum caso. Esta observação é confirmada pelos outros autores com experiência nesta forma de tratamento. A hemodiluição é, portanto, uma forma de tratamento simples, de baixo custo e segura.
O efetivo aumenta no aporte de oxigênio a nível coclear, propiciado pela hemodiluição, é um fator muito positivo em qualquer tipo de surdez súbita. Principalmente nos de causa vascular, a maior oxigenação trará melhores chances de regeneração das células ciliadas em sofrimento.
O resultados obtidos em nossos 10 primeiros pacientes, demonstraram uma melhora da audição em 9 casos; houve retorno a níveis audiométricos normais em 4 casos. O tempo do início do tratamento, assim como, o grau de surdez inicial foi variável.
O efeito terapêutico da hemodiluição normovolêmica foi evidente em alguns casos entre pacientes apresentados, o caso 10 o mais convincente: esta paciente apresentava, na internação, surdez profunda com 11 dias de evolução; algumas horas após a hemodiluição, a paciente referiu melhora auditiva, o que foi confirmado pela audiometria realizada no dia seguinte.
CONCLUSÃO
O tratamento da surdez súbita pela hemodiluição normovolêmica é utilizado pela Clínica de Otorrinolaringologia da Universidade de Bordeaux-França há vários anos com resultados favoráveis. O resultados obtidos em nosso serviço são iniciais; necessitamos de um maior número de casos para uma conclusão segura.
A hemodiluição normovo-lêmica, realizada com rigor técnico, demonstra ser um método seguro, simples, de baixo custo e aparentemente eficaz no tratamento da surdez súbita.
SUMMARY
The normovolemic hemodilution is presented as a treatment to the sudden deafness. A fixed volume of the patient's blood is sampladed and simultaneously a Dextran solution is given intravenously. The result is a decreasing of blood viscosity and the increasing of the capilary flow. So we will have a better oxigenation in the cochlear tissue. The authors comment the simplicity and security of the method and the efficaeity of the results inicially obtained.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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Trabalho realizado no serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. Diretor do Serviço Prof. Dr. Moyses Cutin.
* Médico Encarregado do Setor de Otoneurologia do Hospital do Servidor Público de São Paulo.
** Médica Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público de São Paulo.