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Ano:  1965  Vol. 33   Ed. 3  - Julho - Setembro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 89 a 102

 

TERAPÊUTICA LOCAL DAS OTITES MÉDIAS SUPURADAS AGUDAS E CRÔNICAS NÃO COLESTEATOMATOSAS

Autor(es): Dr. Nelson Alvares Cruz(*)
Dr. Maurício Malavasi Ganança(**)
Dr. Pedro Luiz Mangabeira Albernaz(*)
Dr. Douglas P. Baptista(**)
Dr. Filip Aszalos(**)
Dr. Samir Cahali(**)
Dr. Rodrigo S. Spinola(**)
Dr. Paulo E. Riskalla(**)
Dr. Rui Santos(**)
Dr. Diógenes Piragine (**)
Dr. Elias R. Paiva(***)
Ac. Milton Tomaz(****)
Ac. Gilberto Alonso(****)

1. Introdução

O tratamento das otites médias supuradas agudas e crônicas simples tem recebido a atenção de diferentes autores. Enquanto nas primeiras utiliza-se o tratamento geral que se faz acompanhar freqüentemente do tratamento local, nas segundas o tratamento tópico é o de escolha para a quase unanimidade dos otologistas (2,3,4,5).

Foi nossa intenção avaliar os resultados da terapêutica exclusivamente tópica das otites médias supuradas agudas e crônicas não colesteatomatosas e, para atingir êste objetivo, empregamos várias medicações, em casos resistentes ou não a tratamentos anteriores por via local ou geral.

Cada doente foi submetido a anamnese prévia, colheita de material para cultura e antibiograma do germe identificado, aspiração da secreção aural, audiometria tonal e, em seguida, medicado.

A medicação foi administrada a intervalos de 8 horas na quantidade de 2 a 4 gôtas (na dependência da idade do paciente), por 8 a 15 dias, segundo a evolução de cada caso.

Cada doente foi estudado em sua patologia e grau de extensão, através de radiografias dos ossos temporais (incidências de Schüller, Guillen e Chaussé III).

O atendimento dos doentes foi efetuado no Ambulatório da Clínica ORL da Escola Paulista de Medicina. O material para cultura aural e antibiograma foi colhido assèpticamente com alça de platina (esterilizada à chama de lamparina) que era introduzida através do espéculo de otoscópio prèviamente mantido em solução de espadol. À seguir, a alça de platina era levada ao interior de tubo de ensaio contendo caldo enriquecido e rigorosamente estéril, sendo a manobra executada à chama de lamparina.

No Laboratório Central do Hospital São Paulo meios de cultura adequados eram convenientemente semeados com o material obtido e posteriormente fazia-se a identificação dos microrganismos e os testes de sensibilidade a antibióticos, quimioterápicos e associações.

II. Planejamento

Planejamos administrar as medicações, distribuindo-as a grupos de doentes em número estatisticamente significante, para julgamento posterior quando compararíamos os resultados obtidos com o alcançado pela ação de um placebo, administrado da mesma forma e pelo mesmo tempo, em relação à patologia mencionada.

Para critério de julgamento, baseamo-nos exclusivamente em dados objetivos, ou seja, na comparação de microrganismos identificados à cultura aural e no confronto dos achados otoscópicos antes e após a terapêutica.

O processo de escolha das amostras foi o mais casual possível, sendo escolhidos os doentes ao acaso através da tabela de números casuais.

Para efeito de julgamento estatístico dos dados observou-se que 100% equivalia a cura completa (ausência de secreção aural e cultura aural de contrôle estéril), 50% representava a presença de apenas um dos critérios (ou ausência de pús ou cultura estéril) e 0% demonstrava a falha de tratamento.

Todo medicamento empregado foi largamente experimentado "in vitro", estudando-se a sua atividade contra inúmeras amostras dos microrganismos isolados das culturas aurais de nossos doentes, usando-se "in vitro" a mesma concentração de substância ativa utilizada "in vivo".



LABORATÓRIOS

Zambou Labs. Farmac, S. A. (2.)
Laborterápica Bristol (3.)
Labs. Lepetit S. A. (4.) (5.)
Labs. Silva Araújo-Roussel S. A. (5.)
Pfizer Corporation do Brasil (7.)
Abbott Laboratórios (8.)

Atividade "in vitro" dos medicamentos usados na terapêutica local das otites médias supuradas e crônicas não colesteatomatosas.


++++ = altamento sensível
+++ = muito sensível
++ = sensível
+ = pouco sensível
0 = resistente

Atividade "in vivo" dos medicamentos usados na terapêutica local das otites médias supuradas agudas e crônicas não colesteatomatosas


Freqüência de microrganismos em culturas aurais antes e após tratamento variado

Não computamos nêste quadro os microrganismos das culturas aurais dos casos tratados com placebo (propilenoglicol).

Durante o período de tratamento, não foi administrada qual quer outra medicação, mesmo na vigência de outras afecções além da por nós estudada.

Avaliamos a atividade "in vitro" segundo critério subjetivo baseado em diâmetros de halo de inibição de crescimento de microrganismos patogênicos em placas de Petri, com meios de cultura adequados, e também no grau de turvação de tubos de ensaio contendo caldo enriquecido estéril, com a medicação testada, a que se acrescenta o germe patogênico. Para maior facilidade de manipulação, traduzimos essas avaliações em têrmos de cruzes:

++++ = altamente sensível; +++ = muito sensível; ++ = sensível; + = porco sensível; 0 = resistente.

Nos trabalhos estrangeiros que consultamos, apenas EJERCITO e colaboradores observaram freqüência de germes semelhantes a de nosso material.

Outros autores têm encontrado freqüência elevada de estreptococo beta-hemolítico, pneumococo e hemophilus influenzae, de ocorrência excepcional em nosso trabalho, apesar dos cuidados de técnica bacteriológica utilizados (2, 3, 4, 5).

Em nosso meio, BARRETTO e SERNADA apresentam ocorrência de gemes bem próxima da que registramos (1).

TABELA 1

ÍNDICE DE MELHORA, OBTIDO COM TERAPÊUTICA VARIADA, EM RELAÇÃO AOS MICRORGANISMOS PATOGÊNICOS DE CULTURAS AURAIS

Relação entre % de ocorrência dêsses germes antes e depois de tratamento.

Estafilococo - 3,1
Proteus sp - 2,2
Pseudomonas aeruginosa - 1,9
Esclierichia coli - 1,2
Coli-Aerógenes - 2,1
Estreptococo - 0,9
Índice de esterilização - 3,0
índice maior do que 1 = melhora
Índice igual a 1 = inalterado
índice menor do que 1 = piora

TABELA 2

ÍNDICE DE MELHORA, OBTIDO COM CADA GRUPO TERAPÊUTICO, EM RELAÇÃO A MICRORGANISMOS PATOGÊNICOS DE CULTURAS AURAIS

Relação entre % de ocorrência dêsses germes antes e depois de tratamento

Índice maior do que 1 - melhora
Índice menor do que l = piora
Índice igual a 1 = inalterado

Atividade terapêutica "in vivo" em relação aos microrganismos patogênicos de culturas aurais


ATIVIDADE "IN VITRO" E "IN VIVO" DOS MEDICAMENTOS USADOS NA TERAPÊUTICA LOCAL DAS OTITES MÉDIAS AGUDAS E CRÔNICAS NÃO COLESTEATOMATOSAS

Para os medicamentos por nós experimentados, houve plena concordância entre as atividades "in vitro" e "in vivo" em apenas 37,5% das medicações, enquanto a concordância foi parcial para 62,5% das mesmas.

Devemos acrescentar que usamos a mesma concentração de cada substância testada, tanto "in vitro" como "in vivo".

Evidenciamos, portanto, o valor relativo e discutível dos testes de sensibilidade "in vitro" de microrganismos a antibióticos e quimioterápicos.



Confronto da atividade "in vivo" e "in vitro" dos medicamentos testados


JULGAMENTO ESTATÍSTICO

Segutudo os critérios de julgamento já descritos em páginas anteriores, elaboraram-se as hipóteses:

H0 : M1 = M2 = ... = M8 +
H1 : Pelo menos uma das médias difere.
+ : M1, M2, etc. são os símbolos utilizados para exprimir as diversas médias.

Feita a análise de variância observamos um F calculado 12.45++. ++ , Significante.

F (crítico) = F (7,168,5%) = 2,01.
Logo rejeita-se H0.

Para sabermos dual dos tratamentos difere, usamos o Teste de Tuckey para as médias.

Fe = F crítico F = F calculado



Pelo teste verificou-se que todos os medicamentos eram significativamente diferentes em relação ao placebo e que a associação Rifamicina SV + Cloranfenicol é significantemente diferente da Oleandomicina (a = 2,5%).

CCONSIDERAÇÕES

Em suma, testamos em 176 casos de otíte média aguda ou crônica não colesteatomatosa a atividade "in vivo" de 7 medicamentos e 1 placebo (propilenoglicol), em terapêutica exclusivamente local.

Resultados considerados excelentes foram obtidos com o uso da associação Rifamicina SV e Cloranfenicol, de Panotil, da Kanamicina e da Rifamicina SV. Bom resultado foi auferido com emprêgo de Ácido acético a 4%, de Pantomicina e de Oleandomicina.

O risco de êrro, ao afirmarmos a eficiência désses medicamentos, em relação aos resultados obtidos com o uso do placebo, é igual a zero.

Em nossa casuística, em ordem decrescente de freqüência, os microrganismos patogênicos mais comuns foram estafilococos, proteus, pseudomonas e escherichia.

Com as terapêuticas empregadas, a dificuldade de erradicação do germe patogênico foi maior em relação a Escherichia coli e, em menor escala, para o Pseudomonas aeruginosa, obtendo-se amplo sucesso contra estafilococos e proteus sp.

O medicamento mais ativo "in vivo" foi a associação Rifamicina SV e Cloranfenicol contra Escherchia, Estafilococo e Proteus, enquanto a Kanamicina foi a mais eficiente no combate a Pseudomonas aeruginosa.

Comprovamos estatisticamente que todos os medicamentos empregados eram significantemente diferentes em relação ao placebo.

Também comprovamos que a associação Rifamicina SV e Cloranfenicol (a mais ativa em nosso trabalho) é significantemente diferente da Oleandomicina (a menos ativa), não havendo diferença estatística entre os demais medicamentos empregados.

Os autores consultados (1, 2, 3, 4, 5) aconselham o estudo dos germes e de sua sensibilidade aos antibióticos. Nossa experiência não confirmou o valor que se pretende atribuir aos antibiogramas.

Reputamos ótimos os resultados conseguidos com terapêutica exclusivamente local nas otites médias agudas e crônicas não colesteatomatosas.

Por outro lado, demonstramos o valor relativo e duvidoso dos antibiogramas, havendo pouca correspondência dos resultados obtidos "in vivo" e "in vitro" apesar de usarmos, nos testes de sensibilidade, a mesma concentração de medicamento receitado a cada paciente.

CONCLUSÕES

1. Os medicamentos empregados foram estatisticamente significantes em relação ao placebo. O placebo, como se devia esperar, mostrou-se ineficaz.
2. Os resultados obtidos "in vivo" e "in vitro", em relação aos germes encontrados, não foram concordantes, na maioria absoluta dos casos. Ficou patente, em nosso estudo, o valor relativo e discutível dos antibiogramas.
3. Não observamos diferença estatística no comportamento das drogas experimentadas, à exceção da comparação entre a Rifamicina SV e Cloranfenicol com a Oleandomicina.
4. A freqüência de germes em nosso meio é, de modo geral, semelhante à descrita por outros autores, em outros locais.

BIBLIOGRAFIA

1) BARRETO SOB, L. P., SERNADA, D. F. - Contribuição para o estudo dos germes das otites médias purulentas agudas e crônicas não colesteatomatosas. Rev. Paulista Med. 52 : 1-10, 1958.
2) DERLACKIE, L. - Medical aspects of the treatment of acute and chronic otitis media. Laryngoscope LXXIII: 501-507, 1963.
3) EJERCITO, N. C., ESPIRITU-CAMPOS, L., TOLENTINO JR. F. - Bacterial and sensivity of local cases of chronic suppurative otitis media. Acta Med. Fhilippina. XV : 139-145, 1958.
4) MAWSON, S R. - Diseases of the middle ear. ln Diseases of the ear. Edward Arnold Pub. Ltd., London, 1963.
5, VILCHES, A. - La Bacteriologia de las infecciones del oído y su relación con el empleo de antibióticos. In HERNANDES, A. - Clínica y cirurgia otologíca. - Ed. Bibliogr. Argentina - Buenos Aires, 1958.

Trabalho da Clínica Otorinolariugológica da Escola Paulista de Medicina (Prof. Dr. Paulo Mangabeira Albernaz).
(*)Assistente da Clínica ORL da EPM.
(**)Estagiários da Clínica ORL da EPM.
(***)Assistente da Cátedra de Bioestatística da EPM.
(****)Estagiários da Secção de Microbiologia do Laboratório Central do Hospital São Paulo e EPM.

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