Ano: 1990 Vol. 56 Ed. 4 - Outubro - Dezembro - (7º)
Seção: Como eu trato
Páginas: 173 a 178
E por falar de nariz...
Autor(es): QUINTANILHA RIBEIRO, F. I
Como se percebe pelo título, este não é um trabalho científico com introdução, material e métodos, revisão bibliográfica, discussão de resultados e resumo em português e inglês. É tão-somente uma série de considerações, observações anatômicas, fisiológicas, patológicas, filosóficas e históricas para tentar compreender porque cada vez mais este órgão não vem funcionando adequadamente. Dentre os meus pacientes e os de vários outros colegas indagados, uma das queixas mais comum é: Doutor, meu nariz não funciona, ele entope, coça, escorre, espirra, mas não respira. Por quê?
Eu acho, e vou tentar abordar esta tese, que os narizes não vêm funcionando bem porque estão sendo depreciados, através da evolução das espécies, nas suas funções primordiais, e por isso entopem, escorrem, coçam e espirram em desagravo pelas suas não-devidas valorizações fisiológicas. A anatomia persiste, mas a função se perdeu no tempo.
Eu ando desgostoso e frustrado tentando abordar o nariz tradicionalmente. Alguma coisa está errada, e creio que começa pelo nome que se dá a este mal comportamento nasal. "Rinite Alérgica" que subentende antígenos e anticorpos, Ig As e Ig Es, eosinófúos, mastócitos e histiócitos, degranulações, histamina, serotonina, bradicinina etc. Como entender alergia a cheiro forte, alergia a cinza de cigarro, alergia a pó de giz, se não há aí a presença de proteínas antigênicas? É bonito, concordo, mas tratam estes doentes com anti-histamínicos, corticóides, cetotifenos, cromoglicatos, vacinas prontas, vacinas feitas, vacinas em gotas, injetáveis autovacinas, e o que acontece?
Pouco resultado e muita frustração. E depois se parte para infiltrações, cauterizações térmicas, elétricas, conchotomias, cirurgias do vidiano, com resultados momentaneamente melhores.
"Rinite Vasomotora" (melhorou um pouco). Mas afinal o que quer dizer isso? Vasodilatação e vasoconstrição. Iatrogenia por gotas nasais (?), reflexos mal explicados. E agora estão falando em rinite eosinofílica, que seria parecida com a alérgica, mas de fato, quem sabe, talvez, nem tanto.
Creio que devemos abordar o nariz de outra maneira, começar tudo de novo para tentar entender. Estou propondo não este entendimento, mas uma série de considerações para se pensar a respeito. Vou começar a propor mudança do nome destes "incômodos nasais" não mais de "rinites" mas de SNIFs (Síndrome Nasal de Inadequado Funcionamento) e doravante assim os chamaremos.
Quanto a uma das funções nasais, a olfação, ela, indubitavelmente, foi colocada num plano insignificante n homem. Sentir cheiro é desagradável culturalmente. bom é sentir perfumes. Os cheiros normais de nosso copo devem ser banidos da população humana. A indústria de perfumaria que o diga com seus perfumes, colônia desodorantes e sabonetes. Não conseguimos individualizar uma pessoa pelo cheiro ou o perigo, a fonte de ali mento ou a parceira, pedestais de toda perpetuação animal. O nariz olfativo esnobou, civilizou, se culturizou com isso perdeu seu lugar para os olhos. Nós olhamos muito e cheiramos pouco. Mas a anatomia sensitiva suas relações centrais perduram, indevidamente usadas, com isso acarretando problemas como vou discutir posteriormente.
E a função tátil do nariz? Fuçar é o verbo derivado d, palavra fuça, cujo diminutivo é focinho, e os animais fuçam com seus focinhos. Sentem, tocam, escarafunchaim seus alimentos, seus habitas, seus parceiros, suas crias.
O homem fuça com as mãos, com os ouvidos, com olhos. Quem nunca ouviu esta reprimenda: Menino! Na fuce na conversa dos mais velhos. Não fuce a gaveta 'd sua mãe. Não fique fuçando nestas revistas de multi pelada. E o nariz, menosprezado, contém ainda toda s sensibilidade, toda inervação tátil, que não usada
trará problemas.
E hão agora de me perguntar: E o que tem isso a v com SNIFs? Pretendo mais adiante relacionar o olfato e tato, assim como outros sentidos não s6 do nariz, mas todo o corpo, com o sistema autônomo, simpático-para simpático do nariz e assim completar meu raciocínio q até o momento realmente causa espécie.
Vamos relembrar a inervação sensitiva e autônoma d nariz, suas correlações e reflexos e sua integração a nív central, principalmente hipotalâmico, com as emoções seus bloqueios corticais.
SENSIBILIDADE TÁTIL-NASAL
Dada pelo trigêmeo, principalmente por seus ramos oftálmico e maxilar superior.
1. Ramo oftálmico - nervo nasociliar
A. Nervo etmoidal anterior
A.1. Ramo nasal interno - Rebordo anterior do septo. A.2. Ramo nasal externo - Parte anterior da parede lateral e a pele da porção inferior do dorso nasal e ponta do nariz.
B. Nervo etmoidal posterior - Parede medial e lateral porção posterior.
C. Nervo infratroclear - Pele da parede externa do nariz.
11. Ramo maxilar superior
A. Nervos nasais póstero-superiores; - Nervo nasopalatino (Contunnius).
Comunica-se no orifício incisivo com nervos palatinos anteriores.
B. Nervos nasais póstero-inferiores - Corneto inferior.
C. Nervo infra-orbitário - Pele da parede lateral do nariz (Testut, Ballenger, Berendes).
Ou seja, uma sensibilidade importante, tátil, para defesa das vias aéreas, desencadeando uma série enorme de reflexos, alguns bem lógicos como os estemutatórios e utros bem estranhos ou até ilógicos, como vamos relatar
steriormente. É esta sensibilidade exacerbada por uma série de motivos que causa nas SNIFs as crises reflexóenas de espirros incoercíveis. É por sua parcial destruição
nas cauterizações e conchotomias que notamos muitas vezes a melhora destes sintomas.
SISTEMA AUTÔNOMO
É o sistema simpático-parassimpático que regula toda vasomotricidade e secreção glandular da mucosa nasal, sendo portanto o responsável pelos sintomas de obstrução rinorréia. Vamos portanto rever sua anatomia.
Simpático - Os impulsos vêm através de fibras préglionares simpáticas (tóraco-lombares) até o gânglio servical superior onde fazem sinapse. Seguem por fibras ganglionares do plexo carotídeo (carótida interna) nervo petroso profundo onde se juntam com fibras paraspáticas pré-ganglionares vindas pelo nervo petroso superficial maior para formar o vidiano, que atravessa o al pterigóide para formar (passar por) o gânglio esfealatino (sinapse só das fibras parassimpáticas), e sem para o nariz. Fibras simpáticas também chegam via plexo carotídeo pelos ramos infra-orbitário e etmoidal do trigêmeo.
Parassimpático - Fibras pré-ganglionares nascem no núcleo do facial e seguem pelo nervo intermédio, abandonando o facial no gânglio geniculado para formar o nervo petroso superficial maior que se une às fibras simpáticas do petroso profundo para formar o vidiano. Fazem sinapse no gânglio esfenopalatino e inervam o nariz através dos ramos nasais, orbitais e palatinos até a túnica própria que reveste os vasos e glândulas secretoras da mucosa nasal (Berendes, Guyton, Ranson).
O simpático teria um efeito mais tônico sobre a vasoconstrição, e o parassimpático mais dinâmico, por assim dizer. Por isso, a ressecção do vidiano (misto) causaria uma certa vasoconstrição, mesmo sabendo que posteriormente há uma compensação (central?) voltando-se tudo ao início. O reverso ocorrendo na estelectomia (ressecção do gânglio estrelado).
Vamos agora começar a unir toda esta inervação olfatória, sensitiva e neurovegetativa a nível central, no hipotálamo, no sistema límbico, no centro nervoso animal, primitivo, reflexógeno.
Uma das funções nasais é, através da vasodilatação de seus corpos cavernosos, diminúir o fluxo de ar que passa pela cavidade nasal, aquecendo-o para ser inspirado para as vias aéreas inferiores. Quanto mais frio o ar, mais isto se faz presente. E o centro de regulagem do calor corpóreo é exatamente o hipotálamo.
TERMOSTATO HIPOTALÂMICO
Localizado na área pré-óptica apresenta neurônios sensíveis ao calor funcionando como sensores térmicos. Eles aumentam a freqüência de descarga elétrica em até dez vezes com um aumento da temperatura corporal de dez graus (Guyton). Sensores para o frio são encontrados no hipotálamo e na substância reticular do mesencéfalo. Há a necessidade de que receptores térmicos na pele mandem impulsos para o hipotálamo desencadeando um reflexo para controle dessa variação térmica através de vários fatores, como vasodilatação, vasoconstrição, sudorese, piloereção, etc. Esta vasoconstrição através do sistema simpático ocorre também a nível da mucosa nasal, quando da estimulação elétrica do hipotálamo (Eccles 1981). Será que aí não tem coisa? O antigo preceito do ventinho nas costas, pé descalço, cabeça molhada, sereno, etc.? Guyton chama a atenção para o efeito refrescante do vento, que é aproximadamente proporcional à raiz quadrada de sua velocidade, e para o uso adequado de vestimentas sobre a perda de calor corpóreo. A piloereção que falei há pouco funciona muito bem num urso, por exemplo, mas nossa pouca pilosidade nos acarreta apenas um arrepio. O arrepio pode ocorrer em todo o corpo, mesmo que o frio seja localizado, e parece haver áreas mais arrepiantes, como o pescoço e as costas. Devemos lembrar que o arrepio também está relacionado com a excitação sexual, mas da correlação SNIF-Sexo falaremos adiante. Quanto às vestimentas, elas conservam o mesmo ar em suas tramas e entre elas e a pele, numa temperatura mais constante, evitando assim o fluxo de correntes de ar por convecção que acarretariam variações térmicas. Por isso, pôr roupas folgadas pode eventualmçnte entrar um "ventinho" frio, desencadeando, por contraste, um reflexo tátil-autônomo importante, com conseqüente "arrepio" e por que não SNIF?
Sobre isso acho importante observar o hábito antigo do uso de ceroulas e camisetas, que não facilitariam estas convecções de ar frio junto ao corpo, assim como o uso ao dormir de pijamas e meias ao invés de sensuais camisolas transparentes. Por falar em dormir, as pessoas com SNIFs têm a sensação muitas vezes de serem calorentas e à noite jogam as cobertas para os lados, dormem com os braços de fora, etc. Já observei, e com muita freqüência, que muitas pessoas "sensíveis" desencadeiam crises estemutat6rias quando partes de seus corpos são submetidas a pequenas variações térmicas em contraste com o resto do corpo aquecido. As partes mais comumente afetadas são a região lombar (pijama fora das calças), canela (pijama curto) e antebraços (pijamas largos).
E isso tudo por quê? Por uma disfunção do termostato hipotalâmico.
O hipotálamo e todo o sistema límbico controlam também as funções vegetativas do organismo e estão intimamente relacionados ao comportamento. É o entroncamento do sistema nervoso central, fazendo união para baixo com o tronco cerebral, para cima com o encéfalo e para o infundíbulo com a hipófise, desencadeando aí a liberação hormonal. É também o centro de impulsos que gera a atividade. As sensações agradáveis ou desagradáveis são recompensa, punição, satisfação ou aversão, sono e vigília, calma ou raiva, interesse ou desinteresse sexual, e vai por aí afora. Ou seja, a córtex com a memória e a "cultura" é a "juíza" do comportamento animal de nosso hipotálamo-sistema límbico. E, diga-se de passagem, não creio que se entendam muito bem, causando uma série de mal-entendidos e possíveis represálias hipotalâmicas, como somatização de doenças. E daí advêm as úlceras, asmas, enfartos, cólicas, zumbidos, tonturas, diarréias, urticárias e...SNIFs.
Muito do que acabo de dizer já foi demonstrado por vários autores. Dretner demonstra que o esfriamento de toda a pele ou parte de algumas regiões do corpo conduz a uma diminuição temporal da irrigação e temperatura da mucosa nasal. O mesmo foi observado por Frenton em 1941, que notou uma resposta paradóxica de vasodilatação nasal em pacientes emotivos (preocupação, "stress", tensão, etc.). A meu ver é ao contrário, ou seja, se esfriar o ambiente deveria haver uma vasoconstrição dos vasos da pele para não perder calor, e uma vasodificação na mucosa nasal para aquecer o ar que vai para os pulmões. Creio que a resposta normal é paradóxica.
Vários outros reflexos desses sistemas neurológicos são descritos. Vamos relembrar. Sensibilidade tátil vai pelo trigêmeo para o gânglio semilunar de Gasser, desce para o núcleo central do trigêmeo na fossa romboídea e através de uma cadeia de neurônios da substância reticular transmite estímulos para os núcleos parassimpático e simpático.
Vamos relatar agora alguns reflexos descritos e outros não descritos, que a meu ver existem.
Reflexo nasopulmonar. Trigêmeo e olfatório mandam impulsos para o centro respiratório do bulbo raquídeo e destes para os nervos intercostais, vago e frênico. Um estímulo da mucosa nasal em casos extremos pode ocasionar uma parada respiratória (Berendes). Já presenciei parada respiratória em destamponamentos bruscos do nariz e em esmagamento de adenóides em crianças pequenas.
Reflexo nasocardíaco. Pelo mesmo motivo observamse bradicardia intensa e aumento da pressão carotídea.
Reflexo nasocular. Através do trigêmeo retorna pelo sistema parassimpático ocorrendo lacrimejamento, hiperemia conjuntival, miose e blefarospasmo.
Há pacientes tão sensíveis que na simples aproximação de seu nariz começa a escorrer lágrimas. Aqui se observa não um reflexo, mas um simples flexo.
Um reflexo que não achei descrito em lugar nenhum é o reflexo óculo-nasal que acontece naquelas pessoas que ao olhar para o sol desencadeiam espirros em salva (?), ou ao simples fato de ver poeira numa cena de televisão, ou cinza de cigarro num cinzeiro. E já me foi relatado caso de espirros em mulheres ao arrancar sobrancelhas.
Reflexo esternutatório e tussígeno. Os esternutatórios partem mais do trigêmeo nasal e o tussígeno das fibras sensitivas do vago, mas estes também podem ocorrer a nível da mucosa nasal (Berendes). Seguem pelas vias eferentes através do facial, vago, trigêmeo, glossofaríngeo e acessório e nervos da musculatura respiratória. O espirro está muito relacionado com a emoção e personalidade do espirrante. Há quem espirra silenciosamente, bloqueadamente, vergonhosamente. Há quem o faça intempestivamente, incontroladamente, atabalhoadamente. Há quem chora quando espirra, há quem engasga. Personalidade, emoção, hipotálamo.
E por falar em coisas estranhas, que tal a presença de monstrada por estudos histoquímicos dos neuromediadores VIP (Vaso Intestinal Peptídeo), substância P (SP) (?) ou polipeptídeos pancreáticos (PP), etc., na região de inervação nasal (Hokfelt 1980). A substância P nos neurônios sensoriais, núcleo espiral do trigêmeo, gânglio esfenopalatino e em volta de vasos e epitélio nasal. O VIP nas fibras colinérgicas parassimpáticas pós-ganglionares que inervam glândulas e vasos e a PP em artérias da mucosa e células ganglionares noradrenérgicas do gânglio simpático superior. Kurian (1983) questiona a importância desses peptídeos nas patologias nasais. Eu particularmente me questiono o que eles estão fazendo por lá.
Outros estímulos influenciam o comportamento nasal, como os hormonais, psicológicos e sexuais.
Sabemos que a correlação entre o sistema vegetativo e a produção hormonal se faz a nível central na área hipófise diencefálica. A hipófise não deixa de ser uma usina ao inverso, ou seja, também produz hormônios através de impulsos elétricos da região hipotalâmica. Hormônios estes que atuam em várias glândulas endógenas espalhadas por nosso corpo, que por sua vez produzem hormônios que vão atuar em todo o organismo, inclusive a nível nasal. Os próprios hormônios hipofisários têm relação direta com o comportamento nasal, como o ACTH (hormônio adreno-corticotrófico) que causa uma tumefação reversível da mucosa e é produzido no 16bulo anterior, ou a vasopressina do lóbulo posterior da hipófise que causa vasoconstrição dos vasos da mucosa nasal. Produzida na córtex supra-renal a cortisona atua causando vasoconstrição a nível nasal, e a DOCA (desoxicorticosterona) aumenta a secreção glandular e causa edema. Na medula supra-renal é produzida a adrenalina, que vai atuar causando no nariz uma vasoconstrição, efeito bem conhecido por todos nós quando vamos fazer uma retração de cornetos ou diminuir sangramento numa cirurgia. A nível da tireóide, o aumento da tiroxina resseca a mucosa nasal e sua diminuição causa espessamento e aumento da secreção.
Hormónios sexuais também atuam a nível da mucosa nasal. Breger, Makenzie, Bilanconi, Mattoni, Pagano, Leicher, Mortiner, Rossati e Germani demonstraram modificações vasomotoras durante a menstruação e a gravidez. É comum observarmos SNIF durante a gestação que pode desaparecer completamente após o parto, ou perpetuar um desconforto, talvez por sensibilização da mucosa nasal. Até que ponto a pílula anticoncepcional não atua m nestas disfunções nasais?
Vimos até aqui as correlações entre sentidos, reflexos autônomos e hormônios, todos de certo modo comandaos pelo sistema nervoso central a nível mais primário . Mas não devemos esquecer a importância a nível psicológico, emocional e sexual de fatores que também atuam no comportamento nasal. Num livro de Giovanni Motta, publicado após o XVI Congresso Nacional de Otologia Italiano em 1963, intitulado "La Medicina Psicosomática em ORL", encontramos algumas citações interessantes e curiosas quanto ao fato psicogênico e sexual atuando a nível de desconfortos nasais. Eccles e Lee demonstraram que "stress" prolongado diminui o controle hipotalâmico sobre a enervação simpática e Holmes diz que a ansiedade causa hiperatividade simpática com vasoconstrição, assim como a frustração e a humilhação aumentam a atuação parassimpática provocando obstrução e rinorréia. Como exemplo cita o caso de um paciente de 25 anos, casado, cuja mulher apresentou um episódio de hemoptise. Muito preocupado pela suspeita de uma tuberculose, o paciente apresentou desconforto nasal, com secura da mucosa, ardor e diminuição de cornetos. Após ter sido descartada a possibilidade de uma tuberculose ou outra doença mais grave, o paciente normalizou a sua função nasal. O interessante é que sempre que o assunto era abordado, o paciente revivia o seu drama e seu nariz se manifestava como antigamente. Bisogna também observou que durante sentimentos de cólera, hostilidade, frustração e ressentimento os seus pacientes apresentavam congestão da mucosa, aumento da secreção e obstrução nasal e até cefaléia bem típica de sinusite aguda. Holmes fez uma experiência com um estudante, desencadeando nele uma reação emotiva de medo e nojo, ao lhe apresentar um rato morto, macerado e fedorento (a meu ver, uma experiência de muito mal-gosto). Este infeliz desencadeou uma vasoconstrição acentuada a nível da mucosa nasal (e muito provavelmente ânsia de vômito). Particularmente tenho observado em colegas cirurgiões que estão, por um quadro.alérgico ou viral, com rinorréia aquosa, a diminuição ou abolição do desconforto, durante um ato cirúrgico que lhes provoca tensão ou "stress".
Quanto à relação com a sexualidade, Eccles em 1982 já denominava de rinite da lua de mel a SNIF durante a excitação sexual, e Holmes declara que durante o ato sexual, quando o orgasmo não é satisfatório (?) há uma congestão nasal e presença de rinorréia. Outros autores demonstram exatamente o contrário, e creio que isto seja devido a posturas particulares e individuais que não vêm ao caso discutirmos aqui. Sefert, Mohum, Freud, Leicher e Heil também observaram uma série de fenômenos nasais durante relações sexuais e questionam a opinião leiga de que o nariz representa de alguma forma o genítal masculino. Não sei de onde nasceu esta idéia, talvez da presença de corpos cavernosos nasais semelhantes aos genitais, mas não compartilho desta opinião e não vejo nenhuma relação anatômica direta, mas apenas fisiológica.
Como exemplo desta relação funcional reflexógena e inadequada, Di Pace nos mostra um caso de uma paciente de 35 anos que tinha crises esternutatórias intensas e aumento da secreção nasal durante o ato sexual que só cessavam com o orgasmo. Se por algum motivo ela não o alcançasse, a crise persistia durante toda a excitação sexual. (Creio que nesse caso se processa um círculo vicioso, dada a dificuldade de uma satisfação plena do casal, bombardeado por espirros incontidos.) Holmes exemplifica com o caso de um paciente que tinha SNIF e cujos sintomas desapareciam durante o ato sexual com sua mulher. Após a ejaculação os sintomas voltavam num prazo médio de cinco minutos. Após sua mulher ter dado à luz, o paciente não suportando o jejum forçou uma relação que acabou não dando certo porque a SNIF não só não melhorou, como piorou muito, talvez por um complexo de culpa ou remorso, de. acordo com o autor.
Outro assunto importante e que daremos atenção é a chamada Hiperatividade ou Hipersensibilidade nasal. Creio mesmo que esta hipersensibilidade seja muitas vezes a causa principal da perpetuação da SNIF. Como vimos até aqui, uma série enorme de fatores atua a nível nasal, se mesclando, se somando, se reforçando. Alguns autores demonstram em seus estudos esta hiperatividade nasal frente a uma série de fatores anteriores ou concomitantes. Como Kajina em 1972 que a relata por estímulos não específicos de ar frio ou Connel em 68 frente à agressão anterior antigênica (antígenos reais protéicos, ácaros, pólen, fungos, pêlos de animais, etc. e não "cheiros") ou Emprey, em 76, por causa viral, ou mesmo "stress", irritação mecânica, térmica ou traumática, como cita Clement em 1985.
Em minha opinião a causa mais comum de SNIF é a própria SNIF, ou seja, um nariz inadequado frente, a qualquer tipo de agressão se torna cada vez mais inadequado, criando um círculo vicioso difícil de controlar. Não será com uma idéia restrita, com a conduta simplista no tratamento da "rinite alérgica" que conseguiremos resultados. A SNIF tem de ser abordada integralmente, com um tratamento variado e, principalmente, orientação dos pacientes que têm de se conscientizar que querem realmente se curar e devem cooperar, não se entregando histericamente às caixinhas de lenços de papel. Sei que é muito difícil, pois importa em mudanças de hábitos, comportamentais e até psicológicos. Deveria haver um hospital especializado, com a presença de otorrinos, neurologistas, psicólogos, alergistas, psiquiátras e sexólogos, onde o paciente seria internado e só sairia com seu nariz em ordem, domado e submisso, mas isso é impossível. Não temos tempo hábil nos consultórios para uma abordagem geral de nossos pacientes, mas devemos ter em conta que não devemos jogar toda a culpa nos ácaros da vida.
Como disse no início, este não é um trabalho científico, é uma crónica, mas entre algumas brincadeiras, muita verdade foi dita.