Versão Inglês

Ano:  1990  Vol. 56   Ed. 4  - Outubro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 145 a 150

 

Profilaxia das otites médias de repetição: um perfil brasileiro

Prophylaxis of recurrent otitis media: a brasilian profile

Autor(es): Tânia, Sih*
Rejane Moura**
Sílvio Caldas***

Palavras-chave:

Keywords: otitis média

Resumo:
Os autores estudaram 60 crianças portadoras de otite média aguda de repetição tratadas profilaticamente por meios clínicos. As crianças foram dividdas em três grupos de 20, sendo que o primeiro grupo recebeu sulfametaxazol + trimetoprim, o segundo, amoxacilina e o terceiro, placebo. A profilaxia foi mantida por 90 dias, sendo os pacientes reavaliados ao final do primeiro, segundo e terceiro meses de tratamento. Da análise final dos dados obtidos, observou-se diferença significativa entre os resultados alcançados com os antimicrobianos e aqueles do grupo tratado com placebo. Entretanto, os dois antimicrobianos usados demonstraram eficácia semelhante.

Introdução

Otite média aguda (OMA) é uma das patologias mais comuns na infância. Estima-se que 75% das crianças na idade pré-escolar tenham tido pelo menos um atendimento médico por este motivo(1).

O critério utilizado para definir OMA como recorrente é que a criança tenha apresentado no mínimo três episódios de OMA nos últimos 12 meses(2,3).

Foram amplamente estudados diversos tipos de profilaxia para OMA de repetição, tais como: antimicrobianos - amoxacilina(4.5,10)- sulfonamidas, sulfoxazole(6.7,8,9,10,11,12,13) sulfametoxazol (14,15,16,17), eritromicina(4,19), ampicilina(20,21) - esteróides, vacinas pneumocócicas(22.23), aleitamento materno(24.25). Cirurgias, como colocação de tubos de ventilação e
adenoidectomia(26,21,28,29,30.31), também são uma possibilidade para o tratamento das recorrências.
No Brasil, no entanto, não há referência ao uso de profilaxia com o emprego de antimicrobianos para o tratamento da recorrência das OMA. Lopes Filho e cole 04) estudaram a etiologia das OMA em crianças brasileiras e demonstraram ser o cefaclor a droga mais eficaz no seu tratamento.

Este estudo compara a eficácia da profilaxia das OMA de repetição, utilizando-se a amoxacilina (AMX), trimetoprin sulfametoxazol (TMPSMZ) e placebo.

Material e Métodos

Estudo realizado na cidade de São Paulo, SP, Brasil, com crianças de 9 a 108 meses (idade média de 34 meses), em clínica privada e hospital público (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), no período de março de 1989 a março de 1990.

As crianças incluídas estavam na vigência de um quadro de OMA e apresentavam história de 3 ou mais episódios de OMA nos 12 meses precedentes(2) (foram referidos de 3 a 10 episódios de otites com a média de 5,95 recidivas em 1 ano).

As crianças foram inicialmente tratadas com amoxacilina (50mg/Kg/dia) por dez dias para a crise aguda, após o que foram reavaliadas pelos autores (otorrinolaringologistas) pela otoscopia comum e divididas em três grupos. No primeiro grupo - GRUPO 1 - vinte crianças receberam TPM-SMZ. No segundo grupo - GRUPO 2 - vinte crianças receberam AMX e, no terceiro grupo - GRUPO 3 - vinte crianças receberam placebo. A dose profilática utilizada foi de 20mg/kgldia para a AMX e 12 mg/kgldia para o TMP-SMZ administrados em dose única noturna ao deitar. Todos os pacientes foram tratados por três meses consecutivos e reavaliados a cada 30 dias (retornos trinta, sessenta e noventa dias após introduzida a profilaxia).

As crianças que apresentaram recorrência da OMA durante a profilaxia nem sempre foram por nós vistas e/ou tratadas, porém, sob nossa orientação, nas ocasiões das recidivas sempre receberam cefaclor, 50mg/kg/dia em três doses por dez dias, depois dos quais retomavam a profilaxia.

Algumas crianças que abandonado estudo foram excluídas. Os 60 casos aqui apresentados acompanham estudo até o final.

Os dados obtidos foram analisados pelos testes estatísticos, onde as proporções foram comparadas utilizando o teste x2 com a correção de ates e, quando necessário, foi utilizado o teste de Fisher.

Resultados











Não encontramos preponderância m relação ao sexo. A distribuição racial foi de 86,67% brancos, 5% m. relação e 8,3% de pretos.

As crianças apresentavam história atopia em 28,3% dos casos, referida como sintomas e/ou sinais de asma, bronquite, rinite alérgica e eczema.

98,3% das recidivas foram acompanhadas de infecções de vias aéreas superiores (IVAS), segundo os pais.

No GRUPO 1 (TMP-SMZ) encontrou-se 20% de recidiva durante todo o estudo (quatro crianças, sendo que uma delas apresentou dois episódios de recidiva).

No GRUPO 2 (AMX-) encontrouse 15% de recidivas (três crianças). No GRUPO 3 (Placebo) verificou- se 50% de recidivas das otites (dez crianças).

Ao analisarmos as crianças sob o ponto de vista das que receberam o antimicrobiano (A) e as que receberam Placebo (B), encontramos diferença estatisticamente significativa quanto ao número de recidivas das otites (p > 0,1) (Tabela 1).

Se, por outro lado, analisarmos as recidivas quanto ao mês da profilaxia em que ocorreram, encontramos os seguintes resultados (Tabela 2):

É interessante notar que as crianças tratadas com drogas antimicrobianas não apresentaram nenhuma recorrência no primeiro mês, ao passo que as crianças que receberam placebo apresentaram recorrência precocemente e, ao longo dos outros meses, mantiveram o mesmo comportamento.

Finalmente, comparando-se a eficácia das duas drogas antimicrobianas utilizadas (TMP-SMZ e AMX), não se observou diferença estatística significativa (Tabela 3).

Não se observou qualquer defeito colateral com o uso de antimicrobianos.

Conforme literatura(32) observamos também que as crianças que mais apresentam recidivas têm em média de 1 ano e 6 meses a 2 anos e 6 meses e, no nosso estudo, a média da idade em que as crianças apresentaram maior número de recidivas foi de 2 anos e 6 meses.

Discussão

Muito tem sido sugerido no sentido de evitar-se a recorrência das OMA.

Apesar de existirem recursos cirúrgicos de inquestionável valia como colocação de tubos de ventilação com ou sem adenoidectomia, achamos extremamente importante esgotarmos todas as tentativas clínicas antes de optar-se por um procedimento cirúrgico. Num país em desenvolvimento como o Brasil, afora os riscos que todas as cirurgias implicam há que se pensar nos custos do procedimento.

Este estudo demonstrou que o uso do placebo não diminui a recorrência das OMA.
Demonstrou-se também que a eficácia da profilaxia com TMP-SMZ é semelhante à AMX, o que concorda com os dados encontrados por Principio et al(a).

Num país em desenvolvimento, como o Brasil, muitas vezes, o fator econômico pesa muito na escolha de um tratamento. Nesta caso, o TMP-SMZ seria favorável, apesar dos efeitos adversos descritos na literatura ( 19.33).

Com relação às recorrências terem acontecido mais precocemente nas crinças que receberam placebo (Tabela 2), fica difícil responder o porque, uma vez que não há qualquer relação com as estações do ano, por exemplo. As crianças foram incluídas no estudo no decorrer do outono, inverno e primavera. Numa cidade como São Paulo, soma-se ainda o fato de que as estações do ano não são tão bem definidas.

Não temos qualquer informação com relação à bacteriologia das OMA nos casos por nós estudados. Reconhecemos que seria de grande valia a colheita do material para cultura e identificação do agente etiológico.

O tempo de administração da profilaxia também é discutível. Alguns autores preconizam profilaxia por até doze meses, outros durante os meses de inverno(14), outros acreditam que a profilaxia deva ser de no mínimo seis meses (11) independente da estação do ano 5).

Não temos informações sobre o comportamento das otites das crianças por nós estudadas após o término da profilaxia. A profilaxia com antimicrobiano para otite de repetição é hoje aceita por todos. No Brasil, existe um preconceito muito grande contra o uso de antibióticos, principalmente por tempo prolongado. Cabe a nós, médicos, orientarmos os pais neste sentido.

Abstract

The authors have studied 60 children with recurrent acute otitis ntedia who have received chemoprophylaxis. The children was divised into 3 groups of 20, the first group receiving sulfanyethoxazoleltrimethoprim, the second, amoxacilin, and the tird, placebo. The prophylaxis w as continued for 90 days, being the patients reviewed at the end of the first, second, and tird months of treatment.

The final analysis of the data showed significant difference between the results achieved with the antimicrobial agents and the groupe treated with placebo. There was no diference between the two drugs used.

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Trabalho realizado na Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
* Professora Doutora da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP
** Médica Estagiária da Clinica de ORL da Universidade de Pittsburg
*** Médico Residente da Clinica de ORL do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Endereço para correspondência: Tânia Sih -R. Itapeva, 366, Conj. 102 - 01332 -São Paulo-SP

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