Versão Inglês

Ano:  1990  Vol. 56   Ed. 3  - Julho - Setembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 124 a 128

 

SURDEZ SÚBITA. ANÁLISE DE 30 CASOS

Autor(es): Dr. Roberto Alcântara Maia (1)
Dra. Patricia Cristina, Berenhi (2)
Dr. José Speck Filho (3)

Resumo:
Entre as diversas etiologias supostas para a surdez súbita, a mais aceita é a vascular com a conseqüente isquemia do ouvido interno; a etiologia viral é também considerada como altamente provável em diversos casos. Baseando-se nestes critérios, analisamos 30 pacientes com diagnóstico de surdez súbita que foram submetidos a terapêutica com: expansores plasmáticos (Dextran), vasodilatadores cerebrais e corticóides por um período médio de 7 dias. A avaliação quanto à resposta ao tratamento foi feita por audiometrias seriadas diárias. Aspectos relacionados à incidência e prognóstico são analisados. O tempo do início do tratamento mostrou-se importante fator prognóstico; o tratamento precocemente instituído leva a melhores resultados. A severidade da surdez inicial é fator limitante ao tratamento, pacientes com perdas profundas apresentam em geral mau resultado. Não foram observadas reações adversas à terapêutica instituída e os resultados foram considerados satisfatórios na maioria dos pacientes.

Introdução

Surdez súbita é a perda brusca da audição é considerada urgência médica. A incidência é baixa, Byl(1) relata incidência de 10,7 em 100.000 na população.

Em 1894, Politzer, em seus textos sobre otologia, não descreve a surdez súbita especificamente, porém já descreve a hipoacusia sem causa conhecida, referindo ainda sobre possíveis fatores externos interferindo no processo descrito (frio, trauma local, barotrauma). Everberg reportou o primeiro caso de surdez súbita secundária a caxumba em 1860. Em 1861, Prosper Ménière descreve claramente um caso de surdez súbita bilateral. Ring, em 1904, relata um caso de surdez súbita associada a um quadro vertiginoso. Com o emprego da audiometria, em 1944, De Kleyn relata o primeiro grupo de pacientes com diagnóstico de surdez súbita.

A fisiopatologia precisa deste processo é desconhecida, a etiologia mais aceita é a vascular levando a isquemia do ouvido interno. Hildsheiner et al provocaram quadros de surdez súbita em cobaias com a diminuição do aporte sanguíneo da cóclea. A irrigação coclear é do tipo terminal. Este órgão é um grande consumidor de oxigênio e muito sensível à anóxia.

Kubo(8) e Byl(1) consideram que a etiologia viral seja outra causa importante desta patologia e o distúrbio circulatório do ouvido interno se deva ao processo inflamatório.

Simmons(12) propôs a fístula perilinfática como outra etiologia de surdez súbita. Goodhill(7) et al apresentaram evidências clínicas de rutura da janela oval, redonda ou ambos em casos de surdez súbita e propuseram que o fato se deva à pressão perilinfática anormal.

Consideramos, para diagnóstico de surdez súbita, os parâmetros definidos em 1973 pela Ad Hoc Comittee of the Japanese Ministry of Health and Welfare(8). O diagnóstico inclui critérios maiores e menores.

Os critérios maiores são:

- perda abrupta da audição;
- causa direta da surdez incerta;
- perda auditiva usualmente severa, não flutuante e unilateral na maioria das vezes.

Os menores são:

- zumbido, que pode estar ausente;
- tontura, que também pode faltar;
- ausência de sinais neurológicos a não ser o envolvimento do VIII par.

Vários tratamentos propostos visam o restabelecimento da oxigenação do órgão de Corti(1, 2, 11). O aumento da oxigenação pode ser obtido: através do débito sanguíneo do ouvido interno (hemodiluição normovolêmica(2); por drogas vasodilatadoras cerebrais(3, 4) ou pela inalação com carbogênio(6); através da desfibrinogenação(8) ou pelo aumento da concentração de oxigênio do sangue (câmara hiperbárica(4)).

Em nosso estudo, analisamos 30 pacientes com diagnóstico clínico e audiológico de surdez súbita, que foram tratados com expansor plasmático, corticóide e vasodilatador cerebral quando não havia contra-indicações clínicas a esta terapêutica. O objetivo do trabalho é avaliar alguns fatores, considerados de valor prognóstico, correlacionando-os com a recuperação auditiva e avaliar também a resposta clínica frente a terapêutica instituída.

Material e Métodos

Foram estudados 30 pacientes com diagnóstico de surdez súbita. Todos os pacientes satisfaziam os critérios maiores e menores de diagnóstico.

Os pacientes foram internados e tratados com expansor plasmático (Dextran em soro glicosado ou fisiológico) na dose de 500 ml endovenoso de 12 em 12 horas, pelo período 4 a 10 dias; vasodilatadores cerebrais (derivados de ergot - HidergineR) inicialmente endovenoso, e a seguir por via oral pelo período de 30 dias em média. Utilizou-se corticóide nos casos sem contra-indicação clínica: dexametasona na dose de 8 a 12 mg por dia. A corticoterapia também foi endovenosa inicialmente, sendo substituída pela via oral em doses decrescentes até completar 15 dias de tratamento.

Inalações com carbogênio (95% oxigênio e 5% dióxido de carbono) foram aplicadas em 3 pacientes que não responderam ao tratamento inicial A audiometria tonal seriada foi o parâmetro utilizado para avaliação da resposta à terapêutica instituída. A média dos limiares da via aérea nas freqüências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hertz corresponde ao limiar médio que foi calculado no início e no final do tratamento. Definimos dois parâmetros para avaliação da recuperação auditiva: o ganho médio em dB e o ganho médio porcentual, assim representados

- GM (dB) = limiar médio inicial - limiar médio final

- GM (%) = GM (dB) % / limiar médio inicial

A recuperação foi considerada nula quando o ganho médio estava igual ou inferior a 10dB.

Resultados

Os 30 pacientes com diagnóstico de surdez súbita, o tratamento instituído e os resultados obtidos estão apresentados no Painel I

A idade variou entre 18 e 64 anos, com média de 41 anos, sendo que 60% dos casos estavam entre 31 e 60 anos. Observamos discreta preponderância do sexo masculino (54% - 16 pacientes) em relação ao sexo feminino (46% - 14 pacientes).

Houve predominância da patologia no ouvido esquerdo (70%) contra 20% à direita e apenas 10% de surdez súbita bilateral. Os sintomas acompanhantes mais freqüentes foram: zumbido, presente em 90% dos pacientes e tontura em 30% (Tabela I).

O intervalo de tempo entre o aparecimento da surdez e o início do tratamento foi correlacionado com o ganho médio percentual GM% na tabela II. Observamos que pacientes com intervalo inferior a 3 dias (em 46% dos casos) apresentaram GM% de 32,7%; pacientes com 4 a 7 dias (36,6% dos casos) apresentaram GM% de 34% e pacientes com mais dias (16,6% dos casos) apresentaram GM% de 7,3%.











Avaliamos a resposta terapêutica em relação à idade dos pacientes acometidos de surdez súbita (Tabela III). Pacientes com idade de 18 a 30 anos (23% dos casos) tiveram ganho médio porcentual de 19,4%; 31 a 45 anos (20% dos casos) com 31,5% de ganho médio porcentual; 45 a 60 anos (40% dos casos) com 45,1 % de ganho médio porcentual e pacientes acima de 60 anos (16,6% dos casos) com 10,4% de ganho médio porcentual.

A perda auditiva inicial, avaliada em 33 ouvidos de 30 pacientes, observada na audiometria inicial foi comparada ao ganho médio porcentual (Tabela IV). Surdez súbita onde a perda inicial foi maior ou igual a 100dB (21,2% dos ouvidos tratados) tiveram GM% de 11,3%; de 95 a 70dB (51,5% dos ouvidos) com 33,8% de GM%; 65 a 40dB (15,1% dos ouvidos) com 36,4% de GM% e casos com perda inicial inferior ou igual a 35dB (12,1%) com GM% de 39,1%.











Dos 30 pacientes avaliados, 17 pacientes foram submetidos a exame otoneurológico com provas calóricas. Na Tabela V correlacionamos os resultados da prova calórica com GM%. Observamos que 5,8% dos pacientes apresentaram hiperreflexia, sendo que o GM% foi de 36%; 52,9% dos pacientes apresentaram hiporreflexia com GM% de 22,2% e em 41,2% dos pacientes com normorreflexia apresentaram 45% de GM%.

Discussão

Jaffe et al apresentou cem possíveis etiologias para surdez súbita citadas na literatura. Devido a este fato, o tratamento é puramente empírico.

A presunção da etiologia vascular, que é a mais aceita, leva a instituição de tratamentos que melhorem a circulação labiríntica e o aporte de oxigênio a nível da cóclea(4). Vários tratamentos já foram propostos: histamina, procaína, derivados de ácido nicotínico e da Papaverina, infiltração de gânglio estrelado, inalação de dióxido de carbono, Hypaque e outros(1, 3, 5, e 6).

Há a possibilidade de regressão espontânea do processo. Moskowitz(11) apresentou 50 a 70% de remissão espontânea; Mattox e Simmons(9) 65%; Paparella em 66% dos casos(11).

Em nosso trabalho avaliamos a resposta a terapêutica instituída (vasodilatador cerebral, expansor piasmático e corticóide) e as variações que afetam estes resultados.

A incidência em relação ao sexo foi de 54% no sexo masculino e 46% no feminino, não havendo, portanto, diferença significativa entre os sexos. Shaia e Shechy revendo 1200 casos observaram distribuição igual entre sexos. Byl(1), Mattox e Simmons(9) encontraram, num total de 391 pacientes, 191 do sexo feminino e 200 do sexo masculino.

O lado mais afetado foi o esquerdo em 70% dos casos, direito em 20% e bilateral em 10%. Não há qualquer fator que justifique esta prevalência. Halberg observou que não há predominância entre ouvidos direito e esquerdo. Mattox e Simmons reportaram 40 casos à direita e 49 casos à esquerda. Goodhill(7) reportou duas vezes mais freqüentes à esquerda. O envolvimento bilateral varia de 1 a 80% na literatura. Aldous, revendo 572 casos, observou 10% de casos com envolvimento bilateral, que coincide com nossos achados.

Zumbido está usualmente presente nos casos de surdez súbita. Em nosso estudo esteve presente em 70% dos casos e se iniciou concomitantemente ao quadro de surdez súbita. Vertigem, quando severa associada a mau prognóstico. O quadro vertiginoso foi observado em 30% dos casos e não correlacionamos com a recuperação auditiva.

Os melhores resultados foram obtidos no grupo de pacientes com idade entre 45 a 60 anos; neste grupo o GM% foi de 45,1%. Os pacientes com idade entre 18 e 30 anos apresentaram apenas 19,4% de GM%. O resultado do tratamento, neste grupo, pode ser considerado pouco eficiente. Este fato provavelmente se deve a maior probabilidade da sudez ser de etiologia viral, nesta faixa etária, em detrimento da etiologia vascular, principal objetivo da terapêutica proposta. Os pacientes com idade superior a 60 anos apresentaram resposta pouco satisfatória à terapêutica. Estes resultados podem ser associados às lesões vasculares mais severas que provavelmente ocorrem nesta faixa etária. Mattox(9) não considera a idade como fator relevante da surdez súbita, o que difere de nossos achados e da literatura em geral.

Houve correlação entre a perda inicial e o ganho auditivo. Os pacientes cofóticos não recuperaram a audição, podemos presumir que nestes casos a insuficiência de oxigenação da cóclea foi intensa(2, 3, 4) o que levou a lesões irreversíveis no órgão de Corti. Nos pacientes, com perdas iniciais inferiores a 35dB, a recuperação, quase sempre, total. Nossos achados confirmam a observação de que perdas profundas são indicadoras de mau prognóstico.

O tratamento precoce traz melhores resultados pois evita a progressão da anóxia do ouvido interno. Pacientes com tratamentos iniciados até o sétimo dia de evolução do processo apresentaram 33% de GM%.

Paparella observou, em 50% de seus casos de surdez súbita, hiporreflexia ou arreflexia vestibular nas provas ca16ricas. Observamos, nos nossos pacientes, 52,9% de hiporreflexia. Os pacientes com normorreflexia vestibular (21% dos casos) apresentaram melhores respostas à terapêutica (45% de GM%). Não encontramos na literatura tal correlação.

Morgan(10) considera como havendo recuperação auditiva os pacientes onde ocorra ganho de mais de 10dB na média das freqüências audiométricas consideradas. Este autor relata 78% de recuperação em casos tratados com drogas vasodilatadoras cerebrais, agonistas dopaminérgicos e antagonistas adrenérgicos. Seguindo este critério de mais de 10dB de ganho como significativo de recuperação auditiva, obtivemos, em nossos pacientes, 66% de casos parciais ou totalmente recuperados.

Conclusão

1) Os sintomas acompanhantes mais freqüentes são: tonturas (30%) e zumbidos (90%).

2) O início do tratamento é fator prognóstico da resposta à terapêutica. Indivíduos tratados precocemente (antes do 7° dia) apresentam melhores resultados em relação a pacientes tratados após este período.

3) Pacientes entre 31 e 60 anos têm melhor resposta do que pacientes mais jovens ou mais idosos.

4) A perda auditiva inicial é fator prognóstico, pacientes com perdas severas ou cofóticos não apresentam resposta favorável à terapêutica.

5) A normorreflexia labiríatica evidenciada pelas provas calóricas no exame vestibular é fator de bom prognóstico.

6) O tratamento instituído não apresentou qualquer efeito colateral, ou reações adversas, sendo que os resultados obtidos podem ser considerados satisfatórios, quando se avalia a gravidade da doença em questão. Estes aspectos justificam a sua indicação.

Abstract

The etiologies implicated in the Sudden deafness are many. The more accepted is the isquemic one caused by vascular troubles of the intern ear. The viral etiology is also considered as highly probable.

Based on these facts, we analised 30 patients with the diagnostic of sudden deafness treated with: plasmatic expanders (Dextran), brain vasodilators and corticoids for one week. The avaliation of the treatment was done by daily audiometries, the aspects related to incidence and prognostic are analised.

The gap between the begining of the sintoms and the institution of the treatment was considered a very important progrostic factor; the results with precoce treatment were better. The severity of deafness is a limitant factor to the treatment, patients with profound deafness showed, in general, bad results.
There weren't any adverse reactions to the treatment, the results were considered satisfactories in most cases.

Resume

Plusieurs étiologies différentes sont rapportées comine responsables pour l'apparition de la surdité brusque. L'étiologie vasculaire et l'étiologie viral sons considerées les plus probables dans plusieurs cas. Au vu des ces critères diagnostiques nous proposons le protocole thérapeutique suivant pour le traitement des surdités brusques: solutions de remplissage (DEXTRAN); vasodilateur cerebral et corticoides pour une période moyene de 7 jours. Trente malades ont suivi ce traitement.

Nous analisons différents situations dons ces 30 malades. Le délais de traitement, c'est à dire, entre l'apparition de la surdité et le début de la thérapeutique est un facteur prognostique três important. Le plus tót le traitement, le raeilleur les résultats. La severité de la surdité limite les traitements. Les malades avec surdités profondes sont difciles à recuperér.

Il n'a été noté aucun accident avec la thérapeutique proposée, les résultats sont considerés satisfaisants dans la plupart des malades.

Referências Bibliográficas

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Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, Diretor do Serviço Prof. Dr. Moysés Cutin

(1) Médico Encarregado do Setor de Otoneurologia do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo
(2) Médica Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo
(3) Médico Titular do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo

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