Versão Inglês

Ano:  1990  Vol. 56   Ed. 2  - Abril - Junho - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 83 a 86

 

Glomus timpânico: relato de um caso

Glomus tympanic: report of a case

Autor(es): Shiro Tomita**
Arthur Otavio Kos*
Jorge Henrique Arraes Alencar Pierre***
Noisio Guilherme Moraes Ferreira***

Palavras-chave: glomus timpânico, tumores glômicos

Keywords: glomus tympanic, glomic tumors

Resumo:
Os tumores glômicos são abordados em seus aspectos histológico e clínico, de exames complementares ao diagnóstico e quanto ao tratamento. A seguir os autores ilustram estes comentários com um caso de glomus timpânico operado no serviço de otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Introdução

Tumores do Glomus Jugular são o exemplo mais comum de um raro grupo de tumores (paragangliomas) que surgem a partir de áreas quimioreceptoras do corpo carotídeo, bulbo jugular e promontório do ouvido médio(1).

Após a descrição do glomus jugular feita por Stancey Guild em 1941, Rosenwaser e Sadao Otani (1945) foram capazes de fazer uma correta classificação destes tumores no ouvido médio(2,3,4,5).

O quadro histológico do tecido obtido do ouvido médio e cavidade mastóide do caso original de Rosenwaser foi semelhante a de um tumor de corpo carotídeo extraído do seu sítio típico no pescoço e consiste de grupos de células tumorais com citoplasma eosinófilo finamente granulado e pequenos núcleos ovais separados por septos de tecido fibroso que contém veias dilatadas. Raramente ocorre transformação maligna com figuras de mitose(3,5,6)

O glomus jugular, também conhecido como quemodectoma, paraganglioma não cromafin ou simplesmente paraganglioma é o tumor benigno mais comum do ouvido(6). Origina-se do ramo timpânico do nervo glossofaríngeo (nervo de Jacobson), da cúpula do bulbo jugular, tendo sido também encontrado no ramo auricular do nervo vago, (nervo de Arnold)(3.6). Quando confinados ao ouvido médio recebem o nome de glomus timpânico. Pulsakar e Steinbach (1985) relataram um caso de paraganglioma que localizava-se inteiramente na membrana timpânica, sem envolver qualquer outra estrutura do ouvido médio(4). Pode-se encontrar este tipo de tumores no encéfalo, dura máter, quiasma óptico, laringe, cornetos inferiores e traquéia.

A idade média dos pacientes acometidos é de 45-50 anos, sendo mais comum no sexo feminino (70% dos casos)(7).

Manifestação otorrinolaringológica

O quadro clínico do tumor glômico está relacionado com sua propensão a erosar os elementos circundantes e com sua intensa vascularização(3).

Os mais comuns sintomas de apresentação são a perda auditiva e o tinnitus pulsátil que raramente remite(6). Com o crescimento do tumor para o ouvido médio poderá haver destruição da cadeia ossicular com conseqüente hipoacusia condutiva, envolvimento do nervo facial ou protusão para o conduto auditivo externo, assemelhando-se a um pólipo vascularizado(3). O envolvimento do labirinto por erosão óssea causará surdez neurossensorial e vertigens. Paralisias dos nervos cranianos IX, X, XI, XII ocorrerão se houver compromisso da base do crânio na área do forame jugular ou buraco rasgado posterior (3, 5).

A característica do tumor à otoscopia é a presença de uma massa vermelho-púrpura no ouvido médio vista por trás da membrana timpânica intacta ou, se houver contato do tumor com o tímpano, uma interface curvilínea ar-tumor. Nas lesões maiores poderá surgir como pólipo no conduto auditivo externo que sangra profusamente à manipulação. Poderá haver confusão com um bulbo jugular anormalmente alto, artéria carótida interna ectópica ou granuloma de colesterol(5.s.e). Com o espéculo pneumático de Brunings-Siegel adaptado firmemente ao conduto auditivo externo, ao aumentar lentamente a pressão observaremos um incremento na pulsação do tumor até que finalmente o tumor fica branco e a pulsação cessa. Então, se a pressão é lentamente relaxada, a pulsação volta a ocorrer atingindo um máximo e diminuindo novamente até a pressão normal ser atingida(5).

A audiometria poderá mostrar uma hipoacusia condutiva nas fases iniciais ou neurossensorial quando houver comprometimento coclear. A impedanciometria pode ajudar no diagnóstico pois durante a timpanometria a pulsação do tumor causará deslocamento da agulha do balanciômetro sincronicamente com o pulso do paciente, o que pode ser registrado com facilidade(9). O exame otoneurológico poderá indicar a propagação do tumor ao labirinto, comprometimento do nervo facial, compressão de elementos dentro do buraco rasgado posterior ou disseminação intracraniana.

Várias técnicas radiológicas poderão ser usadas para estudo do tumor glômico. A radiografia convencional só é utilizada em tumores que tenham causado vasta erosão óssea próximo à fossa jugular, podendo ser diagnosticada nas incidências de Towne, Stenvers e Chausse II(8,10). A tomografia é o método de escolha para estudo dos tumores do glomus jugular pois esta técnica demonstra lesões em tecidos moles do ouvido médio bem como erosões ósseas. Cortes coronais, sagitais e semiaxiais do ouvido médio e pirâmide petrosa são indicados(8). A jugulografia retrógrada é o melhor exame radiológico para mostrar a extensão do glomus no pescoço, ao longo da parede da veia jugular, sendo essencial na diferenciação entre o glomus jugular e um bulbo da jugular anormalmente elevado(e). A angiografia expõe a nutrição arterial do tumor e sua origem. Esta informação permite ao cirurgião ligar vasos precisos durante a cirurgia. Se a embolização é usada, a arterigrafia indica que vasos devem ser seletivamente cateterizados (8,11). A tomografia computadorizada é particularmente valiosa no estudo das grandes lesões que se estendem intracranialmente ou para o pescoço( 11).



Fig. 1 - Exame audiológico.



Tratamento

O tratamento destes tumores depende da idade, do estado geral d paciente e da extensão da lesão suas ramificações, que podem se avaliadas através de estudos radiológicos (3,6,12).

Podemos dividir os pacientes co tumor glômico em três grupos distintos, cada grupo com um trata mento cirúrgico específico.

Nos pacientes do grupo 1 (glomus timpanicus), cujo tumor está confirmado ao ouvido médio, a melhor forma de tratamento cirúrgico é abordagem ao ouvido médio pelo acesso endoauricular ou em caso do conduto auditivo externo muito estreito ou sinuoso, pelo acesso retroauricular (5, 21).

No grupo II, pacientes nos quais tumor origina-se do bulbo jugular estende-se para o ouvido médio mastóide podendo associar-se à síndrome do forame jugular, o melhor tratamento é a radioterapia seguido de cirurgia, a qual consiste em mastoidectomia associada ou não à dissecção do pescoço junto com eliminação do bulbo jugular e ligadura d carótida interna assim como exanteração do processo mastóide e ouvido médio, na dependência da extensão do tumor(3,6,12).

O grupo III refere-se àqueles casos com extensão intracraniana. Nestes faz-se uma abordagem subocipital combinada à transtemporal descrita por Hilding e Greenberg em 1971. O sétimo nervo é recanalisado e o tumor removido em pedaços. É necessário ligar o seio sigmóide para controle do sangramento(6).



Fig. 2 - Detalhe de TC. O glomus timpânico é visto como uma hipotransparência sobre o promontório.



Fig. 3 - Tomografia computadorizada mostrando glomus jugular sobre o promontório.



Fig. 4 - Jugulografia retrógrada normal.



Fig. 5 - Outra fase da jugulografia retrógrada normal.



Apresentação do caso

O paciente J.A.D.V., 37 anos, branco, sexo masculino, solteiro, Eng°- Civil, em bom estado geral e nutritivo, apresentando boas condições psíquicas, procurou o nosso serviço em julho de 1989, com queixa, nos últimos quatro anos, de pulsação dentro do ouvido direito, sincrônico com os batimentos cardíacos. Não havia queixa de hipoacusia, plenitude auricular ou vertigem. O exame ORL foi normal com excessão do ouvido direito que apresentava à otoscopia, uma área vermelha congesta, arredondada, vista por transparência através da membrana timpânica, na região do hipotímpano. Na ocasião foi levantada a suspeita diagnóstica de glomus timpânico, tendo sido solicitados, além dos exames pré-operatórios de rotina (Hemograma, coagulograma, Rx de tórax, Ecg, glicemia de jejum, uréia e creatinina), audiometria e impedanciometria. Tomografia computadorizada e jugulografia retrógrada. Tais exames corrobararam a hipótese diagnóstica de formação tumoral confinada ao ouvido médio.

Diante destes dados o paciente foi submetido à cirurgia em 20/07/89, que consistiu da retirada do tumor por via transcanal. Foi feito levantamento do retalho timpanomeatal em 6 e 12 horas e curetagem da parede inferior do conduto auditivo externo até completa visualização do tumor, que foi retirado com espátula. A hemostasia foi realizada com bisturi bipolar.

O laudo do exame histopatológico confirmou o diagnóstico:

Macroscopia - Fragmento irregular vinhoso, friável, medindo 0,5 x 0,3 x 0,3 cm.

Microscopia - Cortes histológicos exibindo neoplasia constituída por proliferação de vasos ectasiados e congestos entrecortados por esparsas trabéculas fibrosas hialinizados, tendo de permeio células redondas pequenas.

Diagnóstico - TUMOR GLÔMICO (Quimiodectomia)

O paciente evoluiu bem no pós-operatório, com desaparecimento completo de sintomatologia. Audiometria e impedanciometria pós-operatórias mostraram-se normais.



Fig. 6 - Exame otoneurológico.



Summary

The glomics tumors were analysed in their histologic and clinic aspects, from complementary exaras to diagnosis and surgical treatment. The authors also present a case of glomus tympanic treated surgically in the ORL service of the "Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Bibliografia

1. Basma, N.J.; Robin, D.E. - Glomus Jugular tumour masquerading as "idiopathie facial nerve pasty. The joumal of Laringology and Otology, 101: p . 605. June 1987.
2. Rosenwasser, - Carotid body tumour of Middle ear. Arquives of Otolaryngology 32: 36 (1945).
3. Rosenwasser, H.; Parisier, S.C. - Tumores del Oido Medio y Mastoides - In Paralela Shumrick: Otorrinolaringologia - 28 edição Ed. Panamericana.
4. Pulsakar, A.; Steinbach, E. - Paraganglioma of Tympanic Membrana. The Journal of Laringology and Otology. May 1985 vol. 99 pp.481-483.
5. Shambaugh Jr., G.E. - Surgery of Tumors of the Ear in Surgery of the Ear, 25 Edition WB SAUNDERS 1976.
6. Lewis, S.J. - Tumors of Midlle - Ear cleft and Temporal Bone. In Scott - Brown's Diseases of Ear, Nose and Throat, 42 edition
1979. Ed. Buttemorths e Co.
7. Synder, G.G.; Manr, B. - Paraganglioma o middle ear ans mastóide. Archives of Otolar yngology 73, 54 (1961).
8. Valvassori, G.E. - Tumores of the Ear. h Valvassori, G.E; Portter, G.D; Hanaffe N.W; Carter, L.B. and Buckinghan, A.R Radiology of ear, nose and throat, 198, W.B Saunders Co.
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10. Compere Jr., W.E. - Conventional Radio logic Examination of the Temporal Bone In Shambaugh Jr., G.E. Surgery of the eai 28 edition W.B Sauders 1976.
11. Valvassori, G.E. - Tomography of th Temporal Bone In Shambaugh Jr, G.E. Surgery of the ear 29 edition WB SAXJI DERS 1976.
12. Goodhil, V. - Tumores del Hueso Temporal. In Goodhill, V. - El Oido; Salvat Editores, 1986.




* Professor Titular - Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - U.F.R.J.
** Professor Assistente de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - Univ. Federal do Rio de Janeiro
*** Médicos Residentes do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - Universidade Federal do Rio de Janeiro
Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Endereço para correspondência: Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - Disciplina de Otorrinolaringologia. Avenida Trompowsky, s/n-° -11-° andar - Ilha do Fundão - Rio de Janeiro -RJ

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